Conversas sobre a formação em Psicologia e o trabalho para o Sistema Único de Saúde
Discente: Renata Guerda de Araújo Santos / Orientador: Prof. Dr. Jefferson de Souza Bernardes
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Universidade Federal de Alagoas
Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes
Colegiado de Psicologia
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Conversas sobre a formação em Psicologia e o trabalho para o Sistema Único de Saúde
Mestranda: Renata Guerda de Araújo Santos
Orientador: Dr. Jefferson de Souza Bernardes.
Maceió
2013
Renata Guerda de Araújo Santos
Conversas sobre a formação em Psicologia e o trabalho para o Sistema Único de Saúde
Dissertação
apresentada
Examinadora
do
Programa
à
Banca
de
Pós-
Graduação em Psicologia, da Universidade
Federal de Alagoas, como exigência para a
obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientador: Prof. Dr. Jefferson de Souza
Bernardes.
Maceió
2013
Renata Guerda de Araújo Santos
CONVERSAS SOBRE A FORMAÇÃO EM PSICOLOGIA E O TRABALHO PARA O SISTEMA
ÚNICO DE SAÚDE
Dissertação como requisito para a obtenção do título de Mestre em Psicologia, pelo
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFAL.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Jefferson de Souza Bernardes (orientador)
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
Profª. Drª. Magda Diniz Bezerra Dimenstein
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Profª. Drª. Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro
Universidade Federal de Alagoas – UFAL
A todos e a todas que passam seus dias investindo vida
no Sistema Único de Saúde,
inventando caminhos e tornando o sonho possível!
AGRADECIMENTOS
Alguns dizem que escrever é uma arte. E, de certa forma, eu concordo. Mas
escrever é também estado de alegria e encantamento. Ás vezes, escrever é transbordar
de emoção, contemplar estados de dor e amor.
Escrever esse texto foi, em última instância, percorrer caminhos com dor e amor.
E talvez por isso, escrever a primeira página de uma dissertação é o exercício último
que devemos fazer.
E não escapando a esta regra, o farei com a caneta na mão em busca da rima, dos
versos, dos cantos, das lágrimas, do espetáculo do mar e da poesia sempre presente
nestes dois anos de trabalho.
Dedicar e agradecer. Os verbos se misturam e se co(n)fundem na memória de
um tempo curto. São muitos e variados. Diversos personagens circulam nesta história,
que não acontece marcando um começo, mas, que os reconheço nos momentos das
travessias necessárias...
Aos meus pais, Renato e Irami, por acolherem com amorosidade todas minhas
incertezas;
À minha irmã, Taciana, pelo amor, conforto, presença e presente mais belo;
À Sofia, minha sobrinha, que em seu momento de descobertas e de aprender a
falar tem me ensinado que as palavras serão sempre mágicas. E como é doce ouvi-las;
Ao meu orientador, Jefferson Bernardes, por sempre ser tão bom aprender junto
com ele. Sem dúvida, com ele a travessia ficou mais leve;
Aos meus amigos e amigas, que me alimentaram com alegria e incentivo;
A uma bruma leve que passou em minha vida e que com ela pude
clandestinamente traduzir as propostas para o próximo milênio na linguagem do
respeito, solidariedade e paixão;
Ao Coletivo AfroCaeté, pela parceria e pela força dos nossos tambores. E por
fazer do batuque um instrumento de luta social;
À rede ABRAPSO Norte/Nordeste, pelas vozes guerreiras bonitas que agregam
e que transformam cotidianamente o saber-fazer da Psicologia Social, e assim forjam
práticas democráticas e dialógicas;
Ao Grupo de Pesquisa Psicologia e Saúde, pela convivência inspiradora e
afetuosa ao longo do trabalho;
Ao PET-Saúde, pela colaboração no percurso destes dois anos de pesquisa;
Aos estudantes do curso de Psicologia UFAL/Maceió, pela disponibilidade para
as conversas;
Às professoras Magda Dimenstein e Maria Auxiliadora Teixeira Ribeiro pela
cuidadosa recondução durante o Seminário para a Qualificação;
À FAPEAL, pelo investimento no desenvolvimento tecnológico e científico para
o Estado de Alagoas.
“Houve quem pensasse que esse compromisso ético-político genericamente traduzido num
conceito ampliado de saúde e no compromisso com a construção do SUS fosse suficiente para
orientar mudanças na formação.
Houve quem pensasse que a questão central fosse a transformação das concepções pedagógicas,
do papel e das relações entre docentes e estudantes no processo de produção do ensinoaprendizagem.
Houve quem destacasse a complexidade da transformação institucional implicada em mudanças
profundas na formação construídas no interior de instituições de ensino bastante tradicionais e
conservadoras, atravessadas por compromissos e interesses corporativos e privatistas.
Houve quem percebesse ser muito difícil mudar a formação sem, simultaneamente, transformar
as práticas de saúde.
É necessário, então, compreender a natureza do trabalho em saúde e suas especificidades, a
conformação dos diferentes arranjos tecnológicos envolvidos em sua produção e os diferentes
compromissos ético-políticos que eles implicam.
Mas como produzir essas transformações trabalhando com mais indagações do que com
respostas?”
Laura Feuerwerker
RESUMO
A formação em Psicologia, no Brasil, produz um projeto distinto daquele preconizado
pelas diretrizes éticas e políticas do Sistema Único de Saúde (SUS). Orientar-se pelas
diretrizes do SUS na formação do psicólogo tem produzido efeitos nos currículos e nas
Propostas Político-Pedagógicas dos cursos. Nesta orientação, alguns dispositivos têm
sido construídos problematizando novas proposições a partir da Integração EnsinoServiço. Desta forma, localizamos nossa pesquisa na micropolítica destes processos
com o objetivo de discutir a formação em Psicologia a partir da introdução de políticas e
práticas orientadas para o SUS. Adotamos as conjecturas da Pesquisa Social e das
Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano como referenciais
norteadores, trabalhando a partir de uma composição cartográfica na construção de um
olhar de perto e de dentro, deslocando, desta forma, algumas das regularidades da
ciência. Inspirada no movimento vivo da Etnometodologia, apresentamos nossa
presença no campo-tema explorando as diversas possibilidades de conversas no
cotidiano. Realizamos duas Rodas de Conversas, guiadas por questões disparadoras
referentes aos eixos temáticos da pesquisa. Tais Rodas foram consideradas espaços
metodológicos privilegiados e informais, garantindo o fluxo das conversas. A análise foi
realizada a partir do encontro com a literatura, no texto de Ítalo Calvino “As seis
propostas para o próximo milênio”, os diálogos com textos e as discussões sobre a
formação em Psicologia e o SUS durante o pesquisar. Preservar as lições de Calvino
(leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade e consistência) para a formação
em Psicologia é um guia que nos permitiu problematizar as questões centrais para a
pesquisa: a) Como pensar a formação em Psicologia adotando a integração ensinoserviço-comunidade como elemento potencializador e convergente com a Política
Pública de Saúde brasileira? b) De que maneira a formação em Psicologia tem
produzido sujeitos ao trabalho orientado/sintonizado para o SUS? Conclui-se que a
formação do trabalho para o SUS acontece na vida, e a vida das cidades e das pessoas
precisa ocupar espaços concretos nos atuais dispositivos formadores para o SUS.
Palavras-Chave: Formação em Psicologia, Integração Ensino-Serviço, Sistema Único
de Saúde.
ABSTRACT
Training in Psychology in Brazil, produces a design different from that advocated by the ethical
guidelines and policies of the Unified Health System (SUS). Guided by the guidelines of SUS in
the training of psychologists have produced effects in the curriculum and in the Proposals
Political-Pedagogical courses. In this orientation, some devices have been built problematizing
new proposals from the Integration Service-Learning. Thus, we locate our research in the
micropolitics of these processes in order to discuss the formation in Psychology from the
introduction of policies and practices for the SUS. We take the guesswork of Social Research
and Practice and Discursive Production of Meaning in Everyday Life as guiding frameworks,
working from a cartographic composition in building a look from near and inside, moving this
way, some of the regularities of science. Inspired by the movement of live Ethnomethodology,
we present our presence in the field-theme exploring the various possibilities in everyday
conversations. Conversations conducted two wheels, guided by triggering questions related to
themes of research. These wheels were considered privileged methodological and informal
spaces, ensuring the flow of conversation. The analysis was performed from the encounter with
literature, the text of Italo Calvino "The six proposals for the next millennium," the dialogues
with texts and discussions on training in Psychology and SUS during the search. Preserving the
lessons of Calvin (lightness, quickness, exactitude, visibility and multiplicity and consistency)
for training in Psychology is a guide that allowed us to discuss the core issues for research: a)
How to think training in Psychology adopting the integration of teaching and community
service-like enhancer element and converging with the Brazilian Public Health Policy? b) How
does training in psychology has produced subject to job oriented / tuned for SUS? We conclude
that the formation of labor for SUS happens in life, and the life of cities and people need to take
concrete spaces in existing devices trainers for SUS.
Keywords: Training in Psychology, Teaching and Service Integration, Unified Health System
ÍNDICE
1. APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
11
1.1. Formação em Psicologia
17
1.2. Sistema Único de Saúde
28
2. PARADIGMA ÉTICO-POLÍTICO
36
3. PERCURSO METODOLÓGICO: AS CONVERSAS
44
3.1. Contextualizando o Território: PET-Saúde
4. APRESENTAÇÃO DAS DISCUSSÕES
54
60
4.1. Leveza
60
4.2. Rapidez
63
4.3. Exatidão
70
4.4. Visibilidade
73
4.5. Multiplicidade
77
4.6. Consistência
82
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
89
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
94
11
1. APRESENTAÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO DA TEMÁTICA
Esta pesquisa é atividade integrada ao Programa de Pós-Graduação em
Psicologia (PPG-PSI/Mestrado) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Situa-se
a partir dos diálogos com a Linha de Pesquisa Saúde, Clínica e Práticas Psicológicas e
com o Grupo de Pesquisa Psicologia Discursiva.
Forjou-se em minha trajetória, adotando as experiências no campo da Saúde
Pública, desde a graduação em Psicologia, no ano de 2008, até a conclusão do Curso de
Residência Multiprofissional em Saúde da Família, em 2010 e, mais recentemente, a
partir do trabalho desenvolvido no Programa de Educação pelo Trabalho para
Saúde/Saúde da Família, Linha Saúde Mental na Atenção Básica, na Universidade
Federal do Vale do São Francisco.
Localiza-se também no debate sobre o movimento da reforma curricular dos
cursos de Psicologia, nas proposições que se atualizam permanentemente dos Projetos
Político-Pedagógicos e nas diretrizes dos cursos da área da saúde para o Sistema Único
de Saúde. Diversos estudos já foram desenvolvidos envolvendo estas temáticas.
Entretanto, esta pesquisa busca localizar algumas experiências singulares que estão
sendo construídas na micropolítica cotidiana dos espaços de formação do psicólogo.
Suas aproximações teórico-metodológicas estão circunscritas no campo da
Pesquisa em Psicologia Social, sobretudo, as influências latino-americanas. Agrega
elementos da Pesquisa Qualitativa, a partir de conjecturas da pesquisa nos microlugares,
adotando as Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano como referencial
teórico-metodológico norteador.
Microlugares é um conceito-posicionamento inspirado na ideia figurativa
que busca problematizar a pesquisa como uma prática social que acontece nas
12
materialidades e sociabilidades das conversas e debates no cotidiano, propondo uma
inserção horizontal do pesquisador nestes encontros. Um desafio que exige um aprender
a prestar atenção na nossa cotidianidade e transformar este processo como parte
ordinária do próprio cotidiano. Estar atentos, não como um observador distante, mas
como parte integrante do universo da pesquisa. (P. SPINK, 2008).
Esta pesquisa buscou contemplar as leves tessituras entre os referenciais
teórico-metodológicos e um posicionamento ético e político no campo da ciência que
atravessasse todas as etapas do processo de pesquisa.
Para Santos (2005) o posicionamento marca uma transição paradigmática de
um conhecimento prudente (científico) para a construção de um paradigma para uma
vida decente. Esta transição se configura numa despedida dos pilares universalizantes da
ciência e se funda a partir de uma racionalidade mais plural, reaproximando a ciência da
aventura encantada na produção do conhecimento.
Quatro conjuntos de teses justificam este movimento de despedida, ou seja,
proposições para uma revolução científica numa sociedade que ela própria é
revolucionada pela ciência: todo conhecimento científico-natural é científico-social;
todo conhecimento é local e total; todo conhecimento é autoconhecimento e todo
conhecimento visa constituir-se em senso comum. Desta forma, este novo paradigma
não pode ser apenas científico, mas, sobretudo, um paradigma social. (SANTOS, 2005).
Trata-se de um transbordamento do discurso regular da ciência que adota a
produção do conhecimento como uma circulação da linguagem em uso, ou seja,
trançada no cotidiano. São inversões no campo epistemológico e ontológico que
deslocam o foco da linguagem: de uma concepção restrita da cognição para a
comunicação (conversação); do pensamento (enquanto uma entidade interna) para
13
linguagem em uso; e do uso da língua como um dispositivo para a produção de sentidos.
(BARTHES, 1996; SPINK; MENEGON, 2004).
A
partir
destas
questões
e
inspirados
no
movimento
vivo
da
Etnometodologia, ferramenta que guia o processo da pesquisa, e que nos auxilia a "lidar
com o incerto, o descontínuo, o flexível, o plural, o escorregadio", delimitamos nossa
presença no campo-tema da pesquisa. (DALMOLIN et al, 2002).
O campo-tema é o próprio fluxo do cotidiano. A inserção no campo-tema o
mantém socialmente presente na agenda das questões diárias. Segundo Garfinkel (apud
P. Spink, 2008), estamos no campo porque estamos no campo-tema como matriz de
questionamento e argumento, de ação e narração.
O ponto central para as discussões é buscar contextualizar as atividades
práticas do cotidiano, sejam estas atividades ordinárias ou extraordinárias, considerando
que a realidade social é construída pelos atores sociais em interação, não como um dado
pré-existente, mas como possibilidades sempre em construção.
Segundo Guesser (2003), a Etnometodologia exige uma mudança dos
métodos desde a coleta de dados à apresentação da construção teórica e das análises. De
acordo com o autor, é preciso considerar que os fenômenos cotidianos estão em
constante criação, transformação e extinção.
A inserção no campo-tema possibilitou a conversação com a fertilidade da
estratégia da integração ensino-serviço, apresentada pela Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (BRASIL, 2008). A estratégia auxilia a produção de ferramentas
teórico-metodológicas coerentes e capazes de promover transformações na gestão e na
produção do cuidado em saúde, provocando mudanças do perfil na formação do
psicólogo.
14
A introdução de novas políticas e práticas, na formação em Psicologia,
busca estabelecer movimentos curriculares orientados para um perfil formativo
convergente com as necessidades de saúde da população e com o Sistema Único de
Saúde.
Estas políticas e práticas integram novas ferramentas teórico-metodológicas
ao saber-fazer hegemônico na formação do psicólogo: Disciplinas e Estágios Integrados
no Campo da Saúde Coletiva, Projetos de Extensão, Projetos de Pesquisa, Residências
Multiprofissionais em Saúde, entre outros dispositivos, e já têm sido incorporados por
diversas escolas formadoras.
Além destes dispositivos, o Programa de Educação pelo Trabalho para a
Saúde (PET-Saúde), instituído em 2009 pelo Ministério da Saúde, constitui-se como
estratégica para a reordenação dos cursos da saúde no ensino superior e tem sido uma
modalidade privilegiada, com proposições a partir do encontro entre os diversos núcleos
no campo da saúde, mediados por perspectiva ético-política transdisciplinar.
O PET-Saúde foi o cenário privilegiado de interlocuções juntamente com os
desdobramentos agenciados a partir da rede PET-Saúde no curso de Psicologia da
UFAL, campus Maceió. Marcar o PET-Saúde possui como objetivo entrecruzá-lo,
juntando fragmentos para ampliar as vozes, argumentos e possibilidades de diálogos
presentes. (P. SPINK, 2003).
Durante um ano essa rede de formação foi percorrida, finalizando o trajeto
com a realização de duas Rodas de Conversa, uma com os preceptores e outra com os
estudantes. Estas Rodas foram transcritas e os fluxos das conversas foram tomados
como elementos narrativos para problematizarmos a formação em Psicologia e o
trabalho para o SUS.
15
Desta forma, a questão foi problematizar os caminhos possíveis para o
fortalecimento da Integração Ensino-Serviço na saúde a partir da discussão sobre a
formação em Psicologia e o trabalho para o SUS.
O objetivo principal desta pesquisa, portanto, é discutir a formação em
Psicologia a partir da introdução de políticas e práticas orientadas para as necessidades
de saúde da população e para o Sistema Único de Saúde. Buscando visibilizar alguns
dispositivos e práticas orientadas para a formação do trabalho para o SUS
desenvolvidos no curso de Psicologia da UFAL/Maceió e problematizar como estes
articulam a integração ensino-serviço-comunidade.
A narrativa adotada buscou inspiração na literatura com o objetivo de
estabelecer pontos de conversação com o universo do campo-tema. O percurso da
escrita não se limita a transcrever ou representar a experiência, mas se apresenta
considerando a intertextualidade produzida com a rede de interlocutores. Neste sentido,
buscou-se valorizar as vozes em suas múltiplas dimensões: marcadas tanto pelos
processos autorais na escrita, quanto pelos processos coletivos de produção de sentido.
Por isso, às vezes, o texto estará na primeira pessoa do singular, às vezes no plural.
De acordo com Santos (2005), a transição paradigmática e o abandono da
primazia do método na produção do conhecimento também repercutem nos estilos e
gêneros da escrita. A ciência para uma vida decente, conforme propõe o autor, não se
limita a um estilo unidimensional, o seu estilo é uma configuração de estilos. Ou seja, a
tolerância discursiva é o outro lado da pluralidade metodológica.
Na primeira parte do texto há uma breve discussão sobre o processo
histórico da formação em Psicologia, seguindo com a contextualização sobre o Sistema
Único de Saúde. Neste, adota-se a linha histórica sobre o panorama de Reforma
16
Sanitária brasileira e os atuais desafios para o SUS no que se refere às questões sobre a
formação e o trabalho.
Logo em seguida, apresenta-se o referencial ético-político e os
desdobramentos metodológicos da pesquisa, discutindo algumas questões sobre os
modos de produção do conhecimento e da pesquisa social.
Finalizando o texto, as “Seis propostas para o próximo milênio”, as lições
de Ítalo Calvino (1990) para o rumo da literatura no século XXI. Por meio de um
paralelo com a literatura, problematiza-se a formação em Psicologia, considerando que
a formação do trabalho para o SUS acontece na vida. E a vida das cidades e das pessoas
precisa ocupar espaços concretos nos atuais dispositivos formadores para o SUS. Tais
dispositivos são caracterizados pelas propostas calvinistas, que são: leveza, rapidez,
exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência.
17
1.1.
Formação em Psicologia
Antes da Psicologia se apresentar como disciplina autônoma, práticas e
preocupações teóricas de ordem psicológica eram partilhadas com a Medicina, a
Pedagogia, a Filosofia e outros campos disciplinares. (MANCEBO, 2008).
A partir de 1930, com a promessa de industrialização do país, é possível
localizar na história do Brasil relatos sobre práticas psi. Alguns trabalhos de
psicotécnica realizados em função da necessidade de selecionar, orientar e treinar os
trabalhadores para a chegada das novas indústrias em nosso território marcaram as
primeiras tentativas para a consolidação deste novo domínio.
Foi nesta década que houve tentativa frustrada de abertura de curso de
Psicologia, constituído por Waclaw Radecki, no laboratório de Psicologia da Colônia de
Psicopatas do Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, em 1932, com a duração de nove
meses. (BERNARDES, 2004).
Medidas concretas para fazer avançar o sistema econômico no país são
tomadas e a Psicologia, de certa forma, é apropriada pelo Estado como um dispositivo
concreto capaz de alcançar tais objetivos. Diversos departamentos e setores
especializados são criados para fomentar programas de recrutamento e seleção. Em 30
de julho de 1938, é criado o Departamento do Serviço Público (DASP), o grande
agenciador para seleção e contratação de pessoal, e que impulsiona a criação da
Fundação Getúlio Vargas e, posteriormente, o Instituto de Seleção e Orientação
Profissional – ISOP. (MANCEBO, 2008).
O ISOP mantinha suas ações centradas na Psicologia Aplicada,
principalmente, orientadas para recrutamento, seleção e treinamento de pessoal. De
18
acordo com Mancebo (2008), os objetivos do ISOP imprimem marcas diretas na lei que
estabelece a profissão no Brasil, são eles:
a) Realização de pesquisas de caráter psicotécnico, objetivando o ajustamento
entre o trabalhador e o trabalho;
b) Estudo, a execução e a difusão dos métodos científicos de informação,
seleção profissional, concursos e classificação de pessoal, assistência
psicológica no trabalho, orientação vital e orientação profissional;
c) Reajustamento e readaptação profissional dos incapacitados do trabalho,
possibilitando seu retorno a atividades profissionais adequadas;
d) Estudo do mercado nacional do trabalho para o fim de colocação racional
trabalhador, com vistas a seu maior rendimento nas melhores condições
técnicas;
e) Promoção de reuniões e seminários de Psicotécnica;
f) Organização e administração de cursos de formação, extensão e
aperfeiçoamento de psicotécnicos e orientadores profissionais.
O primeiro anteprojeto de lei sobre a formação e a regulamentação da
profissão, apresentado em 1953 ao Ministério de Educação e Cultura, foi organizado por
alguns profissionais do Rio de Janeiro filiados à Associação Brasileira de Psicotécnica.
De acordo com Baptista (2010), este documento foi assinado por membros da diretoria
da associação, todos eles vinculados ao ISOP: Manuel B. Lourenço Filho, José da Silva
Pontual, Emilio Mira y Lopes e José Moacir de Andrade Sobrinho.
Ainda, segundo a autora, o curso de Psicologia proposto pelo anteprojeto
estabelecia a formação em dois níveis: bacharel em Psicologia, com um curso de três
anos, a ser realizado nas faculdades de Filosofia e caracterizando a profissão como um
19
auxiliar-psicologista em serviços de Psicologia aplicada. E o licenciado, que seria um
curso com a duração de dois anos e formaria o psicotécnico da educação e do trabalho e
o do ajustamento clínico, permitindo ainda o exercício de direção.
A Psicologia é regulamentada no Brasil como profissão em 1962. Neste
mesmo ano também é aprovado pelo Conselho Federal de Educação, o currículo
mínimo para o funcionamento dos cursos. De acordo com Bernardes (2004) o Brasil foi
o primeiro país a regulamentar a Psicologia enquanto profissão.
O processo histórico da regulamentação da profissão revela um campo de
disputa e conflitos entre os mais diversos interesses da crescente sociedade brasileira.
Em 1971 é instalado os Conselhos Regionais e o Conselho Federal de Psicologia. E em
1974 é aprovado o primeiro Código de Ética. As divergências são tanto no que se refere
ao projeto de Psicologia para o país, já que diversas práticas já vinham sendo
desenvolvidas, quanto no próprio domínio no campo do saber, na delimitação de suas
fronteiras, por exemplo.
Relações conflitantes permearam todas as propostas elaboradas pelas
instituições e associações que já trabalhavam com a formação dos técnicos em
Psicologia e aquelas que tinham interesse em fazer a formação em Psicologia
considerando sua função clínica e científica. Polarização esta que, de certa forma,
permanece nos currículos da Psicologia nos dias atuais.
A abertura econômica do país e os planos desenvolvimentistas para o
fortalecimento do Estado Neoliberal, já imprimia a marca do perfil do psicólogo como
um profissional liberal, atribuindo seu exercício com independência, regulado pelo
mercado e com o predomínio do exercício exclusivo de seus conhecimentos e técnicas.
Este perfil formativo, de certa forma, caracterizou o desenvolvimento do
saber-fazer da Psicologia a partir de aproximações com as ciências naturais, legitimadas
20
pelo rigor da ciência positiva, objetiva e técnica. Na pesquisa este processo significou a
valorização do método experimental e, na prática profissional, no domínio da realização
de atividades relacionadas à seleção e diagnóstico, principalmente das crianças (na
escola), doentes mentais (hospital psiquiátrico) e dos trabalhadores (organizações).
(Jacó-Vilela, 2008).
De acordo com Mancebo (2008), é com a avaliação objetiva das aptidões e
habilidades e a garantia de um aperfeiçoamento técnico para uma melhor e maior
adaptação produtiva dos trabalhadores e escolares que o projeto da Psicologia chega e
se consolida no Brasil.
No Brasil, a introdução de novas profissões não atendeu a demandas sociais
da população, ao contrário, foi fruto da importação de modelos profissionais de alguns
países europeus e dos Estados Unidos. Nestes países a Psicologia encontrou desafios
concretos e respondeu a eles pragmaticamente com a criação de técnicas que facilitaram
o diagnóstico e a intervenção do psicólogo nas escolas, no universo do trabalho e na
clínica. Entretanto tais modelos não correspondiam às necessidades da população
brasileira e, até hoje, os efeitos destes modelos padronizados ainda reverberam no
contexto da prática e da formação profissional. (SPINK, 2003; MANCEBO, 2008).
A consolidação da Psicologia para o Estado brasileiro, a um só tempo,
criava e atendia a demandas de governo e de mercado. Na formação, e nos cursos,
representava a realização do projeto pleno de mercantilização da educação; no campo
profissional é o estabelecimento de funções privativas do saber-fazer do psicólogo,
como o monopólio do uso de testes psicológicos, por exemplo.
Esta racionalidade econômica imposta pelo neoliberalismo ressignificou as
políticas e setores antes considerados improdutivos, ou seja, não rentáveis, e
reorganizou a oferta de serviço e consumo induzindo outros modos de produção,
21
transformando o direito público em mercadoria. A educação faz parte deste pacote de
mercantilização e a partir dos anos 1980 o país vive ascensão dos produtos educacionais
com a privatização do setor, seguindo nos anos 1990 com o alinhamento aos princípios
de controle total do capital por organismos internacionais como o Fundo Monetário
Internacional (FMI), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), Banco Mundial (BM) e outros. (RIVERO, 2010).
Este movimento retira o debate da educação da esfera pública e do campo
do direito e submete-o às regras do mercado, ou seja, transforma a educação num objeto
de consumo individual, e não de discussão pública, organizando processos de maior
controle da vida cotidiana escolar. (SILVA apud BERNARDES, 2004).
O mundo capitalista moderno vivia a efervescência da tecnocracia dos
processos de trabalho com os testes de seleção e recrutamento para uma mão-de-obra
qualificada, sendo necessário o desenvolvimento de projetos e ações que acelerassem a
produção industrial. O que exigia uma formação com função reprodutiva do
conhecimento, em detrimento a valorização das demandas sociais e da problematização
da realidade brasileira. (BERNARDES, 2004).
De acordo com Spink (2003), o modelo ocupacional brasileiro favorecia o
desenvolvimento de uma estrutura aberta de mercado, em função da ausência de um
modelo feudal que facilitava o surgimento das comunidades de ofício, tal como
acontecia nos países europeus. Desta forma, antes que houvesse as condições
necessárias para o surgimento de determinadas profissões, prevaleceu o modelo de
importação. Esta prática de certa forma imprimiu na Psicologia uma hegemonia do
modelo disciplinar, com especialização precoce, centrado na técnica e distante das
necessidades da população.
22
Estas estratégias de regulamentação regida pelo neoliberalismo tinham por
função assegurar o monopólio do saber e da prática profissional, garantindo um espaço
institucionalizado de trabalho com hegemonia na área organizacional, na educação e na
clínica privada. (DIMENSTEIN, 1998).
A regulamentação profissional representa a utilidade de determinado saberfazer para uma comunidade específica. Esta necessidade de regulação está relacionada
não apenas às características do modo de operar determinado saber-fazer, mas
obedecem a outros dispositivos de regulação e controle que envolvem o poder
coorporativo, estabelecendo as pressões necessárias para viabilizar e validar o jogo
político, as características e atos da divisão técnica do trabalho e o grau que o Estado
chama para si no que se refere à regulação do processo de trabalho. (SPINK, 2003).
A Psicologia brasileira se consolida como um projeto convergente com a
lógica moderna de regulação e controle, sendo um território fértil para o
desenvolvimento e disseminação de técnicas projetadas para um indivíduo conhecível e
funcional. Ou seja, fortalecendo uma política de coerção e manipulação calculada dos
elementos, gestos e comportamentos das populações. (FOUCAULT, 2010).
Um modelo higienista controlado pelo Estado que buscava completo bem
estar do corpo e do espírito. Este processo foi acompanhado por uma crescente
estruturação dos papéis sociais dos indivíduos, estabelecimentos de normas, regras
morais, padrões estéticos e políticos na educação, saúde, religião, garantindo uma
coesão total do universo social e da manutenção do status quo. (MASSIMI, 2010).
A suposta eficácia deste modelo psicológico tem se esgotado no cotidiano
do trabalho no Sistema Único de Saúde. Pois, a forma como historicamente foram
organizadas as disciplinas no interior do campo da saúde estabeleceu a cristalização de
relações, sobretudo, dos modos de produção da vida.
23
A partir do estabelecimento destas disciplinas no campo da saúde, novas
fronteiras passaram a exercer um controle cada vez mais fixo. São regras forjadas na
corrida imperialista da especialização precoce, na normatização dos procedimentos
queixa-conduta e na naturalização do processo saúde-doença.
Entretanto este jogo de organização das disciplinas, de forma fragmentada, é
também um princípio relativo e móvel, visto que elas não possuem sentidos que
precisam ser descobertos, nem uma identidade que deve ser repetida. A tarefa crítica é
compreender a disciplina como aquilo que é requerido para a construção de novos
enunciados. Ou seja, criar espaços para que ela responda cada vez mais a complexidade
e às diferentes condições e contextos. (FOUCAULT, 1996).
Desta forma, o Sistema Único de Saúde surge e se consolida num cenário à
medida que novos discursos passam a circular e validar novas práticas, tecendo assim
outro perfil profissional, politicamente implicado na construção de um sistema justo e
solidário de atenção. De acordo com Dimenstein (2001), a formação acadêmica não tem
fornecido elementos para a construção deste perfil, pois ele demanda um alto grau de
potência de resposta/ação, de articulação intersetorial, de mobilização de parcerias e de
estratégias específicas.
Os distanciamentos produzidos pela Psicologia no campo da Saúde Pública
são sustentados pelo predomínio do modelo psicodinâmico no ensino da Psicologia na
graduação e, muitas vezes, na total ausência de temáticas relacionadas à Saúde Pública,
predominância de teorias e enfoques no indivíduo e a hegemonia do modelo médico
para o estudo do processo saúde-doença. (SPINK, 2003).
Benevides (2005) considera que a inserção da Psicologia no campo da saúde
deve necessariamente problematizar os modos de intervenção para além dos enquadres
clássicos e modelos hegemônicos da formação. Segundo a autora, a superação da
24
fragmentação do saber/fazer exige rupturas com o modelo da clínica individual e
privada e, sobretudo, com as dicotomias que mantêm em separado a ordem dos registros
de sujeito e objeto, indivíduo e sociedade, desejo e política, ciência e política.
A linearidade do currículo como consequência do aprendizado desse modelo
biológico, disciplinar e centrado na clínica individual, segundo Guareschi et al (2009), é
uma das dificuldades para que os currículos formem profissionais da Saúde para o SUS
e que atuem a partir de uma concepção de saúde implicada com o cuidado e promoção
das condições de vida dos sujeitos.
A formação em Psicologia pode buscar diversas contribuições na rede de
saúde, considerando seu núcleo de saber, os distintos contextos de trabalho e, ainda,
considerar as expectativas que a sociedade tem em relação ao seu papel no campo da
saúde. Cada vez mais o plano político para o currículo da Psicologia deve
necessariamente convergir com um plano político para o SUS. (DIMENSTEIN, 2003).
Ainda é preciso considerar que há um modelo clássico presente também na
formação da Psicologia com uma concepção muito particular da subjetividade, o
"sujeito psicológico". Segundo Dimenstein (2003), a hegemonia deste modelo de
subjetividade, que está presente no conhecimento e na prática psi, representa uma
problemática na medida em que não é produzido em seu próprio contexto.
Considerando os avanços da Reforma Sanitária e os campos de disputa dos
modelos assistenciais e de gestão, argumenta-se que os muitos dispositivos existentes
para operar tais processos não se delimitam em sistemas homogêneos, mas seguem
direções diferentes. Estas direções formam processos sempre em desequilíbrio, e essas
linhas tanto se aproximam como se afastam umas das outras. (DELEUZE, 1990).
Os dispositivos, de acordo com Foucault (apud Weinmann 2006), são:
25
um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,
instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares,
leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os
elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre estes elementos. (WEINMANN, 2006, p. 17).
Entretanto, o fato destas forças serem móveis, instáveis, heterogêneas e de
sua confrontação ser inevitavelmente tensa, desequilibrada e de realizar-se em espaço
aberto, pelos efeitos de resistência que suscita, torna incerta a estabilidade de um
dispositivo. Produz, assim, a necessidade de rearranjos e de rearticulações constantes
em sua configuração, pois gera fissuras nos estados de dominação. (FOUCAULT, 1997
apud WEINMANN, 2006).
Neste sentido, a formação dos trabalhadores para o SUS demanda uma
ocupação necessária do território, da produção viva do trabalho. É preciso percorrer o
caminho sobre nossas próprias linhas. Ser um caminhante não em linha reta que se
contenta apenas em compor meramente um dispositivo, mas é preciso atravessar,
arrastar-se, de norte a sul, de leste a oeste ou em diagonal, compor novas linhas, novos
pontos. (DELEUZE, 1990).
Os dispositivos geralmente são modelagens produtivas capazes de operar
nas diversas dimensões da caixa de ferramentas do trabalhador da saúde. Entretanto, as
capturas no uso destes dispositivos implicam movimentos vivos, quer seja no uso de
tecnologias duras (equipamentos, protocolos, exames) ou na tradução de um exame de
laboratório que envolve um saber tecnológico mais definido, que são as tecnologias
leve-duras, ou ainda, as tecnologias leves que estão na dimensão relacional do encontro
com o outro. (MERHY, 2002).
Os dispositivos são ainda práticas que indicam um conjunto de
características ligadas ao caráter de imprevisibilidade do próprio dispositivo e àquilo
que tange sua condição de “acontecimento”. As linhas de fratura, de fissura, ilustram
26
bem esta afirmação na condição de introdutoras de “acaso, contingência, novidade,
diferença, vontade de jogo e experimentação com formas de pensamento e
sociabilidade”. (Ortega apud Marcello, 2004).
De acordo com Deleuze (1990), os dispositivos são processos sempre em
construção, que não se apresentam nem como sujeitos, nem como objetos, mas como
um emaranhado de linhas com possibilidades de sempre derivar-se e transformar-se. E
apresentam como principais componentes:
linhas de visibilidade, linhas de enunciação, linhas de força, linhas de
subjetivação, linhas de ruptura, de fissura, de fratura que se
entrecruzam e se misturam, enquanto umas suscitam, através de
variações ou mesmo mutações de disposição. (p. 04).
Considerando que estas são linhas de variações, com muito mais arestas que
coordenadas constantes, dois efeitos são importantes para pensar a filosofia do
dispositivo. A primeira é o repúdio as tentativas de estabelecer normas universais para o
funcionamento dos dispositivos. Com efeito, o universal nada explica, é ele que deve
ser explicado. De acordo com Santos (2005), todas as tentativas de universalização
representa uma arbitrariedade direta aos contextos locais.
O segundo efeito é uma mudança de orientação que se separa do eterno para
a possibilidade de apreender o novo. “Neste sentido como é que é possível no mundo a
produção de algo novo?”. (DELEUZE, 1990, p. 05).
Cada dispositivo é uma multiplicidade na qual esses processos operam em
constante devir. O primeiro projeto da Psicologia se consolida como um dispositivo que
encontrou seu espaço como uma técnica de regulamentação, um pretenso conhecimento
universalizante sobre as pessoas com o objetivo institucional de administrá-las, moldálas, reformá-las. (ROSE, 2008).
Considerando que os dispositivos operam nestas linhas-funções as quais
outras orientações são sempre possíveis, e localizam-se entre o universal e o local, como
27
pensar a formação em Psicologia e o trabalho para o SUS a partir de linhas que não se
fechem em si mesmo, mas que possibilitem outras composições?
Esta definição somente é possível pela capacidade que o dispositivo assume
no que se refere à novidade e a criatividade. Ou seja, a capacidade de se transformar ou
se fissurar em função de um dispositivo futuro. Atualmente conseguimos visualizar
algumas fissuras no cotidiano dos cursos de Psicologia. Novas experimentações têm
buscado construir outros projetos para a Psicologia. Isto não significa que este
movimento esteja buscando substituir o modelo vigente, ou um modelo mais
verdadeiro, com compromisso social. Mas, de poder considerar que a história é um
movimento de permanências e rupturas.
A presença da Psicologia no campo da saúde performa contornos
indefinidos e com variações as mais diversas. A necessidade de priorizar, no modelo de
formação, um projeto apoiado nas necessidades de saúde da população e nos desafios
para a consolidação dos SUS apresenta-se como linha de fuga.
A maneira de transpor tais linhas é no encontro, na curva, entre os
meandros, quando uma força, em lugar de entrar em relação linear com outra força, se
volta para si mesma, exerce sobre si mesma ou afeta a si mesma. (DELEUZE, 1990).
No percurso, encontramos nas propostas de Calvino (1990) possibilidades
de fundir dispositivos formadores no encontro com outros dispositivos os quais,
inspirados na literatura, traduzimos em: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade,
multiplicidade e consistência.
28
1.2.
Sistema Único de Saúde
Compreender o passado não significa conhecê-lo como ele “de fato foi”,
significa apropriar-se de suas reminiscências e outros fragmentos, pois a história não é
um tempo homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de “agoras”. (BENJAMIN,
1987).
Este continuum da história da Reforma Sanitária no Brasil não é unívoco.
Carrega as mais variadas experiências de reformulação normativas e institucionais no
campo da assistência à saúde da população, ou seja, os diversos modelos de atenção e
gestão em saúde, configurando-se como um processo em movimento. (COHN, 1989).
Estudiosos do campo estabelecem de forma didática algumas periodizações
para compreendermos o panorama da macropolítica de saúde. Entretanto, é necessário
que não se perca de vista a noção da continuidade dos modos de produção de serviços
de saúde no Brasil ao longo dos anos, pois assim não corremos o risco de homogeneizar
o cenário político de disputa e suas tentativas de conceituação sempre localizadas e
abstratas. (CAMPOS, 2007a).
Estas disputas atravessam a história e de acordo com Merhy (2002), este
processo é polarizado em duas correlações de forças: de um lado os que defendem o
direito à saúde e, de outro, os que defendem interesses coorporativos e privados.
Este processo é marcado, grosso modo, por três grandes momentos: o
primeiro remonta da República Velha, com o modelo do sanitário campanhista, até
meados dos anos 1950. O segundo é caracterizado pelo modelo médico assistencial
privatista, que se consolida no país a partir dos anos 1960. E, por fim, o modelo do
SUS, nossa história mais recente, que busca se configurar em modelo amplo,
29
democrático e orientado a atender as necessidades de saúde da população. Tais modelos,
ainda atualmente, coexistem em maior ou menor dimensão.
O modelo campanhista, focado em ações de controle da doença, sobretudo,
a partir da influência da microbiologia e da bacteriologia, tinha o objetivo de manter as
cidades livres das pestes que ameaçavam o desenvolvimento do Estado. Já o modelo
privatista é organizado a partir da oferta de serviços com a lógica curativa, centrado no
saber médico especializado, individualizado e hospitalocêntrico. (NEPOMUCENO,
2009).
De acordo com Campos (2007a), existem no país dois grandes projetos
sanitários para a saúde: o modelo liberal-privatista, de livre mercado com intervenção
mínima do Estado e a tradição dos sistemas nacionais que foram construídos com a
articulação e a participação popular na luta pela democracia. Estes projetos embora se
apresentem de forma complexa e contraditória, na maioria das vezes, compõem uma
miscelânea de discursos que produzem tensões permanentes entre a estatização e
privatização da atenção e da gestão à saúde.
Pode-se dizer que as políticas de saúde se constroem na tensão entre essas
duas forças. Ora com vitórias claras do complexo médico-industrial, ora a partir do fim
da ditadura, com algum equilíbrio de forças. (DA ROS, 2006).
Com a lenta e gradual distensão do regime militar e o processo de transição
democrática, os Movimentos Sociais radicalizaram suas estratégias e proposições,
crescendo nas municipalidades. Diversos atores se veem envolvidos na luta pela
Reforma Sanitária e começam a ocupar cargos estratégicos na gestão da política, como
exemplo, Sérgio Arouca e Hésio Cordeiro. Ambos haviam sido presidentes nacionais do
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). Da Ros (2006) afirma que estes
movimentos
fugiam
do
controle
do
complexo
médico-industrial
instalado
30
imperialmente em Brasília e sem forças locais fortes nos municípios para enfrentar os
movimentos sociais organizados.
A VIII Conferência Nacional de Saúde é convocada por José Sarney em
1986 e presidida pelo professor Sérgio Arouca. Um marco político importante no que se
refere à participação e o controle social, pela primeira vez a saúde é trazida para a arena
de um amplo debate público. Representou a grande arrancada para o embate público que
haveria quando da eleição e instalação da Assembleia Nacional Constituinte, com a
afirmação da saúde como direito público inalienável. (COHN, 1989).
Em 1988 a Reforma Constituinte garante a saúde como um direito de todos
e um dever do Estado; e com a instituição da Lei Orgânica 8.080/90, fica assegurado a
todos os cidadãos o acesso universal, integral e equânime, sendo a gestão do serviço
descentralizada. Em 1992, na IX Conferência Nacional, é definida as Normas
Operacionais Básicas para definir as diretrizes para o funcionamento do SUS. (NOB
SUS 01/92).
A NOB teve forte frente de oposição, por exemplo, do próprio presidente da
República na época, Fernando Collor de Mello, além de todo complexo médico
regulador do sistema de internação hospitalar e de atendimento ambulatorial. Em suma,
oposição direta dos aparelhos de maior sustentação para as práticas médico-centradas.
As normas que se seguiram após a NOB SUS 01/92 também buscaram garantir o
funcionamento pleno e resolutivo do SUS, possuindo como nortes a descentralização da
gestão, a instituição dos colegiados regionais, a definição dos modelos de gestão, dentre
outros.
Nesta complexa arena, o desafio e a capacidade da Reforma Sanitária
brasileira deve ter como centralidade a capacidade de atuar, sobretudo, no cotidiano dos
serviços de saúde, procurando configurar um modelo de atenção que se ordene pela
31
radical defesa da vida, advogando que esse é um dos principais lugares para o confronto
com os projetos neoliberais. (CAMPOS apud MERHY, 2002).
A questão de fundo que perpassa todo o processo constitui, pois, a
compreensão da relação Estado-sociedade na constituição e consolidação de uma ordem
democrática. A ênfase exagerada na dimensão institucional na defesa de determinados
princípios para e pelas classes populares aproxima-se perigosamente dos parâmetros do
Welfare State, em que pesem os preceitos marxistas que orientam a formulação e
justificação dos projetos reformistas. (COHN, 1989).
Isto porque o SUS ainda é uma reforma social incompleta, considerando que
seus desafios se ampliam não só no campo da saúde, mas em uma reforma política do
Estado brasileiro e seus efeitos nas políticas públicas na assistência social, na segurança,
na Reforma Agrária, na distribuição justa de trabalho e renda. Sua implantação é
heterogênea, desigual, conforme características geopolíticas ou geoculturais de cada
região. As forças interessadas no avanço do SUS estão, pois, obrigadas a enfrentar os
obstáculos políticos e econômicos, de gestão e de reorganização do modelo de atenção,
cuidando, ao mesmo tempo, de demonstrar a viabilidade da universalidade e da
integralidade da atenção à saúde. (CAMPOS, 2007b).
A universidade brasileira assume um papel importante nesse percurso,
inclusive na construção de outro olhar sobre o processo saúde-doença, na prática
médica, nas políticas de saúde, no planejamento e na formação dos trabalhadores. Neste
sentido as escolas formadoras devem assumir o enfrentamento necessário, agregando o
ensino, a pesquisa e a extensão como dispositivos propositivos estratégicos para a
mudança no campo da saúde. (COHN, 1989).
A necessidade de uma política para a formação dos trabalhadores passa cada
vez mais a ser sentida no cotidiano dos serviços, pois mudanças operadas no modelo
32
assistencial exigiam novas práticas dos profissionais. Foi preciso aprofundar a análise
sobre a necessidade e a capacidade de oferta da universidade pública no que se refere à
inclusão de um currículo orientado para as necessidades do SUS.
A questão do trabalho e a formação dos trabalhadores, neste processo,
configuram-se como necessidades emergenciais voltadas para a construção de um perfil
profissional pautado numa ética social capaz de estabelecer um compromisso
democrático com o SUS.
O diálogo sobre trabalho e formação para a saúde não é novidade. Em 1986,
ocorreu a I Conferência Nacional de Recursos Humanos para a Saúde, com o tema
“Política de Recursos Humanos Rumo à Reforma Sanitária”. Esta conferência foi
emblemática e contou com cerca de quinhentos participantes entre profissionais da área
de saúde, educação, trabalho, administração e usuários do setor. As questões discutidas,
abordadas sob a perspectiva do trabalhador, envolviam a valorização profissional, a
preparação de recursos humanos, constituição de órgãos de desenvolvimento de
recursos humanos para a saúde, organização dos trabalhadores de saúde e relação dos
trabalhadores de saúde com usuários dos serviços. (SARRETA, 2009).
Nessa perspectiva é fundamental que as universidades também assumam sua
responsabilidade sanitária na formação de um perfil orientado para os SUS. Assim, é
essencial superar dicotomias presentes entre teoria e prática/universidade e serviço,
dentre outras.
Desta forma, a Política Nacional de Educação Permanente, instituída pelo
Ministério da Saúde em 2004, articula políticas e programas estratégicos para a
formação dos trabalhadores, assumindo-se como um conceito pedagógico para efetuar
relações orgânicas entre ensino-serviço no que se refere ao fortalecimento da atenção,
gestão, desenvolvimento institucional e o controle social. (BRASIL, 2004a).
33
De acordo com Ceccim (2005), a Política Nacional de Educação
Permanente em Saúde (PNEPS) representa a meta mais nobre do SUS e seu maior
desafio é tornar a rede pública de saúde uma Rede Escola. Este exercício deve ser um
continuum no que se refere à organização e as práticas no trabalho. Ou seja, uma
estratégia fundamental às transformações desejadas e operadas pelo Sistema Único de
Saúde, que:
diferentemente da noção programática de implementação de práticas
previamente selecionadas e com um currículo dirigido ao treinamento
de habilidades, a Política de Educação Permanente em Saúde
congrega , articula e coloca em roda/em rede diferentes atores,
destinando a todos um lugar de protagonismo na condução dos
sistemas locais de saúde. (Op. Cit., 2005)
Historicamente, representa um grande avanço, pois até 2004 o país não
possuía uma política pública capaz de capilarizar processos de formação e produzir
efeitos no ensino, na gestão, nas práticas de atenção e no controle social. Entretanto,
este projeto ambicioso para o SUS necessita ainda de maior investimento e centralidade
na condução da política pelas três esferas de gestão.
Os eixos prioritários da Educação Permanente em Saúde (EPS) tinham o
objetivo de construir uma política nacional de formação e desenvolvimento para o
conjunto dos profissionais de saúde, articulados a partir dos Pólos de Educação
Permanente em Saúde para o SUS. Estes tinham o papel de mobilizar os gestores,
identificar as demandas para formação, formular e propor políticas, integrar a rede de
cuidado, atenção e formação tanto a nível local quanto regional. (BRASIL, 2004a).
O objetivo dos Pólos de Educação Permanente era de ser um ordenador
local das mudanças na formação, fomentando projetos que envolviam a educação
técnica, a graduação, as especializações em serviço, as residências médicas e
multiprofissionais nos territórios de abrangência. De acordo com as Orientações e
34
Diretrizes para a Operacionalização da PNEPS a negociação e a articulação deveriam se
dar em cinco campos (BRASIL, 2004a):
a) transformar toda a rede de gestão e de serviços em ambientes escola;
b) estabelecer a mudança nas práticas de formação e de saúde como construção da
integralidade da atenção de saúde à população;
c) instituir a educação permanente de trabalhadores para o SUS;
d) construir políticas de formação e desenvolvimento com bases locorregionais;
e) avaliação como estratégia de construção de um compromisso institucional de
cooperação e de sustentação do processo de mudança.
Os primeiros movimentos da EPS foram iniciativas tímidas na capacidade
de promover mudanças nas práticas dominantes no sistema de saúde. Algumas delas
limitadas a introduzir mudanças pontuais, com poucas problematizações pedagógicas,
sendo na maioria das vezes centradas no conteúdo, descontextualizadas e fragmentadas.
O descompasso entre as ferramentas pedagógicas emancipatórias e a tentativa de
burocratizar a proposta da EPS, de certa forma, se configura como um novo desafio para
a política que mantem acesa sua potência frente à consolidação do projeto SUS.
Segundo Ceccim e Feuerwerker (2004), a PNEPS representa uma proposta
de ação estratégica para transformar a organização dos serviços e dos processos
formativos, as práticas de saúde e as práticas pedagógicas, implicando necessariamente
em trabalho articulado entre o sistema de saúde (em suas várias esferas de gestão) e as
instituições formadoras. A centralidade destes processos, segundo os autores, exige
maior agregação entre desenvolvimento individual e institucional, entre serviços e
gestão setorial e entre atenção à saúde e controle social. O ensino em saúde guarda o
35
mandato público de formar segundo as necessidades sociais por saúde da população e
do sistema de saúde, devendo estar aberto à interferência de sistemas de avaliação,
regulação pública e estratégias de mudança.
36
2. PARADIGMA ÉTICO-POLÍTICO
Alguns autores nas Ciências Sociais têm desenvolvido estudos e pesquisas
propondo interlocuções entre distintos referenciais metodológicos, argumentando que a
complexidade dos fenômenos exige, também, uma complexidade no modo como os
pesquisadores produzem intervenções efetivas ao longo do processo da pesquisa.
(NEVES, 2006; NARITA, 2006).
Este é um desafio epistemológico que se aproxima da criação de um novo
sistema de referência para a ciência, situado no reposicionamento das relações
estabelecidas pelo pesquisador e na forma como este situa seu campo de diálogo com o
universo de estudo.
Na perspectiva do Construcionismo Social a explicitação e visibilidade dos
passos metodológicos e das interpretações para todos os participantes da pesquisa, são
ferramentas indissociáveis da produção do conhecimento.
Neste sentido, o método no processo desta pesquisa buscou dialogar com os
diversos contextos e cenários que envolvem a formação em Psicologia e o Sistema
Único de Saúde, a partir da Integração Ensino-Serviço, buscando problematizar,
conversar e participar deste universo durante todo o percurso da pesquisa. (SPINK;
LIMA, 2004).
Alguns movimentos foram construídos nesta direção com o objetivo de
estabelecer vínculos com o grupo de trabalho do PET-Saúde/Saúde da Família no curso
de Psicologia da UFAL. Privilegiamos os trabalhos do PET-Saúde por este representar
hoje um espaço estratégico e de fomento de ações integradas entre ensino-serviço.
Vínculos que permitem caminhar num trânsito por vias múltiplas, construindo redes de
37
diálogos em que possam ser explicitadas entre as diversas vozes que transversalizam a
temática.
Foi uma aposta ou estratégia que tem permitido a construção do discurso
numa perspectiva de perto e de dentro, uma composição cartográfica elaborada com os
atores envolvidos, deslocando, desta forma, algumas das regularidades da ciência: no
lugar do olhar de passagem do pesquisador que vai a campo coletar dados, uma abertura
para percorrer junto o trajeto da pesquisa. (MAGNANI, 2002).
Este conhecer possibilitou compor outras traduções, a partir das
experiências coletivas e novas leituras sobre a realidade, revelando os desdobramentos
de fatos inicialmente percebidos como fragmentados e sem lógica. Este novo é
possibilitado no confronto dialógico entre os interlocutores e permite a troca, o
envolvimento e a transformação de ambos. (DALMOLIN et al, 2002).
Embora tenhamos trabalhado durante um ano com o grupo do PETSaúde/Saúde da Família na UNIVASF, a chegada na UFAL possibilitou a construção de
outros olhares e aberturas sobre as ações no universo da Integração Ensino-Serviço.
Esta migração provocou alguns desalojamentos sobre o modo de produção do trabalho
do novo grupo, estranhamentos em relação à organização e distribuição das atividades,
o fluxo da relação com as unidades de saúde e o diálogo da Psicologia com os demais
núcleos de saberes.
Novos arranjos e possibilidades que só foram possíveis operar a partir da
presença cada vez mais marcada no cotidiano de trabalho do PET-Saúde. Nossos
princípios e diretrizes metodológicas foram mediadores potentes neste processo:
“Hoje [25 de novembro] fui surpreendida numa conversa com uma das
preceptoras. Fiquei feliz com algumas impressões que ela trouxe sobre a imersão nas
38
atividades do PET. Resgatamos alguns dos primeiros momentos junto ao grupo e do
burburinho provocado pela minha presença nas reuniões. Embora esta presença para
mim fosse tão nova quanto para os estudantes da graduação, hoje percebo o quanto foi
bom descobrir, junto com eles, como essa presença poderia contribuir para o nosso
processo”. (Diário de Campo)
Os relatos seguem:
“Da pergunta provocadora – o que será que ela (eu) quer? E de respostas
fabuladas – ela quer nossos relatórios ou diários de campo, quer chegar e pegar tudo
pronto para fazer a pesquisa dela. Avançamos, a partir dos encontros, para ações cada
vez mais colaborativas entre nós. E novas provocações foram produzidas – como é bom
trocar experiências e discutir em diversos espaços sobre o que estamos
desenvolvendo”. (Diário de Campo)
Este efeito singular de estranhamento e de familiarização de temas,
presença, projetos e/ou propostas foi, também, objeto de análise e se incorporou aos
passos metodológicos. Passos atentos para perceber as regularidades, as dissonâncias, os
encontros, o processo de produção de sentidos através de uma metodologia que busca
trabalhar a dialogia presente na produção de sentidos e no encadeamento das
associações de ideias. (SPINK; LIMA, 2004).
Neste sentido, o método é um convite a estas compreensões cujas
especificidades adquirem “formas” e visibilidades capazes de produzir perguntas e
respostas para a transformação, numa perspectiva de ação crítica e reflexiva. Sua
39
escolha é fundamentada por aspectos éticos e políticos na produção do conhecimento.
(MONTEIRO, 2004).
Estabelecer este debate é perceber a porosidade da práxis da produção do
conhecimento. Pois, nela se situa um exercício que transita entre os rigores
metodológicos e um campo inacabado e contínuo com abertura para novas versões e
arranjos. Ou seja, partimos aqui do pressuposto epistemológico que a ciência é uma
prática social e como tal suas categorias são artefatos humanos, produto das interações
historicamente situadas. (SPINK; FREZZA, 2004).
Esta localização histórica e cultural marca as vicissitudes dos processos
sociais e seus modos de produção instaurando um novo pensar para a ciência, abrindo
caminho para outras formas de produção do conhecimento, provocando rupturas com o
domínio das metanarrativas como critério único no estabelecimento da verdade.
Neste amplo debate sobre as ciências, partimos da reformulação
epistemológica de que “a ciência moderna não é a única explicação possível da
realidade e não há qualquer razão científica para considerá-la melhor que a metafísica, a
astrologia, a religião, a arte ou a poesia”. (SANTOS, 2005, p. 83).
As diversas versões e explicações sobre as coisas do mundo e dos homens
são protagonizadas em atos criativos, ou seja, em composições polifônicas entre
pesquisadores, comunidades científicas, estabelecendo campos de diálogos e
negociações, compondo uma rede de colaboradores a qual chamamos de universo da
pesquisa ou a rede complexa processual na qual estão situados nossos temas.
Priorizamos ao longo da pesquisa a participação nos espaços instituídos pelo
PET-Saúde (Reuniões Gerais do Grupo PET, Encontros de Grupo Misto, Reuniões com
as Equipes de Saúde da Família, Oficinas e Reuniões com o Comitê Gestor PETSaúde), além das conversas realizadas no fluxo do cotidiano.
40
Esta participação caracterizou-se como um dispositivo processual de
aproximação com o campo-tema, as pessoas e seus diferentes contextos. Desta maneira,
estamos no campo-tema e estamos com muitas vozes, produções, narrativas, onde cada
sujeito assume posicionamentos diferentes, agenciados por contínua negociação de
sentidos. (P. SPINK, 2008).
O campo-tema, neste caso, não é um lugar específico, delimitado, separado
e distante. Ele é o próprio movimentar-se nesta rede de sentidos que se interconectam e
agregam artefatos de todos os tipos, que podem iniciar em qualquer lugar e a qualquer
momento. (P. SPINK, 2003).
O campotema, neste sentido, faz referencia à Etnometodologia. Apresentase com uma perspectiva de ruptura com modelos metodológicos dominantes. Ou seja,
uma perspectiva que se propõe a valorizar a atividade produzida incessantemente pelos
membros de um grupo ou das coletividades e suas ações cotidianas.
De acordo com Iñiguez (2004), dois conceitos são fundamentais neste
processo de apropriação: competência e indexabilidade. Competência refere-se gestão
da linguagem, ou seja, a utilização eficaz da linguagem é que torna todos os membros
competentes, a saber, exigir, nomear, produzir e reconhecer reflexivamente o universo
social o qual habita. O conceito de competência nos possibilita estabelecer relações
horizontais com os colaboradores da pesquisa. Pois, nos ajuda a entender os
agenciamentos que são produzidos no percurso da formação em Psicologia a partir da
valorização da palavra de cada membro competente/colaborador.
Já o conceito de indexabilidade considera que toda linguagem é indexada na
medida em que seu significado está sempre dependente do contexto de sua produção.
Uma propriedade que busca cada vez mais situar a produção do conhecimento em seu
contexto, pois não há conhecimento possível fora do seu espaço social. Interessa-nos
41
assim, visibilizar e problematizar alguns dispositivos e práticas orientadas para a
formação do trabalho para o SUS desenvolvidos no curso de Psicologia da UFAL,
campus Maceió.
Assim, este estudo teve, em princípio, outros dois desdobramentos
metodológicos que se constituíram em conversas no cotidiano e Rodas de Conversas.
As conversas são territórios férteis para a nossa pesquisa, são espaços de
interação social e produção de sentido, e representa uma modalidade privilegiada para o
estudo das Práticas Discursivas. Pois, é no exercício da fala que as pessoas expressam
seu horizonte conceitual, sua intenção e visão de mundo. Adotaremos, ainda, o sentido
de conversa como uma possibilidade plástica e um recurso metodológico que se
estabelece na dialogia do processo da pesquisa, sem desconsiderar os rigores
necessários em seus registros, transcrições, sigilo e compreensões. (MENEGON, 1998;
2004).
De acordo com Spink e Lima (2004), na perspectiva construcionista o rigor
é concebido na explicitação dos passos da análise e da interpretação com o objetivo de
possibilitar um diálogo historicamente situado e relacionado às negociações de sentidos.
Nossos interlocutores foram ao longo do trabalho: estudantes e professores
(tutores) do curso de Psicologia/UFAL/Maceió e psicólogos (preceptores) da rede de
saúde de Maceió que estão inseridos no PET-Saúde/Saúde da Família.
Estes interlocutores ocuparam lugares estratégicos na pesquisa e foi a partir
deles, e de seus arranjos concretos de tempo e lugar, que realizamos as Rodas de
Conversa, sobre a formação em Psicologia e o Sistema Único de Saúde; adotando como
tema transversal a Integração Ensino-Serviço. Estes momentos foram gravados e
transcritos, respeitando a fidedignidade e o sigilo necessário, bem como, a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
42
A composição das Rodas de Conversa não obedeceu aos limites impostos
pela amostragem na perspectiva clássica de representatividade herdada das ciências
positivas, em que o participante é produto de um tratamento metodológico e é
estatisticamente representativo da população considerada. Trabalhamos com um
conceito de rede de interlocutores, entendendo estes em sua concretude, no lugar que
ocupa e o papel que desempenha, sendo membro de uma comunidade, grupo ou coletivo
o qual representa. (IÑIGUEZ, 2004).
As Rodas de Conversa foram ferramentas centrais que, apoiadas pela
radicalização na construção de uma ciência democrática, buscaram desmistificar a
falácia da neutralidade, trazendo para a roda as diversas dimensões que circulam na
pesquisa e, sobretudo, a explicitação dos passos metodológicos. (CAMPOS, 2005;
SPINK; LIMA, 2004).
De acordo com Spink (1999), a explicitação destes passos produz uma
versão performática sobre a ciência assegurada por três pressupostos éticos: a pesquisa
pensada como uma prática social e, como tal, sujeita a reflexividade; visibilidade dos
procedimentos, coleta e análise dos dados; e a dialogia como fundamento que atravessa
todos os passos da pesquisa.
A Roda de Conversa foi considerada como um espaço privilegiado, que
buscou atender suas características no que se refere à informalidade no fluxo das
conversas.
Segundo
Jonh
Shotter
(apud
MENEGON,
1998,
p.
29),
para
compreendermos estas especificidades das situações informais, é preciso considerar
que:
a) os participantes podem ter clareza e expressar o seu ponto de vista sobre o
tema em pauta, compartilhando, ou não, do mesmo ponto de vista;
43
b) a fala dos interlocutores não é disciplinada em função de uma única
narrativa, caso uma expressão não seja compreendida pelo(s) ouvinte(s) é
possível ser substituída;
c) a ordem que por ventura exista na conversação não obedece regras formais,
sendo estabelecida no próprio curso da conversa;
d) as pessoas sabem sobre o que estão falando, mas o assunto sobre o qual se
fala vai se desenvolvendo no decorrer das inter-relações;
e) cada participante sabe, na prática, como e o que de sua produção, frente ao
tipo de responsividade obtida dos outros participantes da conversa.
Esta flexibilidade possibilitada pelas Rodas de Conversa potencializou a
interação com os interlocutores e funcionaram a partir da problematização de temas
geradores produzidos no percurso metodológico. O objetivo das Rodas de Conversa foi
formular deliberações conceituais num exercício democrático de negociação de
sentidos, caracterizando-se também como um ato pedagógico.
Desta forma, o percurso para as análises se dá a partir do encontro com a
literatura, no texto do autor Ítalo Calvino (1990) “As seis propostas para o próximo
milênio”, dos diálogos com textos diversos e as discussões sobre a formação em
Psicologia e o Sistema Único de Saúde.
44
3. PERCURSO METODOLÓGICO: AS CONVERSAS
Conheci Ítalo Calvino recentemente. Fui apresentada a ele no segundo
semestre do mestrado, durante uma aula com a professora convidada Suzana Souto,
doutora em Estudos Literários, do PPG-Letras/UFAL. A proposta da aula era conversar
sobre “Os percursos pela escrita com multiplicidade e leveza”. O ponto de partida para
acionar as conversas foi a literatura, que, segundo Barthes (1996), faz girar os saberes,
não fixa, não fetichiza nenhum deles. A literatura dá à conversa um lugar indireto e esse
indireto é precioso.
Numa fala delicada ela foi me envolvendo com as histórias sobre o livro
“As cosmicômicas”, “O barão nas árvores” e, enfim, “As seis propostas para o próximo
milênio”. Foi um arrebatamento total, uma mistura de paixão, saudade, desordem e
desestabilidade. Era como se todo o diálogo se expandisse em meu corpo e me
provocasse uma sensação tontura. Acredito que este foi o momento mais criativo de um
ano circulando entre “disciplinas” e “créditos”.
Não tive a pretensão de elaborar ou sistematizar nosso encontro em um
texto naquele instante. Sabia apenas que queria viver aquelas palavras, deixar sentir a
leveza daquela linguagem, sentir o sal da palavra. É o gosto que faz o saber fecundo.
(BARTHES, 1996).
Mergulhada entre as atividades do mestrado1, as atividades do Coletivo
AfroCaeté2, a organização calorosa do III Encontro Norte-Nordeste da Associação
1
Disciplinas, Estágio em Docência, Grupo de Pesquisa e a participação no Projeto Dialogia e
Humanização: desenvolvimento de pessoas para a Atenção e Cuidados Básicos às populações.
2
O Coletivo AfroCaeté é um grupo percussivo que desenvolve, desde 2009, ações estratégicas de
valorização da cultura popular e negra. O objetivo do grupo é o fomento e difusão da cultura popular e
afro-alagoana como alternativa para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
45
Brasileira de Psicologia Social3 e vivendo intensamente minha mais nova função de
vida - ser titia da Sofia -, além de seguir todo o fluxo das atividades corriqueiras do
cotidiano, não conseguia me afastar daquela conversa. Era como se todo dia eu fosse
revisitada por todas aquelas vozes.
Demorei a decantar as conversas que circularam naquela tarde de novembro.
Numa mistura de alegria e encantamento, durante muito tempo fiquei a pensar nas
possibilidades de explorar “os percursos da escrita com multiplicidade e leveza”.
Confesso que, a priori, não conseguia visibilizar esta possibilidade frente ao desafio
dissertativo na minha empreitada nos meses que se seguiam.
Mas, considerando que dissertar sobre um tema é também um exercício
narrativo e, segundo Benjamin (1987), a narrativa tem sempre uma dimensão utilitária,
sem a prerrogativa da validação da informação. Busquei aproximar a narrativa de uma
contação singular e localizada de alguns acontecimentos4 em torno do eixo de pesquisa
– Formação e trabalho para o SUS – e a partir daí problematizar algumas questões
surgidas apoiadas nas políticas e dispositivos de formação orientados para as
necessidades de saúde da população e para o SUS.
Desta forma, embora não me aproxime da figura do narrador explorado por
Benjamin (1987), que florescia no meio artesão, no mar, no campo ou na cidade,
buscarei contar as histórias como uma narradora-provocadora mergulhando na vida, no
3
Encontro realizado em novembro de 2012, na cidade de Maceió e que agregou mais de 400 participantes
entre eles: profissionais, pesquisadores e estudantes das mais diversas localidades das regiões Norte e
Nordeste do Brasil. A produção do encontro articulou alguns princípios que, também, buscamos
problematizar no processo da pesquisa: a) articular academia e movimentos sociais e culturais locais, por
meio da integração entre ciência, política e cultura; b) horizontalidade nas relações com estes
movimentos; c) democratizar os espaços acadêmicos por meio de momentos transversais e
horizontalizados nas relações entre as pessoas e d) acolhimento.
4
Um desafio que demandou prestar atenção na própria cotidianidade e seus fluxos de acontecimentos
corriqueiros. De acordo com Peter Spink (2008), é preciso primeiro reconhecer que é no cotidiano que
são produzidos e negociados os sentidos e, segundo, fazer isso como parte ordinária do próprio cotidiano,
nem como pesquisador participante e muito menos como um observador distante, mas simplesmente
como parte. Neste sentido, os acontecimentos são materialidades e sociabilidades produzidas nos
territórios de encontros ao longo da pesquisa.
46
cotidiano e, a partir dele, problematizar sobre a formação em Psicologia e o trabalho no
SUS.
Explorar a narrativa do cotidiano tem como objetivo de inspirar-se nos
elementos da literatura e estabelecer pontos de conversação com o universo do campotema. Não há pretensões, portanto, de estabelecer paralelos ou discussões aprofundadas
sobre literatura e linguagem.
A narrativa adotada assume uma função utópica, considerando certa ética
literária que, segundo Barthes (1996), deve ser afirmada porque ela é simplesmente
contestada. Ou seja, este é também um espaço de contestação, um espaço de muitas
línguas e vozes:
Que uma língua, qualquer que seja, não reprima outra: que o sujeito
futuro conheça, sem remorso, sem recalque, o gozo de ter a sua
disposição duas instâncias de linguagem, que ele fale disso ou daquilo
segundo as perversões e não segundo a lei. (BARTHES, 1996, p. 24)
A utopia não é o espaço do não poder, a utopia da língua é atualizada como
a língua da utopia, que é um gênero como qualquer outro. Neste sentindo autorizamonos a brincar com os gêneros linguísticos, com a cronologia dos fatos narrados e com os
tempos verbais. Pois, ora a narrativa segue (ou seguirá?) na primeira pessoa do singular,
marcando a voz e localizando a autoria e passos meus, ora a narrativa só será possível
na expressão do coletivo, valorizando o emaranhado de vozes que acompanham a
experiência.
A escrita neste sentido causa certo estranhamento às modalidades mais
impessoais e acadêmicas, e a narrativa assumida se mostra como um espaço de
experimentação que não se limita a transcrever ou representar a experiência, mas força a
implicação com o contexto da pesquisa. Um exercício tenso, porém delicado, mas que
encontrei legitimidade para seguir a partir do diálogo entre colaboradores e em
momentos de orientação. (DIEHL; MARASCHI; TITTONI, 2006).
47
Na tentativa de explicitar algumas questões para localizar o leitor da
importância que a literatura, especificadamente, o livro de Ítalo Calvino – Seis
propostas para o próximo milênio – acabei me distanciando de uma apresentação justa e
necessária das circunstancias que me levaram trazer Calvino e suas proposições para
ajudar a discutir as questões centrais da pesquisa: a) Como pensar a formação em
Psicologia
adotando
a
integração
ensino-serviço-comunidade
como
elemento
potencializador e convergente com a Política Pública de Saúde brasileira? b) De que
maneira a formação em Psicologia tem conduzidos estudantes e profissionais ao
trabalho orientado/sintonizado para o SUS?
Claro que, após as discussões em sala de aula, recorri à internet para saber
mais sobre Calvino. Comprei primeiro o livro que mais me seduziu: as “Seis propostas
para o próximo milênio”, em seguida fui ler “Visconde partido ao meio”.
Fui logo capturada pelo amarelo reluzente da capa e a cada página virada
um completo estado de paixão. Um apaixonamento que reverberava na vida, na
pesquisa e nos bons encontros desatentos do cotidiano. O livro apresenta as
conferências que o autor proferiu na Universidade de Harvard, entre o ano letivo de
1985/86 (são cinco lições, pois a sexta lição, Consistência, possivelmente não foi
escrita, pois Calvino faleceu antes de lecioná-la).
Trata-se do mais belo e singular manifesto sobre a literatura capaz de
conjugar ética, estética e política em narrativas que nos levam ao infinito, conduzidos
pela: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade. Um ensaio sobre o rumo
da literatura no século XXI, mas que carrega lições que podemos traduzir para a vida,
pois “há coisas que só a literatura com seus meios específicos nos pode dar”.
(CALVINO, 1990).
48
Desta forma, buscarei estabelecer pontos de conversas e interseções entre as
proposições de Calvino e o diálogo das Rodas de Conversas realizadas com estudantes
do Curso de Psicologia da UFAL/Maceió e psicólogos e psicólogas da Rede
SUS/Maceió.
O encontro para as conversas foi marcado através de convite lançado na
rede de e-mails do grupo de estudantes e preceptores do PET-Saúde da Família
UFAL/Maceió. A participação foi de livre escolha tanto dos estudantes quanto dos
profissionais, valorizando o que Spink (2000) chama de Ética Dialógica na pesquisa:
respeito ao anonimato; consentimento informado e o uso não abusivo das relações de
poder.
As Rodas de Conversa foram realizadas com estudantes e profissionais da
Psicologia dos serviços de Atenção Primária à Saúde de Maceió em função da
participação nas atividades de PET-Saúde II/Saúde da Família. A presença nas
atividades, num primeiro momento, se deu em função do meu orientador ser o
coordenador do projeto e a permanência durante o ano em função da ação colaborativa
nas diversas atividades. Quanto à ausência de professores nas Rodas de Conversas
também se deu pelo fato que a outra professora responsável pelas ações da Psicologia
estava licenciada de suas atividades durante grande parte do período da pesquisa.
Desde o início da pesquisa ocorreram encontros para situar o grupo sobre o
andamento do projeto de pesquisa, buscando visibilizar os passos metodológicos e,
conjuntamente, articular as questões norteadoras deste processo. Um exercício que
buscou garantir, de alguma forma, um processo democrático e dialógico na construção
da dissertação. Desta forma, realizamos as Rodas de Conversas em dois momentos
separados: com o grupo de estudantes e outra com o grupo de profissionais.
49
As Rodas de Conversas funcionaram como dispositivos potencializadores
para o exercício da pesquisa democrática, participativa e produtora de intervenções
diretas na vida das pessoas envolvidas. Um contraponto a neutralidade da ciência
positivista, pois já não é mais possível trabalhar com a hipótese de que exista a priori
um sistema de normas estável que dá significação as coisas do mundo. É preciso
considerar que os fenômenos estão em constante criação, transformação e extinção, e
sua compreensão é um empreendimento coletivo. (GUESSER, 2003).
Acreditamos que as conversas e a própria condução dos passos neste trajeto
foram em si um ato de criação capaz de desencadear outros atos criadores; num
processo em que “o outro não é tomado como objeto, mas como parte ativa”. Buscamos
desenvolver juntos os passos necessários, ora na impaciência e no não reconhecimento
da pesquisa, ora no intercâmbio, na vivacidade e curiosidade características dos estados
de procura. (FREIRE, 1967).
O desafio de nossa busca foi produzir um caminho metodológico que
assumisse, também, uma função pedagógica no encontro com o outro, ou seja, gerir
coletivamente os espaços ocupados, compreendendo este ato educativo como:
uma educação que possibilitasse uma discussão corajosa de sua
problemática <pensarmos a formação e o trabalho para o SUS>. De
sua <nossa> inserção nesta problemática. Que o advertisse dos perigos
de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a
coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu
próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. Uma educação que o
colocasse em diálogo constante com o outro. Que o predispusesse a
constantes revisões. À análise crítica de seus “achados”. A uma certa
rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse
com métodos e processos científicos. (FREIRE, 1967)
Neste sentido, a pesquisa também se configurou como um dispositivo
formador, sobretudo um processo de formação também meu. Não se tratando, portanto,
de produzir mais “saber”, mas de conhecer, reconhecer e produzir ações nestes espaços
de interseção. Na maioria das vezes, exigindo da minha presença posicionamentos e
50
questionamentos sobre o SUS e que para mim somente foi possível por apostar no
Método
da
Roda
como
uma
possibilidade
de
se
instituir
sistemas
de
cogestão/coprodução sustentados tanto pelo compromisso e solidariedade com o
interesse público, quanto na capacidade reflexiva e de autonomia dos agentes de
produção. (CAMPOS, 2000).
Partilhando cada vez mais dos princípios por uma Ética Dialógica, pelo uso
não abusivo nas relações de poder na pesquisa, as Rodas de Conversas tiveram como
característica central a abertura para a circulação da palavra (palavração). Um espaço
para contação de histórias, ou seja, de expressões, criações, recriações, decisões,
opiniões e escolhas. A palavra tomada como um dispositivo vivo de produção de
sentidos. (FREIRE, 1981).
As conversas foram disparadas a partir de algumas Questões Norteadoras
produzidas no percurso da pesquisa, buscando estabelecer conexões entre os eixos
norteadores e os objetivos gerais e específicos da pesquisa:
QUESTÕES NORTEADORAS
ESTUDANTES
PRECEPTORES
•Como foi/é a aproximação com o cotidiano dos
•Como foi/é a aproximação com o cotidiano dos
serviços de saúde?
serviços
de
saúde
desenvolvimento
•Quais os aspectos ofertados pelo curso facilitam
de
(no
que
se
atividades
refere
ao
junto
aos
estudantes)?
esta aproximação?
•Quais os aspectos ofertados pela formação
•Quais os aspectos ofertados pelo curso dificultam
(Educação
esta aproximação?
aproximação?
•Que tipo de atividade foi sendo desenvolvida ao
•Quais os aspectos ofertados pela formação
longo do PET-Saúde que te aproximam de um
(Educação
perfil formativo para o trabalho no SUS?
aproximação?
•Como você percebe a articulação existente e
•Como você percebe esta integração entre o ensino
Permanente)
Permanente)
facilitam
dificultam
esta
esta
51
possível entre a formação em Psicologia e o
e o serviço no que se refere à formação em
trabalho no SUS?
Psicologia e o trabalho no SUS?
•Em que medida o PET-Saúde contribui para
•Que tipo de atividade foi sendo desenvolvida ao
reconduzir práticas de mudança de modelo na
longo do PET-Saúde que te aproximam de um
formação para a saúde no curso da Psicologia?
perfil formativo para o trabalho no SUS?
•Em que medida o PET-Saúde contribui para
reconduzir práticas de mudança de modelo na
formação para a saúde no curso da Psicologia?
As Rodas de Conversas tiveram o objetivo de provocar o debate em torno
dos eixos propostos e estimular a problematização. Foram momentos de descontração,
leveza, acolhimento e disposição dos participantes em colaborar com a pesquisa.
Acredito que minha presença nos espaços do PET-Saúde II/Saúde da Família e nas
disciplinas da graduação tenha contribuído para a amistosidade durante todo tempo.
Importante colocar que os grupos já tinham sido convocados para colaborar com outras
pesquisas com temáticas afins (Trabalhos de Conclusão de Curso).
A partir das transcrições das Rodas de Conversa fizemos algumas leituras
flutuantes do texto com o objetivo de construir conjuntos de sentidos que nos
conduzissem a aproximações das questões guia de nossa pesquisa. Seguimos com a
estratégia de retirar falas diretamente do diálogo (texto transcrito), a partir do
encadeamento dos temas, ou seja, dos eixos conceituais da pesquisa, procurando manter
as narrativas na íntegra e em seus contextos.
Usamos uma ferramenta de revisão de texto, com o formatador de texto
Word (Comentário) e fomos desenhando as primeiras aproximações com as temáticas.
Vale considerar que o objetivo não foi localizar/identificar o argumento ou o enunciado
presente.
Mas,
dialogar
com
o
texto-conversa
buscando
construir
outras
52
problematizações, ancorados nos referenciais teóricos e pelas disposições apresentadas
pela Política Nacional de Educação Permanente em Saúde.
Agregado as Rodas de Conversa, trabalhamos com a perspectiva
metodológica apresentada por Diehl, Maraschin e Tittoni (2006) no texto intitulado
“Ferramentas para uma Psicologia Social”. Nele os autores consideram a dimensão da
construção do método que se efetiva muito mais num posicionamento político, do que
pela circunscrição de um lugar de atuação/procedimento. A política entendida como um
campo de táticas e estratégias de poder onde o que está em questão é o governo de si e
dos outros.
Este posicionamento demanda o abandono do poder centralizado nos
dualismos entre sujeito e objeto, local e global, ciência e saber popular; e considera a
dimensão dos espaços possíveis de construção e organização de singularidades e
coletivos, valorizando e reconhecendo os territórios de fronteiras e diferenças. Quando
nos referimos à diferença, consideramos que ela é um devir-outro, um movimento sem
lei. (SILVA, 2002).
Localizar e reconhecer o movimento da diferença somente torna-se possível
ao percorrermos e experimentarmos outros lugares. Desalojarmos na caminhada,
questionarmos as travessias, as passagens, bem como as afetações e inquietações
produzidas nos espaços de encontros. De acordo com Diehl, Maraschin e Tittoni (2006),
este deslocamento é necessário e representa uma abertura à experiência da viagem no
cotidiano, não como o turista que procura o mesmo nos lugares de passagem, mas como
um viajante capaz de estranhar o familiar e familiarizar-se com o estranho.
Uma questão é fundamental para avançarmos neste processo de escrita e
interlocução com os eixos temáticos. Quais as ferramentas para as análises serão
possíveis neste contexto? Recorremos mais uma vez ao texto de Diehl, Maraschin e
53
Tittoni (2006) para apresentarmos a condução dos nossos passos metodológicos e as
ferramentas problematizadas ao longo do percurso para as análises. Neste sentido, a
escrita aparece como uma dimensão intertextual e provoca novas configurações das
questões práticas do cotidiano e as implicações no campo-tema.
Desta forma, apresentamos no próximo item as discussões sobre os passos
metodológicos, buscando contextualizar o território do nosso campo-tema.
54
3.1.
Contextualizando o Território: Programa de Educação pelo
Trabalho para a Saúde
Desde a implantação da Política Nacional de Educação Permanente em
2004, diversas estratégias vêm sendo forjadas com o objetivo de avançar na qualificação
do trabalho para o SUS. Este desafio envolve vários setores da sociedade, como
apresentado anteriormente, mas as graduações dos cursos no campo da saúde têm sido
foco de maior investimento dos Ministérios da Saúde e da Educação.
Em 2005 o Conselho Nacional de Saúde institui as novas diretrizes para a
abertura de novos cursos, bem como define alguns critérios para o funcionamento
destes. Dentre outros o documento preconiza (BRASIL, 2004b):
a) afirmar o entendimento de que a homologação da abertura de cursos na
área da saúde pelo Ministério da Educação somente seja possível com a
não objeção do Ministério da Saúde e do Conselho Nacional de Saúde,
cumprindo-se as considerações acima, relativamente à Constituição
Federal;
b) reiterar que a emissão de critérios técnicos educacionais e sanitários
relativos à abertura e reconhecimento de novos cursos para a área da
saúde deve levar em conta a regulação pelo Estado; a necessidade de
democratizar a educação superior; a necessidade de formar profissionais
com perfil, número e distribuição adequados ao Sistema Único de Saúde
e a necessidade de estabelecer projetos políticos pedagógicos
compatíveis com a proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais.
55
Estas diretrizes apontam um primeiro movimento de mudança na concepção
do direcionamento da política formativa: a corresponsabilidade dos Ministérios na
condução da formação. E segundo, deixa clara a necessidade de uma política
pedagógica que contemple um currículo voltado para (Ibid, 2004b):
a) inovação das propostas pedagógicas, orientadas pelas diretrizes curriculares,
incluindo explicitação dos cenários de prática e dos compromissos com a
integralidade, a multiprofissionalidade e a produção de conhecimento
socialmente relevante;
b)
organização de currículos com ousadia de inovação na perspectiva da
formação em equipe de saúde, com práticas de educação por métodos ativos e de
educação permanente, entre outros;
c)
organização de currículos e práticas de aprendizagem orientados pela
aceitação ativa das diversidades sociais e humanas de gênero, raça, etnia, classe
social, geração, orientação sexual e necessidades especiais (deficiências,
patologias, transtornos etc.);
d)
projeto construído em parceria e/ou com compromissos assumidos com os
gestores locais do SUS (locorregional);
e)
compromissos com a promoção do conhecimento sobre a realidade local, seus
saberes e práticas e com o desenvolvimento de responsabilidades entre
instituição, estudantes, profissionais e realidade local;
f)
compromisso com o desenvolvimento social, urbano e rural, por meio da
oferta de atividades de extensão (inclusão digital, educação popular; cursos
preparatórios para o trabalho, cursos preparatórios para concursos, diminuição
dos índices de analfabetismo, cursos de graduação);
g)
compromissos com o diálogo entre docentes, estudantes e sociedade;
56
h)
compromisso de contrapartida das instituições privadas que utilizam
instituições públicas como campo de ensino em serviço; e
i)
responsabilidade social de atendimento às necessidades locais, inclusive nos
aspectos relacionados ao acesso a serviços, como espaço científico, cultural,
humano e profissional compartilhando seus problemas e projetos.
Entretanto, este novo e necessário perfil, ainda é um desafio presente tanto
nos cursos de graduação quanto na rede de atenção. Este espaço híbrido entre a
graduação e a formação dos trabalhadores é o território fértil para que outras
configurações sejam produzidas, buscando a efetivação dos princípios éticos, políticos e
organizativos do SUS.
Neste sentido, proposições como o Programa de Educação pelo Trabalho
para a Saúde são lançadas nacionalmente com o objetivo de aproximar e integrar a rede
na dimensão do ensino-trabalho. Dispositivos como o PET-Saúde produzem efeitos
diretos na rede, e sua importância consiste em mediar uma política indutora capaz de ser
apropriada permanentemente pelos trabalhadores e gestores locais.
De acordo com o projeto PET-Saúde II/Saúde da Família - campus
Maceió/UFAL, seu objetivo é de “contribuir na formação de futuros profissionais
comprometidos socialmente, com capacidade crítica para analisar a sua realidade de
trabalho e competência para agir em equipe, priorizando a integralidade da atenção”.
(UFAL, 2009, p. 2).
Suas atividades tiveram início em 2009, agregando 12 grupos tutoriais,
totalizando 296 participantes, entre tutores, preceptores e estudantes dos cursos de
Enfermagem (3), Farmácia (1), Medicina (2), Odontologia (1) e Psicologia (1).
Buscava-se nestas ações potencializar o desenvolvimento dos Projetos Políticos
Pedagógicos dos Cursos (PPC´s) da área de saúde, na perspectiva da formação
57
profissional voltada para fortalecimento da Atenção Básica, através da inserção
planejada de estudantes na Estratégia Saúde da Família.
Buscando ampliar este cenário, a UFAL teve seus projetos do PET-Saúde
aprovados também para os anos 2010/20115 e 2012/2013. As atividades realizadas ao
longo dos três projetos consistiam na composição de Grupos Mistos, com atividades
supervisionadas por preceptores e tutores nas Unidades de Saúde da Família,
desenvolvendo ações interdisciplinares orientadas pelo currículo de cada curso, com
atividades integradas de extensão e de pesquisa multidisciplinar.
Os Grupos Mistos se norteavam a partir de alguns princípios e objetivos.
São eles:
a) desenvolver exercícios e atividades comuns e em conjunto, sob supervisão de
um preceptor diretamente em campo e referenciado a seu tutor na universidade;
b) ultrapassar o espaço físico das UBS (comunidade, escolas, associações
comunitárias, domicílios etc);
c) direcionar suas ações para as necessidades de saúde da população e não anular
as atividades específicas a cada área de conhecimento e atuação;
d) focar no trabalho a partir da Atenção Básica, com atividades comuns entre os
cursos e direcionadas aos três eixos centrais do projeto (participação e controle social,
humanização e mortalidade infantil);
e) desenvolver a formação ética e a autonomia dos sujeitos porque cada membro
do Grupo deve articular seus trabalhos com outros profissionais, setores e pessoas.
Desta forma, os Grupos Mistos funcionavam como dispositivos que
buscavam contemplar a prática multiprofissional nos territórios das unidades de saúde,
agregando, geralmente, um estudante de cada curso e um profissional de cada área.
5
Durante a pesquisa acompanhamos as atividades realizadas na segunda edição do PET-Saúde, durante
os anos de 2010/2011.
58
Estes grupos não funcionam de forma homogênea e cada grupo pactuava suas ações a
partir da realidade de cada unidade de saúde, preconizando ações que envolvem os três
grandes eixos temáticos do PET-Saúde em sua segunda edição: Mortalidade Infantil,
Humanização e Participação Popular/Controle Social.
Os estudantes do curso de Psicologia durante o ano de 2010/2011 estiveram
distribuídos em seis unidades de saúde (Unidade de Saúde da Família e Unidade Mista
de Saúde), localizadas no VI e VII Distritos Sanitários de Maceió. As atividades
consistiam em: acompanhamento das atividades cotidianas da unidade, realização de
oficinas e ações de educação em saúde, visita domiciliar, acompanhamento terapêutico,
reunião de miniequipe e outras.
O projeto priorizava que todas as ações desenvolvidas fossem sustentadas
sob o eixo do Grupo Misto, entretanto, algumas atividades ainda estavam distribuídas
buscando legitimar as especificidades de cada curso, sendo bem pontual a realização de
ações integrativas. De acordo com o relatório de avaliação, a influência nos cursos ainda
é tímida, pois cinco dos sete cursos envolvidos já haviam modificado suas estruturas
curriculares antes do PET-Saúde II:
O curso de Psicologia, por exemplo, sua reforma já se orienta para o
campo da saúde. Entretanto, muito ainda há a avançar. Das duas
ênfases obrigatórias do curso, uma delas é a Saúde. Os cursos de
Medicina e Enfermagem já orientaram suas reformas a partir do PróSaúde I (UFAL, 2012, p. 11).
Outros efeitos o PET-Saúde II tem produzido no contexto do SUS Maceió e
na UFAL. A partir do PET-Saúde, houve ampliação nos campos de estágio curricular
obrigatório dos cursos envolvidos. Entretanto, até o momento, o grupo não conseguiu
articular estratégias para a integralização dos estágios e/ou disciplinas estruturadas para
possibilitar o fortalecimento e a permanência integrada na rede SUS. Neste sentido,
quais ações tornam-se necessárias, no cotidiano, para potencializar o desenvolvimento
59
de um perfil formativo convergente com o Sistema Único de Saúde? Quais dispositivos
produzem tais ações? A proposta é começarmos a rascunhar algumas possibilidades a
partir da discussão a seguir.
60
4. APRESENTAÇÃO DAS DISCUSSÕES
4.1.
Leveza
Antes de seguir com a apresentação das análises, é preciso contar uma
história. Como já apresentado em outros momentos, este trabalho tem referenciais que
dispararam alguns processos no percurso da pesquisa. Um deles é a minha trajetória no
campo da saúde. Outro é a história que segue.
... logo nos primeiros dias de volta a UFAL comecei a participar de diversas
atividades junto aos estudantes do curso de Psicologia. Conforme já mencionado, esta
inserção se deu muito em função da relação com meu orientador que também
desenvolvia atividades de extensão e coordenação de outros projetos integradores no
âmbito da formação para o SUS.
Minha participação nestes momentos não era apenas de observação de
campo ou aproximação com a temática, mas, era conduzida por uma perspectiva éticopolítica de fazer do universo da pesquisa um espaço de articulação e formação tanto
para mim, quanto para as pessoas que, em maior ou menor dimensão, se conectam nesta
grande rede-escola de formação e trabalho para o SUS.
Após várias conversas e participações em reuniões, uma das preceptoras,
juntamente com o grupo de estudantes, me chamou para participar mais de perto dos
trabalhos desenvolvidos na Unidade Básica de Saúde. Eu, prontamente, aceitei a
proposta, que neste momento considerava um desafio, mas que também visualizava
como território fértil para outras aproximações com o grupo e, de alguma forma,
constituir uma rede solidária formativa.
61
Ao mesmo tempo em que o desafio se configurava como um limite, também
indicava caminhos possíveis. Habitar este lugar exigia alargamentos do meu modo de
produzir-me nesta função de pesquisadora.
Neste sentido, marcamos nossa primeira reunião com o objetivo de
compartilhar as atividades realizadas pelo grupo. Conversamos muito sobre como
conduzir esta parceria, que foi se operacionalizando desde as reuniões, trocas por email, reuniões na UBS e boas conversas nos corredores.
Chamou a atenção, neste primeiro encontro, a fala de uma das estudantes
sobre o trabalho a ser desenvolvido pela Psicologia na Unidade Básica de Saúde e os
sentimentos produzidos pela formação acadêmica. A fala caminhava num pesar e,
principalmente, explicitando a angústia sobre os modos de produzir o trabalho no
campo da Saúde Pública e as contribuições da Psicologia na Atenção Básica.
Segundo ela, a formação em Psicologia é uma “faca de dois gumes”. De um
lado, uma formação que exige um profissional neutro, observador, imparcial. Do outro,
que ela foi descobrindo a partir do PET-Saúde, um profissional militante, apaixonado,
declarado, que tem nas mãos muito mais que a técnica: tem um universo de
possibilidades de trabalho. E assim, ela saiu elencando algumas atividades: Visita
Domiciliar, Conselho Gestor, Projeto Terapêutico Singular, Reunião de Equipe e outras.
Fiquei feliz com nossas conversas que seguiram até o final do ano letivo.
Sem dúvida, durante este tempo, percebi a formação se dando também no campo da
política, da vida. Vivi estas (trans)formações junto com estudantes e profissionais. O
status da ciência dura sendo resignificado, a leveza sendo produzida em ato nos espaços
do cotidiano. No exercício da ação-reflexão e dos processos de aprendizagem geridos
nos espaços de construção coletiva.
62
Calvino, em suas lições, diz que no romance, assim como na vida, tudo
aquilo que escolhemos e apreciamos pela leveza acaba bem cedo se revelando um peso
insustentável. Talvez, segundo ele, a vivacidade e a mobilidade da inteligência escapam
a esta condenação. Ou seja, precisamos considerar que a formação em Psicologia e o
trabalho para o SUS se abrem em infinitos caminhos a explorar, novíssimos ou bem
antigos, mas que devem sempre conservar três características: ser leve, estar sempre em
movimento e ser vetor de informação. (CALVINO, 1990).
A formação em Psicologia precisa escapar ao peso da ciência, das
tecnologias duras centradas no procedimento e forjar-se no movimento do trabalho
produzido em ato, operados através de um currículo vivo que potencialize os encontros,
a construção coletiva e democrática do saber-fazer no campo da saúde.
Por ser um dispositivo vivo, a formação para a saúde deve ser leve e
articular processos de mudança na graduação que sejam, também, capazes de mudar os
serviços de saúde, contribuindo para que se tornem mais efetivos, integrados e sensíveis
à realidade local. (FEUERWERKER; SENA, 2002).
A força de tecnologias dialógicas na saúde encontra eco em Calvino e, neste
sentido, tudo pode assumir formas novas. A poesia nos ajuda a entender que a mudança
do modelo do trabalho para a saúde será conduzida nos micro-lugares, adotando
referenciais outros que dissolvam o conhecimento compacto, distribuído pelas
disciplinas e pelos modelos curriculares dos cursos, e que possa fomentar territórios de
encontros, borrar as fronteiras dos saberes, ver o invisível e compreender o
imprevisível. (CALVINO, 1990).
É a valorização da leveza, do diálogo, das conversas (que nunca são jogadas
fora). Nossas tecnologias são leves, mas produzem materialidades a todo o momento,
pois são vetores de informação, ou seja, produzem sentidos.
63
4.2.
Rapidez
De acordo com Ceccim (2005), a grande conquista do sistema brasileiro de
saúde foi assumir a formação de seus trabalhadores como um ato político. Tal conquista
representa a processualidade da gestão de um sistema de saúde, que se apresenta mais
como um desafio ético-político vivo, que na garantia de seus aspectos legais.
Para a Política de Educação Permanente, este desafio corresponde a um
plano capaz de articular as necessidades de saúde da população, a conquista e a adesão
dos trabalhadores constituindo processos de gestão participativa e transformadora, e
ainda agregar estudantes, professores e pesquisadores. (CECCIM, 2005).
Ainda segundo o autor, uma política complexa com radical deslocamento da
natureza educacional dos processos formativos. A radicalidade assumida exigiu, e ainda
exige, a passagem de um modelo bancário de formação hegemonicamente composto por
blocos homogêneo de cursos, capacitações e consultorias, para uma política
emancipatória, com responsabilidade compartilhada, voltada para atender os problemas
de saúde do território.
Esta transição marca uma temporalidade, mas tal qual a leveza sustentada
por Calvino, este tempo da institucionalização da gestão do sistema e do cuidado “flui
sem outro intento que o de deixar as ideias e sentimentos se sedimentarem,
amadurecerem, libertarem-se de toda impaciência e de toda contingência efêmera”.
(1990, p. 66).
Para a literatura, o tempo é uma riqueza de que se pode dispor com
prodigalidade e indiferença. O tempo é movimento e a rapidez é a agilidade e
desenvoltura para percorrer os caminhos da escrita.
64
Estamos no século da velocidade. A informação é processada em milésimos
de segundo e, com isto, superamos nossos próprios recordes. A relação do homem com
a tecnologia jamais viveu um período de tanta inovação. Entretanto, operar a valise
produtiva do trabalho em saúde exige que outras inscrições, a respeito do tempo e do
espaço, sejam problematizadas.
Tomamos o trabalho vivo produzido em ato como um elemento da cadeia de
produção e como um tipo de força capaz de operar permanentemente nos processos de
trabalho (MERHY, 2002). Neste sentido, o tempo se configura nas dimensões
relacionais entre usuários-trabalhadores-gestores e a rede formadora que se interconecta
entre estas três dimensões:
“[...] Ninguém sabia exatamente o que fazer. A gente não sabia. E a nossa
recepção nas unidades também não era assim a das melhores. A gente chegava lá e não
sabia o que fazer. O nosso preceptor também não sabia o que fazer. E a gente, muitas
vezes, se perdia nas atividades. Eu acho que as atividades começaram a se, mais ou
menos se consolidar no segundo ano do PET. Que foi quando começou a entrar mais
gente. Porque a gente lembra que no começo, como a gente ficou só na construção, na
construção, construção. O PET começou a se dissipar. Todo mundo começou a sair.
Tipo... tinha 30 pessoas, quando chegou na metade do ano só, acho, tinha 10 pessoas.
Porque todo mundo começou a sair, ninguém tava mais aguentando ficar construindo
só na teoria. Mas, foi muito engraçado porque a gente lutou tanto pelo campo e quando
chegou lá ficou tudo mundo... e agora meu Deus do céu? E agora a gente faz o quê?
Vamos fazer o quê?” {Estudante}
Em outro ponto da conversa, a angústia sentida em função do tempo que
escapa, encontra outras combinações possíveis nos espaços de encontro. De acordo com
Calvino, a rapidez não se refere necessariamente a chegar primeiro num local pré-
65
estabelecido, e sim, a como chegar. E, neste sentido, para os processos de trabalho na
saúde, quanto mais tempo dedicamos ao planejamento e organização das ações maior
será o poder de capilarização e consistência nos encontros:
“Bom, eu acho que a experiência do PET I foi bem interessante. Por que o
PET I foi meio complicado, digamos assim. A palavra chave do PET-Saúde I era
construção. A gente ouvia muito isso. Olha... não tem nenhum modelo pronto, vocês vão
estar ajudando a gente a construir e tudo mais. Então a gente ficou muito tempo nisso.
Na construção, formação, como era que ia ser. Na tentativa de fazer essa
interdisciplina com os outros cursos, por que tinha alunos de outros cursos de saúde
participando. Só que ai chegou um ponto que os alunos começaram a ficar meio
saturados desta questão. Ai a gente meio que começou a fazer uma pressão para ir ao
campo. Ai isso foi conversado entre os preceptores, com a tutora. Ai eu acho que
demorou foi uma questão de cinco meses, porque a gente começou em abril e agente só
entrou em campo em agosto. Foram maios ou menos uns cinco meses. Ai antes a gente
dividiu. Cada aluno teve sua opção de escolha. De escolher para qual unidade queria
ir. Ai tendo esta divisão já. Ai cada um ficou com um grupo de três pessoas por
unidade. Ai ia... Se deslocava a cada unidade [...]” {Estudante}.
O movimento das reformas curriculares brasileira, considerando, sobretudo,
seu contexto específico e as disputas em torno destas mudanças, ainda está muito
distante da concretização dos princípios da reforma sanitária brasileira. O convite à
interdisciplinaridade e à valorização de conteúdos e experiências de aprendizagem que
priorizem as necessidades sociais se apresenta como desafios necessários para a
transformação do país. (FEUERWERKER; ALMEIDA, 2003).
Segundo os autores, enfrentar este processo de mudanças exige a construção
e manutenção de espaços coletivos para encontro, debates e reflexões críticas,
66
sobretudo, porque os desafios são muitos e as áreas de desconhecimento também. O
descompasso entre a ampliação da clínica, a articulação entre individual e coletivo, a
construção da integralidade da atenção, do trabalho em equipes matriciais, por exemplo,
estão postos como desafios simultaneamente para as escolas e para o sistema de saúde e
devem ser enfrentados conjuntamente.
Conduzir cenários favoráveis a estas mudanças tem sido uma necessidade
cada vez mais afirmada:
“A minha experiência no PET, até agora, foi a experiência mais rica que eu
tive na graduação. Porque eu acredito que programas como o PET, atividades como
essas, deveriam se ter muito mais na graduação. E de forma curricular, né?! Por que...
acredito que a nossa graduação, não só na psico, mas na graduação como um todo na
universidade ainda é muito focada apenas na questão teoricista, teoricista demais. E a
gente não tem muita oportunidade para se ter uma prática realmente mais efetiva. As
oportunidades de estágio não são tão exploradas, ao meu ver, como se deveria. Por que
a gente se prende muito, muitas vezes os alunos, muitas vezes se prendem muito a sala
de aula. Aquilo ali. Muitas vezes a gente sai da graduação com uma visão muito
restrita. Então, eu acho que o PET, proporciona uma oportunidade para a gente entrar
em contato, com a realidade ali, com a prática.” {Estudante}
A institucionalização de dispositivos como o PET/Pró-Saúde incidem sob o
currículo experiências que são capazes de produzir pontos de tensionamentos ao longo
da formação, sobretudo na graduação. Para tornar o currículo vivo, segundo Bernardes
(2012), é desejável que esteja na pele das pessoas, encarnado em seus corpos,
vivenciado e em constante processo de avaliação e mutação:
“Eu acho que umas das coisas fundamentais que a gente vê nessa
experiência do PET, por isso que eu acho que isso [experiência prática] seja algo
67
importantíssimo no currículo acadêmico, é justamente que a gente aprende a deixar
que a própria realidade defina o agir do profissional. Por que a gente na graduação
muitas vezes fica naquela coisa achando que não. Que a gente vai sair daqui com o
modelinho pronto. Eu escolho a minha teoria preferida, eu vou lá e vou encaixar isso
direitinho. Então, essa experiência também proporcionou isso. De a gente sair dessa
questão. Embora, lá na UFAL, por exemplo, a formação é generalista, mas o foco
ainda é muito sectarista. Delimitar bem um determinado aspecto teórico. E a gente viu
no PET que muitas vezes não é apenas uma teoria. Mas, às vezes vai ter que pegar uns
elementos dali, um elemento daqui. E também na grande maioria das vezes é a própria
realidade que vai dizer como a gente vai agir. Independente de qual abordagem a gente
tenha ou não. E para isso a gente tem que tá aberto e preparado para isso. Então, eu
acho que estas experiências trazem essa preparação. E por isso que eu acho que elas
são importantíssimas na graduação. Por isso que a prática deve ser mais incentivada
na graduação e não apenas a produção teórica”. {Estudante}
São projetos que, de certa forma, ofertam outra possibilidade de trabalho e
que exigem outros enfrentamentos, não só para os estudantes, mas também para os
profissionais, sobretudo os preceptores, que assumem a função de agenciar localmente
estes processos formativos. Segundo um dos profissionais:
“Pra mim não foi difícil, particularmente. Por que eu já venho lidando com
isso já tem um bom tempo. Mas, pra minha formação especificamente eu tive que
mudar, né?! Por que na minha época, na minha formação, eu já estou com um tempo
formado, não era bem assim. Era realmente cada um na sua caixinha. Mas, ai
trabalhando no SUS e lendo. Assim, eu já tive outras experiências, trabalhei em
hospital e em hospital a gente tem que vivenciar muito mais isso, né?! principalmente
em algumas clínicas que a gente trabalha isso. Eu trabalhei no setor de nefrologia e
68
isso era imprescindível. Então não foi tão difícil. Acho que o mais difícil foi com a
equipe como um todo. Fazer que a equipe toda se envolvesse”. {Profissional}
Se por um lado as questões explicitadas apontam para uma dificuldade em
determinado contexto, outras ações são apresentadas como cenário potente para o
trabalho:
“Então, a gente pode problematizar como é que tava sendo esse processo
também para os profissionais. Sabe, como é que estavam se vendo nesse lugar de fazer
promoção de saúde e não se disponibilizar em certa medida para sair do feijão com
arroz, né?! Daquelas atividades previstas de educação a saúde, d sala de espera, de
palestra. De mudar a metodologia, para uma coisa mais de educação popular e saúde,
da gente puder problematizar, fazer mais rodas de conversas, então eu acho que isso
foi provocado. Infelizmente a gente interrompeu porque acabou o PET, né, mas assim a
equipe tava provocada pra isso. Para funcionar de uma maneira diferente, alguns
temas e alguns processos estavam engatilhados. Pra gente dar seguimento, como da
transdisciplinaridade, da educação popular em saúde, e alguns grupos, pra sair, a
captação, a busca ativa, coletiva, do um público que não era muito trabalhado ali, né,
na unidade, como os adolescentes que já tinham sido tentado de tudo e ainda não
tinham chegado, a equipe não tinha chegado. Então assim, algumas coisas a gente
conseguiu funcionar bem, né. E eu acho que muito foi de mudar o sentido, né, do fazer
da psicologia, de como eles podiam enxergar, né, o fazer deste profissional lá dentro.
Muita coisa assim era: isso é coisa para psicólogo, esse tipo de grupo é mais a cara da
psicologia, isso que se tá fazendo é saúde mental. Então assim, de desmistificar um
pouco, de sair um pouco desse lugar, olha isso é saúde mental porque é promoção da
saúde. E quando a gente mexe com promoção da saúde a gente mexer com saúde
69
mental, com saúde física, espiritual, com ocupacional, mexe com tudo. Então, assim foi
bom mexer com isso”. {Profissional}
Considerando que vivemos sob a égide da educação bancária, conforme
conceito apresentado por Freire (1967), muitos dos processos formativos obedecem a
este modo normativo e os dispositivos são acionados visando legitimar ações
tecnocratas, com pouco espaço e tempo para práticas de educação emancipadoras. Mas,
a formação para a saúde deve ser uma educação para a decisão, produção do cuidado
com responsabilidade social e política.
A formação para o SUS, mais que o desenvolvimento de competências e
habilidades, requer uma formação de sujeitos para a vida, ética e politicamente
comprometidos na construção e efetivação de seus princípios e diretrizes organizativas.
A formação contemplaria, portanto, espaços ampliados para o planejamento de ações e a
avaliação permanente de seus projetos pedagógicos.
Não podemos desconsiderar que esta formação implica num movimento
contra hegemônico, em que avançar nas proposições do SUS requer um transitar pela
rede, a convivência com a transição de modelos de atenção e de gestão. E esta é a maior
característica que a rapidez pode apresentar: festina lente (apressa-te lentamente)!
70
4.3.
Exatidão
De acordo com Calvino (1990), a busca da exatidão tem a ver com
caminhos que se bifurcam: de um lado a redução dos acontecimentos contingentes e
esquemas abstratos traduzidos em cálculos e teoremas. De outro lado, o esforço das
palavras para dar conta do aspecto sensível das coisas, com a maior precisão possível.
Escapar da dualidade destes dois caminhos é o desafio para a exatidão. Quais outros
caminhos são possíveis?
Segundo o autor, escolher caminhos aponta para campo das possibilidades.
Trata-se das oscilações permanentes e inesgotáveis que estão presentes no cotidiano.
Neste sentido, como constituir processos formativos que valorizem a exatidão como
uma composição minuciosa, e mais precisa possível, sem deixar-se conduzir pelas
normas prescritivas que generalizam as experiências?
Nessa perspectiva, a formação é em ato. A exatidão é a produção do
conhecimento localizado. De acordo com Cabral (2011), no campo da saúde e das ações
transdisciplinares não há como explicar se antecipando à experiência, à experimentação
no dia-a-dia, entre estudantes, professores, profissionais, no contato com usuários, nos
territórios em que ação acontece. A exatidão vai sendo realizada e produzida buscando
continuamente os melhores modos, de forma que a constituição histórica das práticas
seja avaliada permanentemente.
É na produção de uma política da “cumplicidade”, da produção de um novo
tipo de interação entre os sujeitos e os modos de trabalho, que a exatidão sempre
diferenciadora e vasta do viver singulariza a experiência pedagógica (DIMENSTEIN,
2006):
71
“[...] tem horas que você tem saber, sei lá, saber manejar, talvez seja a
palavra certa. Eu acho, que tinha horas que, eu já sei! Hoje vai ser assim a reunião. E
quando a gente começava uma frase de uma pessoa já mudava totalmente o que a gente
planejou. E eu acho que na graduação a gente, no trabalho mesmo, a gente aprende a
seguir uma linha, seguir um padrão. E quando isso acontecia, no inicio tinha as
meninas que já tavam a mais tempo. Ai a gente ficava super tranquila. Só que quando
elas saíram. Foi aquela coisa, e agora? Quem vai ser a pessoa que vai tipo puxar se
alguma coisa acontecer. E foi um aprendizado. Ai, depois a gente foi meio que: peraí,
eu também quero fazer parte disso! Peraí não precisa ser tudo planejadinho. Eu acho
que não é uma falha da graduação. Mas, as pessoas que não tem isso eu acho que já
tão um pouquinho a trás. Justamente por ficar nessa visão, que tem que ser isso,
psicólogo tem que resolver esse problema. E eu acho que uma das coisas mais
enriquecedoras é lhe dar com o outro e saber que dali, o outro que vai modelar a
relação. E não necessariamente eu que tenha uma relação pronta já. Foi uma coisa
bastante interessante”. {Estudante}
A exatidão também demanda um prestar atenção. Ser exato na relação com
o outro, um estar atento que implica planejamento e reflexão. Segundo uma das
estudantes, o próprio curso ainda não produz este olhar atento. Mas, que representa um
desafio para os dispositivos como o PET-Saúde no que se refere a institucionalização de
proposições integradoras e, principalmente, os cursos adotarem as questões da saúde
como tema transversal durante todo seu percurso:
“Então [...] é nesse espaço de diálogo que o PET propõe e que estas
atividades, elas possam ser edificadas e possam ser eficazes também não só para a
gente do PET, mas deixar esse legado para a própria unidade. Até o sexto período na
graduação, a gente não tem uma disciplina com ênfase na saúde. Então, eu não sei no
72
quê que muda essa disciplina quando a gente puder estar cursando. Se ela também tem
essa importância que o PET necessita, de tá juntando na parte teórica e como também
prática. E como até agora a gente não teve oportunidade de tá cursando essa
disciplina. Então a gente tá fazendo assim, a gente estuda, procura os materiais e com
a própria experiência que a gente tá tendo de fazer, é que a gente tá dando
continuidade as nossas próprias ações”. {Estudante}
Embora a graduação não seja uma experiência linear, a mudança curricular
dos cursos da saúde, em última instância, deveria operar para consolidação de modelos
de atenção e de gestão da saúde a partir da valorização dos vínculos, potencialização da
rede e na corresponsabilização entre usuários, profissionais e gestores na produção da
saúde.
73
4.4.
Visibilidade
De acordo com Calvino, vivemos sob o império da imagem. A todo o
momento, somos acionados pelo poder da imagem, da experiência, da visão, da fantasia
e da imaginação. Estas composições são tidas como repertório do potencial, do
hipotético, de tudo que não é, nem foi, mas que poderia ter sido. O que “poderia ter
sido” é a capacidade que as coisas têm de sempre se renovar.
Para a literatura, a valorização deste mundo, jamais saturado de realidade e
de fantasia, é uma das características mais importantes a se preservar. Se a literatura é
um campo inacabado, a formação para o trabalho na saúde é também um território
inacabado, com a capacidade de renovar-se sempre a partir dos dispositivos vivos que
operam nos espaço de visibilidade e conversação produzida pelas propostas pedagógicas
dos cursos. (CALVINO, 1990).
Para nós, a lição de Calvino “Visibilidade” desdobra-se numa questão: a
“Caixa-preta da Psicologia”. A tradição hegemônica da Psicologia está localizada como
a ciência capaz de produzir conhecimentos plenos a respeito da natureza psi do homem.
Uma ciência da alma que com suas finalidades específicas e métodos fidedignos à
realidade, seria capaz de traduzir o homem.
No Brasil, a formação em Psicologia foi, durante muitos anos, conduzida
por este único modo de operar: o profissional da Psicologia era o responsável por
selecionar e recrutar, de modo racional, os trabalhadores para diferentes cargos, no
serviço público, nas indústrias e no comércio. (MANCEBO, 2008).
Além de selecionar o melhor perfil, estava implícita neste processo a
conjugação de saberes e poderes que buscavam legitimar esta tarefa, muitas vezes
74
isolada, seja por meio do uso privativo dos testes psicológicos, seja por meio do
desenvolvimento de metodologias de trabalho solitárias.
A “Sala da Psicologia” é o lugar mais comum para localizarmos como, na
maioria das vezes, a Psicologia permanece distante dos processos coletivos e
institucionais. Seus registros, geralmente são de propriedade privada. O planejamento
geralmente permanente na ordem individual de cada profissional.
Chamamos
de
“Caixa-Preta”
fazendo
referência
ao
sistema
de
armazenamento de voz e dados existente nos aviões, que funciona como um dispositivo
de segurança (recuperação dos dados) em casos de acidentes.
Na Psicologia a “Caixa-Preta” torna-se um dispositivo burocrático que
somente é acionada em casos de infração do Código de Ética Profissional. Mas, ela
também acontece quando os processos de planejamento e avaliação dos serviços em
saúde não são coletivizados, por exemplo. Em nossas conversas, percebemos o quanto a
“Caixa-Preta” é presente nas instituições:
“E a psicologia meio que tinha não um problema, mas tinha uma questão.
Porque os outros cursos já iam direto no que eles iam fazer. Tipo a medicina já ia lá,
atender, ia pra sala atendia. A enfermagem ia lá fazia curativo, fazer não sei o que. E a
gente fica lá sem saber, sim, mas a gente faz o que? Porque eles estão lá atendendo. O
que é que a gente faz? Ai vinham várias questões. Porque... ai ficava... Ah mas o
psicólogo não tem sala! O que é que a gente vai fazer? Vai ficar lá fazendo o quê se
não tem sala? Mas, foi um aprendizado bastante interessante, acho que a gente
conseguiu ver a evolução do PET. Foi muito, muito, muito interessante... que a gente
saiu dessa questão da sala, de parar de pensar que a gente tinha que atender, a chegar
e desenvolver outras atividades, como os grupos. [...] A gente começou a fazer oficinas
75
para conversar um pouco sobre humanização, controle social, conversar um pouco
sobre mortalidade infantil [...]”. {Estudante}
A sala da Psicologia ainda parece ser o universo protegido do profissional.
A experiência da formação pouco tem explorado sobre os modos de produção em saúde
direcionados para modelos de atenção que valorizem demandas da população. Neste
sentido, outros caminhos se apresentam trajetos possíveis:
“alguns processos de trabalho lá da unidade que não aconteciam porque
havia uma fragmentação do trabalho, assim, cada um no seu setor. Né?! Apesar de ser
uma equipe de saúde da família, mas ela era muito setorializada, né?! Ainda num
paradigma, muito tradicional, né, funcionando muito individual [...]. Por outro lado,
acho que a gente conseguiu levar assim muito forte a natureza do que é o grupo misto,
do que tava sendo proposto enquanto eixo de trabalho, enquanto forma de trabalho. O
controle social que a gente adotou e assim escolheu, que precisava fortalecer o
conselho gestor, tinha a ver com a realidade de nossa unidade. O conselho gestor né?!
Talvez fosse uma via estratégica para, também dar um suporte maior para as coisas
que aconteciam, e a gente localizava que não deveriam acontecer, poderiam ser
corrigidas”. {Profissional}
Grupo Misto foi apresentado pelos dois grupos (estudantes e preceptores)
como um dispositivo capaz de produzir espaços de visibilidade dos processos de
trabalho, de forma coletiva e cogerida. A visibilidade adotada por Calvino não se refere
apenas a descrição dos passos. Ela se apresenta como uma fenda aberta para a
construção de um projeto mais amplo para a Psicologia no campo da saúde.
De acordo com Dimenstein (2003), este projeto deve necessariamente
pautar-se nos modelos democráticos de atenção à saúde, questão esta que também
76
atravessa a formação acadêmica, a partir da aproximação com outros campos de saberes
e, sobretudo, dos aspectos relacionados ao perfil do profissional da Psicologia.
Segundo a autora, é na valorização e no compromisso ético com os usuários
dos serviços de saúde que a Psicologia precisa oferecer seus serviços, ou seja, de acordo
com as necessidades e prioridades de saúde da população, envolvendo ações
intersetoriais e adotando a equipe de saúde como lócus estratégico para o planejamento
e avaliação de suas ações.
Além da questão pedagógica do próprio processo de formação (campo de
estágio), existe também a questão da transição dos modelos assistenciais que, de certa
forma, a presença do estudante aponta para outros movimentos possíveis no SUS. Ao
mesmo tempo em que, em algumas unidades, esta presença implica em convite aos
profissionais a revisarem seus modos de produção, em outras, a participação dos
estudantes em algumas atividades inibem a circulação dos profissionais. Em outras
unidades ainda, essa relação torna-se um pacto de invisíveis/impenetráveis:
“Então existe, de certa forma, uma posição por parte dos outros
profissionais, meio que eles se afastam um pouco, com receio desta “observação” dos
alunos”. {Profissional}
Afinal, que exercícios de visibilidades podem operar em nossos modos de
produção no cotidiano da formação e do trabalho para a saúde? Os questionamentos
também passam sobre o que queremos esconder? O conhecer e o não conhecer estão
intimamente ligados aos jogos de poderes que atravessam o campo das interrelações.
Visibilidade é, também, reconhecer estes poderes e circular entre eles. O jogo das
profissões (do saber-fazer) está capturado nessa tessitura de produção do conhecimento.
Visibilidade aponta para processos democráticos, coletivos, cogeridos.
77
4.5.
Multiplicidade
Para iniciar nossa conversa sobre a multiplicidade quero citar fragmentos de
uma história contada por Edgar Morin (s/d), citado num texto de Spink (2003b) sobre a
possibilidade de pensarmos o mundo a partir do paradigma da complexidade. A história
é a seguinte:
"Era uma vez um grão, de onde cresceu uma árvore, que foi abatida
por um lenhador e cortada numa serração. Um marceneiro trabalhou-a
e entregou-a a um vendedor de móveis. O móvel foi decorar um
apartamento e mais tarde deitaram-no fora. Foi apanhado por outras
pessoas que o venderam numa feira. O móvel estava lá no adeleiro, foi
comprado barato e, finalmente, houve quem o partisse para fazer
lenha. O móvel transformou-se em chama, fumo e cinza. (p. 03)”
Para Morin, a questão da produção do conhecimento não se situa no
estabelecimento das fronteiras disciplinares, mas na garantia de refletir sobre esta
história: “sobre o grão que se transformou em árvore, que se transformou em móvel e
acaba fogo, sem ser lenhador, marceneiro, vendedor que não veem senão um segmento
da história... (p. 04)”.
Não se trata de fazer uma grande síntese dos conhecimentos existentes, mas,
de apresentar o conhecimento adotando uma postura transdisciplinar, onde as
competências individuais, em vez de esfaceladas, possam ser articuladas em suas
relações infinitas, passadas e futuras, reais ou possíveis. (SPINK, 2003b; CALVINO,
1990).
O conhecimento se situa não a partir do estabelecimento das dualidades,
consideradas durante muito tempo, insubstituíveis, tais como sujeito-objeto, mentecorpo, coletivo-individual. Mas, se funda a partir da superação destas distinções e se
apresenta sempre como condições de possibilidades. (SANTOS, 2005).
78
Para a literatura, só é possível viver na proposição de objetivos
desmensurados, até mesmo para além de suas possibilidades de realização. Esta é a
função da literatura. Para nós, para pensar a formação em Psicologia aproximando-se de
um projeto tão ousado (desmesurado) como o SUS: “é preciso tecer em conjunto os
diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralista e multifacetada do mundo
(CALVINO, Op. Cit., p. 127)”.
Um desafio que caminha além das “junturas” produzidas na maioria dos
espaços cotidianos de trabalho. As Equipes de Saúde da Família ou os Núcleos de
Apoio à Saúde da Família, por exemplo, em sua grande parte ainda funcionam operando
uma lógica setorializada dos processos de trabalho e acabam por perpetuar a
fragmentação do atendimento prestado aos usuários adotando uma divisão tácita de
competências e práticas. (SPINK, 2003b).
Estas narrativas também aparecem nas conversas com os estudantes:
“Logo no começo quando o PET começou, ele meio que caiu de
paraquedas, não só nas unidades, mas também na UFAL. Meio que foi assim, ah junta
um monte de curso e agora vamos trabalhar, cada um vai para um lado, cada um faz
uma coisa. Não existia grupo misto, não existia multidisciplinaridade, não existia nada
disso. O que aconteceu no começo foi: juntou a psicologia, juntou a medicina, juntou a
enfermagem. Cada um foi para as unidades, medicina e enfermagem foram para as
unidades que já estavam inseridas, até porque eles têm a residência. E a gente ficou
meio que perdido, que nem “cego em tiroteio” (risos). É foi mais ou menos assim: foi
uma “juntura” que ficou cada um no seu canto”. {Estudante}
Entretanto o próprio grupo busca conduzir outros caminhos que apontam
para a articulação de uma política formativa, que no cotidiano possibilita congregar
diferentes atores e distintas trajetórias:
79
“Ai logo no começo quando o PET chegou, as próprias unidades não
entendiam o que era o projeto e agente também não sabia explicar, porque a gente tava
no começo e nem a gente sabia direito o que era. E eu lembro que teve até a iniciativa
de a gente começar apresentar o PET para todas as unidades que o PET tava inserido.
Que no começo eu acho que era entre 20 ou 21 unidades mais ou menos. A gente
começou a apresentar o projeto para todas as unidades para que eles tivessem uma
visão geral do que era o projeto. A gente sempre brinca dizendo que, quando a gente
entrou era uma coisa totalmente diferente, e a gente fica muito feliz e muito orgulhosa
do que o PET conseguiu trilhar nestes três anos, acho que é nestes três anos. Hoje, hoje
eu concordo com o colega, acho que hoje não está 100%, não está as mil maravilhas,
mas acho que muito já quebrou. [risos] Já quebrou muitas barreiras. Acho que hoje na
unidade ele já consegue pensar na graduação, trazer coisas da graduação, discutir.
Quando a gente saiu, eu acredito, eu sei, eu não fiquei, mas acredito que já tava tudo
mais ou menos encaminhado, já estava muito mais fácil interagir com eles, e eles já
estavam aceitando muito melhor o PET do que quando a gente entrou logo no começo.
E não foi fácil [não foi fácil]”. {Estudante}
Certamente são implicações conjunturais e localizadas em um grupo
específico e na dinâmica de condução das dificuldades ao longo do caminho. Entretanto,
como apresentamos os participantes como interlocutores para a problematização, outras
questões foram apresentadas:
“Uma das dificuldades para isso daí [o trabalho em equipe] é porque,
primeiro que nenhum curso quer abrir mão. E, segundo, que os profissionais, nós
mesmos, enquanto estudantes, os próprios profissionais, muitas vezes colocam o nosso
conhecimento científico e tal, como superior”. {Estudante}
80
O ingresso dos estudantes na composição da equipe é uma aposta da Política
Nacional de Educação Permanente em Saúde e, também, uma prática em
experimentação que busca equalizar processos formativos com capacidade de impacto
no ensino, na gestão setorial, nas práticas de atenção e no controle social em saúde.
(CECCIM; FEUERWERKER, 2004).
A permanência de estudantes nos serviços é uma proposição que exige
articulações entre as dimensões técnico-assistenciais, mas que deve estar atenta às
condições de atendimento às necessidades de saúde da população:
“Nem todo mundo quer sair da sua posição de superioridade. Então, essa
noção de colocar os conhecimentos como complementares, e não como superiores ou
inferiores, o conhecimento popular, tá colocado em pé de igualdade com o
conhecimento que a gente tem. Um vai ajudar o outro, um vai complementar o outro e
vai gerar mais conhecimento ainda. Isso é um desafio que nem todos profissionais
aceitam. E quando a gente consegue inserir isso dentro da unidade, a relação com a
comunidade melhora muito mais, como a gente viu na experiência que a gente teve”.
{Estudante}
Tanto os estudantes, quanto os profissionais localizam a importância da
formação para o campo da saúde como construção da educação em serviço que possa
agregar o desenvolvimento individual e institucional, entre serviços e gestão setorial e
entre atenção à saúde e controle social (CECCIM; FEUERWERKER, 2004):
“[...] Era uma unidade que tinha 5 cursos, que tava com o PET, então
facilitava bastante. Era: psicologia, odonto, medicina, serviço social e enfermagem.
Então a gente tinha assim, e era só uma equipe de saúde também. A gente imaginou que
facilitaria as questões do encontro, né?!, das discussões, do trabalho. E assim foi um
desafio. Por que não é fácil, né?! Tornar a partir de multi, de multidisciplinar para
81
interdisciplinar, né?!. A gente pensa que só se juntar, vai dar uma coisa interessante,
um caldo bom, né?! Mas, é, não foi fácil, até a gente, cada um incorporar o sentindo do
fazer interdisciplinar, interdependente, né?!, de ser coparticipante um do trabalho do
outro. De que os alunos do curso poderiam tá com outro preceptor sem
necessariamente do seu curso, sem ser necessariamente aquela referencia natural.
Então, foi uma construção. Eu acho que isso foi um crescimento para a equipe que tava
realmente lá envolvida. E facilitou bastante, assim os alunos puderam participar deste
processo. Enxergando o quanto ele é difícil, né?! Caminhar até funcionar grupo misto,
entendendo os porquês disso. Né?! Problematizando junto com a gente”. {Profissional}
De acordo com Ceccim (2005), trata-se de um processo formativo
eminentemente político forjado no compromisso com a saúde pública e com a sua
transformação, centrado no usuário e em composição de coletivos organizados para a
produção da saúde.
A multiplicidade é então uma galeria de temas onde o conhecimento se
amplia à medida que parte ao encontro um dos outros, constituindo-se na complexidade
de sua produção, mas valorizando as dimensões locais de produção. Reconhecer a
multiplicidade na dimensão do encontro inaugura uma fenda para problematizarmos a
consistência, a última lição de Calvino. (SANTOS, 2005).
82
4.6.
Consistência
Eis a sexta lição. Calvino não teve a oportunidade de escrevê-la. Minha
aventura é problematizar algumas questões sobre a formação em Psicologia, e o
trabalho para o SUS, dissertando sobre que lições poderiam ser apresentadas pela
consistência.
Algumas perguntas são sempre lançadas: o que diria Calvino sobre a
consistência? Porque será que justamente a consistência ele não escrevera? O que seria
então o ato de consistir? Quando li as cinco lições anteriores, confesso que fiquei a
imaginar e fantasiar esta conversa.
Imaginei que a consistência, de certa forma, seria a negação de todas as
propostas anteriormente anunciadas. Pois, sendo a consistência um estado de firmeza,
solidez e/ou coerência, algo que se caminha para a forma sólida, como traduzir tais
características para a literatura no século XXI, a partir da leveza, rapidez, exatidão,
visibilidade e multiplicidade?
Mas, o próprio Calvino não pretende excluir os valores opostos às temáticas
escolhidas para as conferências: “(em) meu elogio à leveza, estava implícito o meu
respeito ao peso”. (CALVINO, 1990, p. 59).
A consistência é a intensidade com a qual as narrativas apresentam seus
fundamentos. Do ponto de vista textual hegemônico, a consistência é a estabilidade
sintática e semântica de seus enunciados. Entretanto, para a literatura contemporânea,
este conceito se esvazia em seus sentidos, pois a predominância de diversas linguagens
num mesmo texto é o conceito que guia tais perspectivas.
Consistência interna na Estatística é uma forma de medida baseada na
correlação entre diferentes itens no mesmo teste. Ou seja, é a medida usada para
83
calcular se diversos itens produzem resultados semelhantes. Consistência interna,
portanto, tem a ver com a condição de replicabilidade do fenômeno por meio de novos
instrumentos. E para nós, qual seria o desafio da consistência? Justo o oposto à
condição de replicabilidade, automatismo, produzir sempre do mesmo.
Tomamos a consistência como o lugar possível para a leveza, rapidez,
exatidão, visibilidade e multiplicidade. No campo da saúde, a consistência é o trabalho
vivo produzido em ato. Para a formação em Psicologia seria a consistência uma
potência política para a vida? Quais práticas estariam implicadas neste processo para
conduzir a formação para a saúde a partir de dispositivos coletivos orientados para o
SUS?
Com o PET-Saúde dois movimentos foram produzidos na esfera da
micropolítica: estímulo às ações de extensão, sobretudo com a interação dos estudantes
em sala de aula junto a outros estudantes que não participaram da experiência PETSaúde; a presença de preceptores na Universidade, incentivando a interlocução entre
ensino-serviço e os demais estudantes dos cursos. (UFAL, 2012).
Os profissionais visualizam tais avanços e também se apropriaram da
proposta:
“[...] a gente teve muitas palestras, muitas discussões, muitos encontros
também. Em vários momentos, tanto para a psicologia quanto para o grande grupo.
[...] principalmente o primeiro ano, era um encontro a trás do outro. A gente tava
sempre na UFAL, no auditório, tava discutindo, de maneira mais ampla”.
{Profissional}
Outro profissional contextualiza a dinâmica do trabalho ao narrar os
diversos movimentos que o PET-Saúde produziu com a equipe e usuários. Situando,
sobretudo, a importância dos momentos dedicados à sistematização do conhecimento
84
produzido. Uma disponibilidade para analisar o próprio processo de trabalho e com isso
se reconduzir as práticas de cuidado:
“Nós tivemos a oportunidade também de escrever capítulo de um livro, e foi
muito bom, pra gente especialmente, pra mim e acho que para os colegas também. Foi
uma oportunidade muito rica, por que agente tem mexer, pegar texto e ler, construir
junto e isso foi uma coisa muito boa e porque não foi só um trabalho de escrever um
capítulo, mas pensar a nossa prática e o referencial que a gente tava lendo ali, foi uma
coisa muito legal, falar de prática mesmo, pra mim particularmente foi uma coisa de
fazer nossa formação mesmo da gente, fazer a nossa formação. O quê que a gente tá
fazendo agora? Quê que dizem os autores a esse respeito? Vamos ver se tá certo
mesmo?! Ou se a gente perdeu o rumo. A impressão que eu tenho é que a gente não
perdeu muito o rumo não”. {Profissional}
As mudanças apontadas também se referem ao contexto cotidiano do
trabalho:
“Eu acho que até a forma de a gente funcionar com tecnologias leves, e
assim, focando no segundo ano do PET II, em oficinas, e a parceria superinteressante
da disciplina do curso de psicologia junto com o PET-Saúde, a gente já tinha iniciado
lá na unidade o grupo com as mulheres de oficina de geração trabalho e renda e pode
dar continuidade até como um gás a questão do bordado. Então, trazendo outras
linguagens para dentro da unidade, pra esse fazer lá, eu acho então foi muito
interessante para todo mundo. Pra mim enquanto profissional que estava lá, para os
outros preceptores e para a equipe, né?! Fazer tanta coisa. Então, acho que essa
possibilidade da gente criar novas coisas no território, fazer um chamamento a
comunidade, integrar essa comunidade, deixar que ela também cuide do que é que
85
existe nela e que possa agir mais dentro dela, de uma maneira que produza saúde
também, acho que foi muito positivo”. {Profissional}
Em nosso percurso nestes quase dois anos vivenciamos novos territórios e
produção de tecnologias diversas. São ações micropolíticas que vão sintonizando,
lentamente, formas não hegemônica e potencializando encontros:
“O grande salto que o PET deu, quando ele saiu do I, do isolamento, para o
misto, que a gente teve vários estudantes, de várias áreas conversando, dialogando”.
{Profissional}
Também
apresentaram
outras
necessidades
para
se
investir
permanentemente na formação do trabalhador, sinalizando que a formação deve
acontecer na via do trabalho, no contexto da ação:
“A educação popular em saúde deveria ter vindo até como uma
capacitação pra gente, e até a gente ficou meio desejoso que acontecesse isso. Que a
gente pudesse problematizar teoricamente né o que embasava as oficinas. A partir do
interesse que elas despertaram, né, então eu acho que foi muito interessante”.
{Profissional}
De acordo com Florintino (2009), os dispositivos formadores para o SUS
são campos de interseção de saberes que não são dados a priori. Ele surge nos
encontros cotidianos entre os saberes profissionais, possibilitando a prática
interdisciplinar como território de experimentação, exposição e desestabilização de
saberes:
“[...] Então eu acho que esse desafio foi muito interessante. Uma coisa que
me fez na época admirar muito o PET foi essa junção de aluno, preceptores e o
professor, que era o tutor. Por que a impressão que dava era que se talvez não tivesse o
preceptor, a experiência do PET ia tá servindo para que a gente, quando a gente se
86
formasse e conseguisse atuar como psicólogo nessas instituições. Só a partir daí a
gente ia conseguir modificar alguma coisa. Agora a experiência do PET a partir do
momento que tem um preceptor, o conhecimento já faz modificar ali naquele exato
momento, não espera aquela turma que teve aquela experiência se formar, para a ação
começar a ser modificada. Não fica aquele distanciamento entre o conhecimento que a
academia tem, o conhecimento que o preceptor tem e o estudante tem”. {Estudante}
A Educação Permanente é a via que potencializa a realização deste encontro
entre o mundo de formação e o mundo de trabalho, onde o aprender e o ensinar se
incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho (BRASIL, 2008). Estes são
territórios fecundos para as novas experimentações pedagógicas e metodológicas que
também produzem efeitos na produção do cuidado e na relação com o usuário, numa
singular e concreta experiência:
“[...] eu acho, assim, a gente chegou lá a gente conseguiu dialogar com a
psicóloga. De ela chegar e falar assim: vocês acham que assim tá certo? Sabe, eu não
esperava isso de um profissional. De alguém chegar me falar assim, eu não sei. Vocês
sabem? E aquilo não me deu medo. Aquele “negoço” de caramba (!), se ela não sabe,
eu é que não vou saber. Muito pelo contrário. Como a colega disse foi uma construção.
E uma coisa muito importante é que esse diálogo não só foi entre psicólogo e alunos de
psicologia, alunos de psicologia e enfermeiras, alunos com alunos de outros cursos.
Então, eu acho diálogo além de enriquecer o trabalho individual, digamos assim,
enriqueceu também quando a gente levava para a comunidade”. {Estudante}
É do apaixonamento necessário pelos processos de trabalho do SUS, que
precisa ser explicitada a necessidade de uma formação claramente comprometida e
direcionada à concretização dos princípios da reforma sanitária brasileira. Um projeto
87
em construção, mas que encontra eco à medida que nos aproximamos dos processos
formativos micropolíticos:
“[...] me chamou muito a atenção de uma estudante de psicologia. Ela
chegou com um tema, que já seria o tema da monografia de TCC de final de curso. Já
pelo ponto de vista da [...] análise dos trabalhadores de saúde no Sistema Único de
Saúde, já imbuída de uma visão de que não aconteciam os processos no sistema porque
os trabalhadores não queriam. Tudo era um problema da negativa dos trabalhadores,
da carga horária deles, então assim, sempre era algum problema relativo a ele. E
quando ela vivenciou a experiência junto com a gente. Ela pode participar de todo esse
processo de problematização, das dificuldades lá, de quanto os trabalhadores poderiam
estar ali envolvidos, dos que estavam tentando, dos que sorriam, choravam e se
frustravam, por que não conseguiam por um lado, tentavam por outro né?! Da
dedicação que muitos tinham mesmo não estando assim diretamente envolvidos com
algumas coisas e que na verdade eram menos. Mas, ela pode fazer uma outra visão.
[...] Enfim, foram reveladas muitas coisas ai neste processo de aprendizagem. Mas, ela
pode mudar esse olhar. Ver o quanto que é possível, mas o quanto que é difícil. Desde o
ambiente micropolítico até o macropolítico. Então vivenciar o controle social, né?! que
a gente problematizou em vários locais, em vários aspectos deste processo. Então foi
bastante positivo”. {Profissional}
De acordo com Benevides (2005), é preciso investir cada vez mais nos
princípios do SUS. Seus eixos organizativos (universalidade, equidade e integralidade)
somente se tornam possíveis quando traduzimos nas experiências práticas do cotidiano.
De acordo com a autora, é na construção das redes, das grupalidades, de dispositivos de
cogestão, de aumento do índice de transversalidade, de investimento em projetos que
88
aumentem o grau de democracia e participação institucional, que alguns caminhos vão
se tornando possível.
89
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Antes de localizar qualquer questão epistemológica, ou deixar claro o curso
dos procedimentos metodológicos necessários para a pesquisa, foi necessário assumir
meu campo-tema. Não apenas buscando reconhecer a trajetória em sua dimensão éticopolítica, mas declarar-me ocupando também esse lugar performático da formação em
Psicologia e o trabalho para o Sistema Único de Saúde.
Antes de estabelecer ainda uma versão sobre as políticas e práticas
desenvolvidas, forjadas e orientadas para o SUS, considerando a hipótese de que a
graduação em Psicologia distancia o estudante de um perfil formativo convergente com
os princípios éticos, políticos e organizativos do SUS, mergulhei no meu processo
formativo e no percurso junto ao SUS com o objetivo de problematizar quais outras
direções seriam possíveis.
De certa forma, assumir esta implicação demandou um remapeamento das
questões lançadas no início da pesquisa e abriu caminho para a ocupação de novos
territórios. Em rede, foi possível estabelecer conversas férteis e inquietantes sobre temas
relevantes ao saber-fazer da Psicologia no campo da Saúde Pública.
A hegemonia dos modelos clássicos da Psicologia ainda exerce e domina o
currículo e o cotidiano dos cursos. O paradigma da simplificação é ainda apresentado
como modelo único de verdade vigente (SPINK, 2003b). Mas, habitar o universo desta
pesquisa e acionar outros dispositivos formadores que se reconhecem na potência do
trabalho coletivo, na democratização do processo de produção do conhecimento, no
agenciamento em rede do trabalho e, sobretudo, na valorização dos processos
formativos locais, foi o maior empreendimento desta pesquisa.
90
Diversas políticas indutoras têm sido realizadas, mas é preciso considerar
que a Reforma Sanitária brasileira ainda precisa avançar, e a Psicologia deve lançar-se
também nesta disputa política, ou seja, a prática profissional do psicólogo não se
destitui de um agir militante. A Política de Educação Permanente para a Saúde assume,
juntamente com outros dispositivos, um lugar estratégico para fomentar este processo
de mudança integrando a rede de formação para o SUS.
Tentar integrar a prática em pesquisa com o universo do trabalho não foi
uma tarefa fácil. Muitas vezes me senti perdida no meio do caminho, mas guiada pela
inseparabilidade dos modos de ser, viver e pesquisar, fui traçando novas rotas buscando
cada vez mais agregar os diversos elementos que atravessaram o percurso. Experimentar
a roda e aprender com ela, com toda sua polifonia entre convergências e divergências,
foi também um valoroso exercício.
O movimento da pesquisa buscou habitar e criar canais de interlocuções
numa rede extensa entre a literatura de Ítalo Calvino, os diversos textos que tiveram
uma função-guia neste percurso, juntamente com as conversas nos corredores, com o
Grupo de Pesquisa, com o Grupo do Pet-Saúde, nas disciplinas do mestrado e no estágio
em docência.
Um processo que produziu marcas buscando problematizar nossos eixos
conceituais – Formação em Psicologia/Sistema Único de Saúde/Integração EnsinoServiço – a partir da experimentação coletiva na produção do conhecimento, buscando
discutir a formação em Psicologia a partir da introdução de políticas e práticas
orientadas para o SUS.
No agenciamento destas políticas e práticas situamos os dispositivos
formadores como fissuras no modelo hegemônico da formação em Psicologia. Uma
tentativa de atualizar o projeto político brasileiro da Psicologia para pensar outro projeto
91
possível. Este novo e atual projeto não é aquilo que somos, mas aquilo em que vamos
tornando a ser, o que chegamos a ser, quer dizer, o outro, nossa diferente evolução.
(DELEUZE, 1990).
Construir
novas
proposições
demanda
mais
questionamentos
que
apresentação de respostas. Apontamos alguns caminhos neste universo do saber-fazer
do psicólogo no SUS e encontramos nas lições de Calvino (1990) uma inspiração ética,
estética e política para propor novos dispositivos no cotidiano dos cursos de Psicologia.
A leveza é o dispositivo que se cria no processo, na capacidade de
transmutar o peso da formação acadêmica valorizando o encontro, os diálogos, as
mudanças necessárias no percurso formativo. Por ser leve, deve ser um dispositivo
sempre em movimento e atuar como um vetor de informação. Ou seja, operar nas
singularidades, nas dimensões relacionais e micropolíticas, produzindo sentidos e
materializando-se por meio da sua ausência corpórea. Quem sabe a leveza possa com
suas características ser uma linha de fuga para a ameaça de uma formação tomada como
uma “faca-de-dois-gumes”? (CALVINO, 1990).
O segundo dispositivo pode ser capaz de provocar rupturas na formação
acadêmica e na prática profissional, reguladas pela lógica da produtividade. É a rapidez.
A disposição de um currículo mínimo para o cursos (centrado no conteúdo e tecnicista),
versus uma formação ética e politicamente orientada para as necessidades de saúde da
população e os princípios do SUS, exige a marcação de uma nova relação como o
tempo. Atualmente, experimentamos a lógica de que a velocidade é a do tempo que não
se pode perder: cursos cada vez mais rápidos; práticas profissionais cada vez mais
concentradas e velozes.
Mas, a formação acadêmica é necessariamente produção de vida. E na vida,
tal qual deveria acontecer nos cursos de graduação, o tempo deve fluir sem outro intento
92
que o de deixar as ideias e sentimentos se sedimentar e amadurecer. A rapidez deve ser
então um dispositivo capaz de formar curvas e bifurcações buscando romper com o
produtivismo acelerado. O tempo da Psicologia na saúde é outro que não o centrado em
procedimentos. E, talvez, o tempo nas relações com os estudantes e com os usuários,
também se configura de outra forma que não o tempo das linhas de montagem.
O terceiro dispositivo, a exatidão é, para Calvino (1990), uma composição
minuciosa. Ela reserva funções fundamentais para o processo formativo, pois
entendemos que é na singularidade, na priorização do encontro, na constituição de redes
e vínculos que a formação para a saúde acontece em ato. É um dispositivo que precisa
cada vez mais acontecer buscando fortalecer a integração ensino-serviço e as narrativas
singulares em cada encontro.
A visibilidade se difunde entre o visível e o não visível. A Psicologia quase
sempre atua como a ciência capaz de capturar o invisível. Com este movimento, acaba
se distanciando do necessário para compreender o contexto e seus processos de
trabalho. Esta tentativa de se tornar invisível e neutro teve como efeito o isolamento de
suas práticas e o uso indiscriminado e aleatório das “Caixas-Pretas”. Neste sentido, a
visibilidade produz outras funções que buscam transcender o trabalho centrado no
universo privado, possibilitando transpor linhas para a ampliação e coletivização dos
processos de trabalho.
O quinto dispositivo, orienta-se ao argumento de que a produção do
conhecimento e o trabalho não se situam no campo disciplinar, nem no estabelecimento
de fronteiras corporativas. A formação, neste sentido, pode adotar a multiplicidade
como dispositivo com o objetivo de “tecer em conjunto os diversos saberes e os
diversos códigos numa visão mais pluralista e multifacetada do mundo”. Nas propostas
de Calvino (1990), estas redes acontecem em crescentes vias divergentes, convergentes
93
e paralelas. A multiplicidade é o trabalho com a diferença e sua capacidade de se
multiplicar.
Reduzir a multiplicidade a um universo da tolerância não resolve os
problemas das equipes em saúde. Assim como não resolve acirrar o múltiplo ao
reconhecer as diferentes identidades. A questão não consiste em reconhecer a
multiplicidade, mas em ligar-se com ela, em fazer conexões, composições com ela.
(SILVA, 2002, p. 1).
Embora estes dispositivos possam atuar e/ou incidir nos processos
formativos buscando desestabilizar alguns contornos, precisamos ainda aprender a
encontrar, a carregar o apaixonamento necessário na produção do trabalho vivo
produzido em ato e com consistência.
94
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