O corpo grávido: um estudo com gestantes num hospital público

Discente: Raquel de Lima Santos / Orientadora: Profª. Drª. Heliane de Almeida Lins Leitão

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                    UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS, COMUNICAÇÃO E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

RAQUEL DE LIMA SANTOS

O CORPO GRÁVIDO: UM ESTUDO COM GESTANTES NUM HOSPITAL PÚBLICO

Maceió
2013

RAQUEL DE LIMA SANTOS

O CORPO GRÁVIDO: UM ESTUDO COM GESTANTES NUM HOSPITAL PÚBLICO

Dissertação de Raquel de Lima Santos apresentada junto
ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Alagoas, como requisito parcial
para a obtenção do título de Mestre em Psicologia.
Orientadora: Profa. Dra. Heliane de Almeida Lins Leitão

Maceió
2013

Catalogação na fonte
Universidade Federal de Alagoas
Biblioteca Central
Divisão de Tratamento Técnico
Bibliotecária Responsável: Fabiana Camargo dos Santos
S237c

Santos, Raquel de Lima.
O corpo grávido : um estudo com gestantes num hospital público / Raquel
de Lima Santos. –2013.
109 f. : il.
Orientadora: Heliane de Almeida Lins Leitão.
Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade Federal de Alagoas. Instituto de
Ciências Humanas, Comunicação e Artes. Departamento de Psicologia. Maceió, 2013.
Bibliografia: f. 84-88.
Apêndices: f. 89-95.
Anexos: f. 96-109.
1. Corpo – Modificações. 2. Gestação. 3. Corpo e cultura. 4. Donald Winnicott –
Teoria. I. Título.
CDU: 159.923.2:618.2

Para Lara, minha sobrinha,
que veio ao mundo justamente um mês após ter iniciado esse percurso.
E, mesmo sem saber, deixou esse caminho um tanto mais leve.
Pela magia das descobertas proporcionadas cotidianamente.
Pelos sorrisos capturados de mim desde o seu primeiro minuto de vida.
Pelas marcas deixadas no meu dia a dia.
Pela paz do seu sorriso.

AGRADECIMENTOS
À Professora Dra. Heliane Leitão, minha orientadora, um agradecimento especial por
mais uma parceria durante todo esse trajeto, pelo profissionalismo, compreensão e incentivo;
fundamentais para a minha formação acadêmica. Uma referência de dedicação ao que faz.
Muito obrigada!
Às Professoras Dra. Susane Zanotti (PPG-Psicologia/UFAL) e Dra. Rosângela
Francischini (UFRN) pelas valiosas contribuições a esse trabalho na banca de qualificação em
Março/2012;
À Professora Dra. Junia de Vilhena e à Professora Dra. Susane Zanotti por aceitarem
fazer parte da banca examinadora desse trabalho.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFAL pelas inúmeras
contribuições, pelo incentivo, por sempre impulsionarem as reflexões e questionamentos, pela
formação acadêmica.
Aos colegas da turma os quais contribuíram cada um ao seu modo para que essa etapa
se tornasse concreta. Iniciamos a história da pós-graduação em psicologia da UFAL, sendo a
primeira turma de Mestrado. Foi uma satisfação poder construir tudo isso ao lado de vocês.
Afetuosamente, fica aqui mais que um agradecimento para aquelas que estão além da
turma de colegas do mestrado: Dayse Costa, Juliana Falcão, Kyssia Calheiros, Patricia Toia e
Zaíra Lyra. Sem dúvida, vocês foram fundamentais durante esses dois anos. Vibramos juntas
quando possível, sofremos juntas quando necessário. Obrigada pela constância nesse
percurso!
Aos profissionais do Ambulatório pré-natal do HUPAA/UFAL, pela receptividade e
disponibilidade em acolher os questionamentos que impulsionaram esse estudo.
Às gestantes participantes do estudo, pela disposição e confiança em compartilhar suas
experiências, seus relatos foram essenciais para a pesquisa e deram “corpo” a esse trabalho.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES e à
Fundação de Amparo à Pesquisa de Estado de Alagoas – FAPEAL, pelos auxílios através da
concessão de bolsa CAPES/DS.
Aos amigos “psis” por todo apoio durante a graduação, que torceram juntos no
processo de seleção do mestrado e estão comigo até hoje: Angelina Nunes, Carine Mendes,
Carolina Sena, Diana Moura, Gabriel Fortes, Kyssia Calheiros e Yanna Albuquerque.
Aos amigos que sempre me incentivaram, aos que estão sempre por perto e àqueles
que mesmo longe, dão um jeito de estar presente. Às “amigas-irmãs” da vida por serem
exatamente quem vocês são; amigas que eu sei que vão estar comigo para toda vida: Karine
Braga, Malu Maia, Mariana Lyra e Renata Cavalcanti. Carinhosamente, minha homenagem à
“amiga-irmã” Juliana Duarte (in memoriam) que, certamente, seria uma excelente
companheira de profissão e vibraria junto comigo mais essa conquista.
À minha família, diga-se de passagem, uma grande família não apenas pela quantidade
de membros, mas pela presença constante em minha vida, pelo apoio e torcida incondicional;
tudo isso é possível porque vocês existem! Obrigada por tudo e pela compreensão quando,
por vezes, minha ausência se fez presente.
Ao meu irmão Rafael de Lima e minha cunhada Karine Braga por todo apoio e
torcida, por me presentearem com uma sobrinha que faz dos meus dias mais leves.
Ao meu noivo, Thiago Malta, por me acompanhar desde o ingresso na universidade.
Por estar sempre ao meu lado, por toda compreensão, paciência, atenção; pelo cuidado e pelo
conforto nas vezes em que o caminho parecia penoso; pelas palavras certas nas horas difíceis
e por todo amor que ainda cresce em mim. Mais além, por me permitir viver tudo isso com
você!
Por último, mas o agradecimento mais importante: aos meus pais, Neilson Teixeira
dos Santos e Ivonete de Lima Santos. O alicerce de tudo o que eu sou hoje, pelo amor
incondicional, pela confiança depositada em mim, pelos esclarecimentos nas decisões difíceis,
por estarem sempre onde e quando deveriam estar.

Que corpo é este que me impõe uma identidade, um lugar no mundo,
que me conduz no labirinto das normas e valores sociais/ morais? Que
corpo é este que eu habito, cuja imagem invertida reflete o olharespelho dos outros? Que corpo é este, afinal, que sendo apenas um,
pode tornar-se dois, ocupando o mesmo lugar no espaço? Corpo
feminino, corpo reprodutor, a maternidade que me desdobra vem me
integrar ao mundo do social [...] (SWAIN, 2000).

RESUMO
A gravidez pode ser compreendida como uma experiência que envolve grandes modificações
na vida da mulher, sejam elas de ordem física, psíquica ou social. Dentre estas mudanças,
destaca-se a questão do corpo e suas transformações, enfocadas no presente estudo. As
inquietações deste estudo giram em torno de questões acerca de como os ideais de beleza do
corpo vigentes na cultura interferem neste processo, na medida em que as transformações
corporais inerentes à gravidez possam ser vividas como indesejáveis, desconfortáveis e
estranhas. A teoria de Donald Winnicott defende a concepção de que a constituição da
subjetividade humana é indissociável do ambiente; neste sentido, o processo de constituição
subjetiva da maternidade ocorre no contexto relacional e sociocultural da mãe. O presente
estudo é norteado por uma questão principal: como as gestantes vivenciam a experiência com
o corpo grávido na atualidade? Tendo como objetivos específicos: identificar como as
transformações corporais decorrentes da gestação são percebidas e vivenciadas pelas
gestantes; compreender como o ideal estético para o corpo feminino prevalente na cultura
produz impactos subjetivos nas gestantes face às transformações corporais experienciadas
durante a gestação; averiguar como estas experiências ocorrem em gestantes no contexto de
famílias de baixo nível socioeconômico. A pesquisa foi realizada no ambulatório pré-natal de
um hospital público em Maceió, na qual participaram doze gestantes nulíparas e maiores de
dezoito anos. Os instrumentos da pesquisa para a coleta de dados foram a entrevista
semiestruturada e a produção de desenhos. As entrevistas foram realizadas individualmente,
gravadas em áudio, transcritas e submetidas à análise de conteúdo. Os resultados apontam que
a experiência com o corpo grávido se dá no contexto do significado da gravidez para a
gestante, estando particularmente relacionada a se a gravidez foi planejada ou não. As
mudanças corporais surpreendem mais as gestantes que não planejaram a gravidez, as quais
relatam que vivenciam essas modificações com estranhamento. O significado das mudanças
corporais se dá no contexto relacional, com referências principalmente ao companheiro e à
própria mãe. Apesar das transformações corporais serem mais intensas no segundo e terceiro
trimestre de gestação, a vivência destas mudanças não apareceu diretamente relacionada ao
período gestacional das participantes. A capacidade de gerar uma vida no interior do próprio
corpo surge como uma experiência afetiva positiva e compensadora. A disponibilidade de
amamentar observada nos relatos parece atender a uma expectativa social, mas pode também
indicar o desenvolvimento da preocupação materna primária. Embora os relatos não
mencionem explicitamente os padrões de beleza corporal estabelecidos na atualidade, a
maioria das gestantes se refere ao “corpo normal” em oposição ao corpo grávido, remetendo à
questão da norma e da normatização que se impõe na cultura contemporânea. Os desenhos se
mostraram instrumentos potencialmente importantes de investigação na medida em que foram
consonantes com as falas das participantes, auxiliando na discussão dos resultados.

Palavras-chave: Corpo. Gestação. Winnicott. Cultura.

ABSTRACT
Pregnancy can be understood as an experience that involves major changes in women's lives,
whether physical, psychological or social. Among these changes, there is the matter of the
body and its transformations, focused in the present study. The study concerns revolve around
questions of how the ideals of beauty of the body in culture prevailing interfere in this
process, in that the body changes associated with pregnancy may be experienced as unwanted,
uncomfortable and strange. The Donald Winnicott's theory supports the idea that the
constitution of human subjectivity is inseparable from the environment, in this sense, the
process of subjective’s motherhood constitution occurs in the context of relational and
sociocultural mother. This study is guided by a central question: how pregnant women
experience the experiment with a pregnant body nowadays? By having specific objectives:
identify how the body changes from pregnancy are perceived and experienced by pregnant
women; understand how the aesthetic ideal for the female body prevalent in the culture
produces subjetive impacts in pregnant women in relation to body changes experienced
during pregnancy. The research was conducted in the antenatal clinic of a public hospital in
Maceio, attended by twelve nulliparous pregnant women over eighteen years old. The
research instruments for data collection were semi-structured interviews and drawing
production. The interviews were conducted individually, audio-recorded, transcribed and
subjected to content analysis. The results indicate that experience with a pregnant body occurs
in the context of the meaning of pregnancy for the mother and is particularly related to the
pregnancy, if it was planned or not. The changes in the body, it surprises more often the
women who did not planned the pregnancy, which report that they experience such changes
with strangeness. The meaning of bodily changes occurs in the relational context, with
references mainly to the partner and to the mother herself. Despite the fact that body changes
are more intense in the second and third trimester of pregnancy, the experience of these
changes did not appear directly related to gestational period of participants. The ability to
generate a life within the body itself emerges as an affective experience positive and
rewarding. The availability of breastfeeding observed in the reports seems to meet a social
expectation, but can also indicate the development of primary maternal preoccupation.
References to beauty standards body established culturally emphatically not appear in the
accounts; however, most of the women allude to the idea of a "normal" body as a counterpoint
to the pregnant body, referring to the question of the standard and the standardization that is
needed in the culture. The drawings were important investigative tools in that were in line
with the statements of the participants, assisting in the discussion of results
Keywords: Body. Gestation. Winnicott. Culture.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 - Dados sociodemográficos das gestantes

42

Tabela 2 - Período gestacional das participantes

46

Gráfico 1 – Principais transformações corporais na gestação

56

Desenho 1 – Transformações corporais na gestação na percepção de Laura

62

Desenho 2 – Transformações corporais na gestação na percepção Taís

63

Desenho 3 – Transformações corporais na gestação na percepção Priscila

66

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO

11

2

SOBRE O CORPO

14

2.1

Corpo e subjetividade: contribuições da psicanálise

16

2.2

Considerações sobre o corpo na atualidade

25

3

VIVÊNCIAS DA GESTAÇÃO

29

3.1

O primeiro trimestre de gestação

31

3.2

O segundo trimestre de gestação

32

3.3

O terceiro trimestre de gestação

33

3.4

A preocupação materna primária

34

3.5

O corpo grávido

36

4

ASPECTOS METODOLÓGICOS

41

5

O CORPO GRÁVIDO SEGUNDO A EXPERIÊNCIA DAS GESTANTES

48

5.1

As transformações na gestação

56

5.2

Experiências corporais a partir da gestação

56

5.3

Do corpo “normal” ao corpo grávido: narrativas sobre corpos transformados
pela gestação
59

5.4

A constituição da imagem do corpo grávido a partir da relação com o outro

68

5.5

O corpo inimaginável pós-gestação

72

5.6

A capacidade de gerar uma vida dentro de si: repercussões positivas da vivência
corporal da gestação
73

5.7

A amamentação em prol da saúde do bebê

77

6

CONSIDERAÇÕES FINAIS

80

REFERÊNCIAS

85

APÊNDICES

90

ANEXOS

97

11

1 INTRODUÇÃO
A gravidez pode ser entendida como um complexo período onde uma série de fatores
físicos, psíquicos e sociais interagem. De acordo com alguns autores, as experiências
psicológicas que circundam o período gestacional são diversas, entre elas: os afetos,
sentimentos de felicidade, completude e realização, bem como as ambivalências, os receios,
os desconfortos, as fantasias, entre outras (LOBO, 2008; MALDONADO, 1985; PICCININI
et al., 2008; SOIFER, 1977-1980). Em meio aos vários aspectos que acompanham a gestação,
destaca-se nesse estudo a questão das transformações corporais provenientes desse período.
Nos dias de hoje, pensar sobre corpo e toda a sua dimensão nos remete a refletir sobre
que lugar esse corpo ocupa na atualidade e como isso que temos hoje foi se constituindo
historicamente. Atualmente, temos uma cultura que se caracteriza pelo culto ao corpo, na qual
o corpo constitui-se como uma fonte de prazer e gozo inesgotável e, paradoxalmente a isso,
como fonte de sofrimento e angústia. Fala-se de uma cultura da exterioridade onde há uma
ênfase exacerbada na exposição do corpo e no narcisismo, produzindo novas formas de
subjetividades que marcam a contemporaneidade (BIRMAN, 2000-2011). Em relação ao
corpo feminino, tal ênfase parece redobrada na busca de atender certos ideais estéticos que se
colocam como imperativos da cultura. De acordo com Valença (2003, p.71), “A mulher, dos
nossos dias, experiencia a sua sexualidade voltada para o corpo, obtendo o prazer no corpo
narcísico e no cultivo desse corpo, para que ele se mantenha belo e desejado, reconhecido e
valorizado na cena espetacular”.
A escolha pelo estudo do corpo está atrelada ao que se apresenta hoje no discurso
contemporâneo, pois o corpo é considerado como sendo um lugar privilegiado, onde os fatos
se inscrevem e a partir das relações estabelecidas entre os pares, subjetividades são
produzidas permeadas pelas condições históricas que as atravessam. Costa (2001) nos diz que
essa cultura somática faz do corpo espelho da alma:
O corpo se tornou a vitrine compulsória, permanentemente devassada pelo
olhar do outro anônimo, de nossos vícios e virtudes, fraquezas e forças. [...]
Hoje somos o que aparentamos ser, pois a identidade pessoal e o semblante
corporal tendem a ser uma só e mesma coisa. Quanto mais a personalidade
somática se impõe como norma do ideal do eu, mais revelamos nossa alma
ao outro, sem chances de defesa pela ocultação (COSTA, 2001, p.9).

12

O interesse pela temática do corpo grávido surgiu a partir de estudos anteriores sobre a
maternidade, a relação mãe-bebê e a leitura sempre frequente de textos do psicanalista Donald
Winnicott. Para este autor, a experiência subjetiva da maternidade se inicia desde a gestação e
está relacionada à capacidade da gestante de desenvolver uma preocupação por seu bebê a
partir de sua identificação com ele. Da formação deste vínculo inicial depende a qualidade dos
cuidados maternos, com importantes repercussões para a relação mãe-bebê e o
desenvolvimento da criança (WINNICOTT, 1956-2000).
Desta forma, a experiência da gestação e das transformações que ela traz para a
gestante torna-se de grande importância. E, a partir disso, essa questão tão emergente voltada
para o corpo, possibilitou a delimitação de um recorte para pensar sobre o corpo grávido em
meio a esses discursos contemporâneos da ditadura da beleza, da boa forma e da estética
impecável. Que lugar é dado para esse corpo transformado pelas decorrências da gestação?
Quais os impactos que o ideal estético para o corpo produz nas mulheres grávidas? Como
estas experiências ocorrem em diferentes contextos sociais?
O objetivo principal do estudo foi investigar como as gestantes vivenciam essa
experiência com o corpo grávido na contemporaneidade. Os objetivos específicos foram:
identificar como as transformações corporais decorrentes da gestação são percebidas e
vivenciadas pelas gestantes; compreender como o ideal estético para o corpo feminino
prevalente na cultura produz impactos subjetivos nas gestantes face às transformações
corporais experienciadas durante a gestação; averiguar como estas experiências ocorrem em
gestantes no contexto de famílias de baixo nível socioeconômico.
Para tanto, buscamos construir um percurso de pesquisa que permitisse inicialmente
uma investigação exploratória do tema junto a mulheres grávidas, indagando-lhes acerca de
suas experiências em relação às transformações corporais trazidas pela gravidez. Após
escutarmos seus relatos, buscamos investigar suas impressões acerca dos ideais de culto ao
corpo presentes na cultura.
O presente estudo se justifica pela relevância do tema e pela escassa literatura voltada
para a investigação do mesmo na área da psicologia. Para embasar a proposta do presente
estudo, fundamentamos a discussão do tema em dois capítulos teóricos. O segundo capítulo
remete à questão do corpo, onde abordamos de forma breve como o que entendemos hoje
sobre o corpo foi se constituindo historicamente. Em destaque, como se deu o entrelaçamento

13

entre corpo e subjetividade a partir das contribuições e discussões da psicanálise,
principalmente ancoradas nas formulações de Freud, até chegarmos aos apontamentos do
estatuto do corpo na contemporaneidade, perpassando os caminhos da psicanálise e da
cultura.
No terceiro capítulo, apresentamos os aspectos da gestação. Situando inicialmente os
trimestres da gestação e o que comumente ocorre em cada período, destacando os aspectos
psicológicos da gravidez. Em seguida, apresentamos a teoria de Winnicott sobre o
desenvolvimento da preocupação materna primária, enfatizando a importância do ambiente e
da cultura na constituição subjetiva e, por fim, fazendo a articulação da discussão em torno do
tema do corpo grávido.
O quarto capítulo descreve a metodologia que foi utilizada com o intuito de investigar
as questões que são norteadoras dessa pesquisa. Contextualiza o local da pesquisa, caracteriza
as participantes do estudo, quais foram os instrumentos utilizados para a coleta de dados,
descreve os procedimentos da pesquisa e, por fim, ancorado na análise de conteúdo,
apresentam-se as categorias elaboradas e sistematizadas para a análise e discussão dos dados
coletados.
No quinto capítulo são expostos os resultados da presente pesquisa e apresentada uma
discussão dos mesmos fundamentada nos pressupostos teóricos adotados.
Por fim, são apresentadas as considerações finais sobre o trabalho e suscitadas novas
questões endereçadas a estudos futuros.

14

2 SOBRE O CORPO
A história do corpo nos revela a transformação da concepção do corpo no emanar de
cada época. Inicialmente o corpo, assim como todo universo, era tido como uma criação de
Deus, considerado sua obra prima e, portanto, era inquestionável, intocável e impenetrável. A
cultura ocidental, desde os seus primórdios, traz a marca de uma aversão ao corpo, que
hostilizava o prazer, resquícios ainda da Antiguidade que possuía uma visão pessimista do
corpo, através de considerações médicas e da religião órfica; como por exemplo, as relações
sexuais eram consideradas prejudicais para Pitágoras, e para Hipócrates o sêmen possibilitava
ao corpo a máxima energia e precisaria ser retido sempre que possível; já a perda desse
sêmen, apressaria a morte. Durante séculos, o corpo e o que emergia dele, como as doenças,
eram tidos como incompreensíveis e enigmáticos. E foi o Cristianismo que teve profunda
influência na apreensão do corpo e na elucidação dos males que o afetavam; a peculiaridade
do Cristianismo foi de reaproveitar as disposições filosóficas seculares, conferindo-lhes uma
conotação divina sob forma de Revelação (CECCARELLI, 2011).
O Cristianismo reafirmou a separação corpo/alma-espírito, considerados polos
opostos. O espírito passou a ser visto como algo glorioso e o corpo como fonte de fraqueza
humana e dos vícios, trazendo em si a marca do pecado original. Nesta época, na cultura
ocidental, o que era considerado puro era o não sexual e, consequentemente, o impuro
correspondia a todas as maneiras de vida sexual. Com efeito, o impuro passou a ser o
corporal. O corpo torna-se instrumento do pecado, pois é por meio das tentações provenientes
do corpo que o espírito é corrompido. Assim, o corpo passou a ser visto como algo
desprezado, inferior e que deveria ser dominado pelo espírito. A penitência infligida ao corpo,
por exemplo, tinha o intuito de domá-lo e fortificá-lo para que assim outras tentações fossem
impedidas (VAINFAS1, 1992 apud CECCARELLI, 2011). Essa percepção do corpo só será
modificada muitos anos depois, com as contribuições do pensamento de Freud.
Na época do Renascimento o corpo se singulariza na sua autonomia, surgindo assim o
corpo moderno, cujas características são independentes de fatores imaginários e de forças
ocultas. Nesse contexto, o corpo também foi apropriado pelos artistas – que passaram a
representá-lo e a desenhá-lo de maneira extravagante para aquela época -, pelos educadores,
pelos ginastas, etc. Com o decorrer do tempo, de forma lenta e paulatina, o corpo perde sua

1

VAINFAS, R. Casamento, amor e desejo no ocidente cristão. São Paulo: Ática, 1992.

15

característica de ser um microcosmos onde cada órgão era tido como habitado por um planeta
e torna-se o corpo que funciona como uma máquina, o corpo cartesiano. O corpo que é
controlado na sua socialização, nos seus gestos, na sua educação a partir de uma pedagogia
corporal. Todo esse processo foi permeado por conflitos inevitáveis com a corrente que
concebia o corpo como sagrado, e que foi a responsável pelo discurso repressivo e opressivo
cujo auge se produziu na Sociedade Vitoriana do século XIX (CECCARELLI, 2011).
Ao longo do século XIX o corpo passou a ser desvelado, auscultado, dissecado,
sentido e manipulado. E, em decorrência disso, a separação entre o corpo técnico-científico e
o corpo que sente dor e prazer, começa a obscurecer; emergindo assim os primeiros
delineamentos de uma construção da dimensão imaginária do corpo. Surgem as expressões
“esquema corporal” e “imagem do corpo”, nos dando uma ideia de espaço, possibilitando os
deslocarmos no mundo externo, perfilhando os nossos limites corporais (CECCARELLI,
2011).
Para Schilder2 (1935) apud Ceccarelli (2011), o esquema corporal é a composição
constante de todas as sensações corporais que oferecem forma à sensação de corpo como algo
único e próprio ao Eu. Refere-se à imagem de como percebemos o nosso corpo. Os trabalhos
desse autor tornam-se importantes para a compreensão das dores originárias de membros
fantasmas, membros que foram amputados. Vinculados a isso, outros acontecimentos foram
possibilitando novas representações sociais do corpo, como: a emergência da sexologia, o
surgimento da anestesia, a valorização das práticas esportivas, da ginástica, a revolução
industrial e outras transformações, que demandaram a participação do corpo de forma nova
(CORBIN; COURTINE; VIGARELLO, 2005). O corpo torna-se um fato social
(CECCARELLI, 2011).
Em sua materialidade, o corpo aparece como orgânico, somático e físico. O termo
orgânico, no decorrer do tempo, é utilizado para fazer referência ao corpo como uma
máquina, um órgão. Torna-se um corpo instrumentalizado: “uma montagem de órgãos
imaginada pelo saber médico” (ASSOUN3, 1997, p.11 apud CECCARELLI, 2011, p.6). A
doença orgânica ratifica este estatuto ao corpo, em obstinação à doença funcional na qual “a
máquina”, o organismo como um todo, não está em seu perfeito funcionamento.

2
3

SCHILDER, P. L'image du corps. Paris: Gallimard, 1935 - 1980.
ASSOUN, P. L. Corps et symptôme – Tome 1: la clinique du corps. Paris: Economica, 1997.

16

Dessa forma, tem origem, aqui, toda a questão da medicalização do corpo e das
práticas que ela provoca. O sujeito passa a possuir um corpo a partir do discurso médico que
lhe é apresentado como um discurso de verdade. Contudo, esse discurso médico é falho, pois
diversas vezes surge uma dor sem causa aparente, um desfuncionamento sem explicação; e aí
emerge a expressão para designar tudo o que vai além desses elementos físicos inexplicáveis
pela medicina, os “fatores psicológicos”.
Compreendemos que cada época atribui um significado ao corpo, construindo e
descontruindo concepções. Como cada época e cada cultura se utiliza do corpo está
inerentemente atrelado aos valores e às normas do contexto a que se refere, da dinâmica
cultural de determinada sociedade. Com isso, é imprescindível para um estudo do corpo que
se leve em consideração o contexto histórico, social e cultural. É deste corpo imbuído por
esses contextos que falaremos aqui, mas antes se torna fundamental compreender como corpo
e subjetividade se entrelaçam e se constituem.
2.1 Corpo e subjetividade: contribuições da psicanálise
A rigor, não existe o sujeito e seu corpo, numa dualidade e polaridade
insuperáveis, mas um corpo-sujeito propriamente dito (BIRMAN, 2011,
p.21).

“A psicanálise instaurou em torno do corpo um discurso diferente do discurso médico”
(FERNANDES, 2011, p.127). O corpo que é dissecado pela anatomia e que tem as suas
funções descritas pela fisiologia, nada nos informa sobre o discurso que emerge de cada
sujeito, assinalando a diferença entre o corpo em geral e o corpo erógeno que sofre e que
goza. É nesse cenário, o corpo como cena dos conflitos pulsionais, que a psicanálise tem a sua
palavra a dizer, pois o corpo é, concomitantemente, origem e sede dos conflitos pulsionais.
A partir deste novo paradigma sobre o corpo, surgiram vários questionamentos e
estudos sobre, por exemplo, a representação social do corpo; como o bebê apropria-se do seu
corpo; sobre a imagem especular do corpo; da linguagem corporal sem o uso das palavras; da
conversão histérica e das subversões psicossomáticas onde por meio do corpo os conflitos de
espírito são anunciados (CECCARELLI, 2011).
A teoria freudiana possui uma abordagem própria e inovadora do corpo. A partir dos
estudos da histeria e da teoria sobre os sonhos foi desenvolvida uma complexidade conceitual
crescente que vai da pulsão ao ego corporal, sendo a alteridade um ponto chave. Foi através

17

das discussões sobre a histeria que Freud propôs a ideia de que o corpo narra o que mostra,
assim como nas imagens visuais e do discurso do sonho. Esse foi considerado o grande
movimento de transposição realizado por Freud na concepção do corpo; sendo assim, o que
surge no corpo tem agora sua origem também no psíquico. Com efeito, acreditar que o corpo
sofre apenas do que está doente nele, perde sua característica de única verdade
(FERNANDES, 2011).
Há uma distinção entre o sintoma corporal da doença somática e o sintoma corporal da
histeria: “verdadeiramente somático e desprovido de sentido em um caso, ele aparece no
outro, poderíamos dizer, enganosamente somático, pois é ligado ao recalcamento e, assim,
suscetível de desaparecer sob o efeito da interpretação” (FERNANDES, 2011, p.44). Sobre
essa diferenciação da conversão histérica e da somatização direta, Freud 4 (1991) apud
Fernandes (2011, p. 45) descreve:
Na histeria, é uma excitação psíquica que se serve de uma vida inadequada
que leva a reações somáticas. Na neurose de angústia, ao contrário, é uma
tensão física que não consegue se descarregar psiquicamente e que
permanece, por isso, no domínio físico. Os dois processos muitas vezes
aparecem combinados.

Ressaltando que ambas não escapam à dimensão subjetiva que historicizam e atribuem
sentidos ao que toca o corpo (FERNANDES, 2011). Além disso, a sexualidade aparece como
central na concepção freudiana do corpo e de sua relação com o psiquismo.
A sexualidade, a partir dos estudos freudianos sobre a histeria, é o elo
fundamental da “costura” entre corpo e psiquismo. Afinal, é possível afirmar
que o sintoma corporal na histeria tem como pano de fundo a fantasia
histérica. Trata-se de um corpo que se apresenta ao olhar do outro como uma
narrativa (MONTES, 2004, p. 19).

A peculiaridade da psicanálise está no fato de que ao superar a dimensão biológica do
corpo, ela trabalha com sua perspectiva imaginária, simbólica e real. E, com a descoberta da
outra cena, o inconsciente, a vida dupla do corpo é desvelada, o que ocasionou novas
possibilidades clínicas para a compreensão das relações eu/corpo (CECCARELLI, 2011).
A partir de uma abordagem psicanalítica do corpo por meio do texto freudiano,
podemos perceber que desde o início o corpo em Freud não se confunde com o organismo
biológico. O corpo se institui como palco onde se encontra um jogo complexo das relações
4

FREUD, S. Manuscrito E. In: ______. La naissance de la psychanalyse. Paris: PUF. 1991.

18

entre o psíquico e o somático; sendo assim, o corpo emerge como um lugar de inscrição de
ambos: o psíquico e o somático (FERNANDES, 2011).
É por meio do conceito de pulsão que essa dupla inscrição se evidencia, pois é o
conceito limite entre o somático e o psíquico; o corpo é colocado ao mesmo tempo como
fonte da pulsão e como finalidade, como um lugar ou meio de satisfação pulsional.
Fernandes (2011), pela via da teoria sobre os sonhos de Freud, afirma que a
especificidade da contribuição psicanalítica se encontra exatamente na reflexão sobre o papel
do inconsciente nessa relação, o corpo e o inconsciente. Freud, em seu texto “Suplemento
Metapsicológico à Teoria dos Sonhos” (1917) nos fala de um ponto interessante sobre a
capacidade diagnóstica do sonho. Ele nos diz que “nos sonhos, a doença física incipiente é
com frequência detectada mais cedo e mais claramente do que na vida de vigília” (FREUD,
1917, p. 230). Destacando que nos sonhos todas as sensações costumeiras do corpo assumem
proporções gigantescas, afirmando que essa amplificação das sensações é de natureza
hipocondríaca e depende da remoção de todos os investimentos psíquicos do mundo externo
para o ego, com efeito, torna possível o reconhecimento precoce das alterações corporais que,
na vida de vigília, continuariam inobservadas ainda por determinado tempo. Fernandes (2011,
p.56) afirma:
Esta formulação supõe que o sono, pela sua própria regressão, é o que
permite este olhar do sonho sobre o interior do corpo. O estado de sono, e
certamente o sonho, são aqui os instrumentos de uma abordagem que parece
permitir uma compreensão metapsicológica do modo de relação do
inconsciente com o corpo.

Mas Freud investiga e chama atenção em seu trabalho para as fontes psíquicas dos
sonhos, as excitações psíquicas, afirmando que apenas a teoria somática não dá conta de
explicar as imagens que são evocadas nos sonhos e questiona os autores “segundo que regras
os estímulos orgânicos se transformam em imagens de sonhos” (FREUD, 1900, p.59). Freud
aborda essa questão no texto sobre o trabalho do sonho, dando ênfase para a maneira como se
formam as imagens do sonho, sejam elas desencadeadas por estímulos somáticos ou
psíquicos. E chega à conclusão de que o sonho pensa sobretudo por imagens visuais, podendo
dizer que o sonho se encontra assim dividido entre alucinação e percepção. Fernandes (2011,
p.62), sobre o trabalho do sonho a partir de Freud, nos diz:
O trabalho do sonho permite-nos, então dar unidade à diversidade dos
materiais que o constituem. Mas o sonho é também uma reação, no sentido

19

em que visa a neutralizar ou transformar a influência desses materiais
originários. Neutralizá-los para preservar o sono, e transformá-los para
ocultar o desejo.

Sobre os estímulos somáticos na formação dos sonhos, Freud elenca três tipos: os
estímulos que tocam o corpo do sonhador durante o sono; as excitações dos órgãos dos
sentidos, como os ruídos que o sonhador escutasse durante o sono; e os estímulos somáticos
provenientes do interior do organismo. Destacando que esses estímulos fazem parte de um
mesmo título de restos diurnos, e que ainda que façam parte da formação do sonho, se
prestam à expressão deformada de um desejo inconsciente, portanto submetido também à
censura (FERNANDES, 2011).
Em 1917, de forma precisa e reminiscente, Freud interessa-se apenas pelo terceiro tipo
de fonte, que são os estímulos somáticos derivados do interior do organismo, pelas
transformações corporais ainda não percebidas no estado de vigília. E relata que a
intensificação destas modificações corporais no sonho é de natureza hipocondríaca.
Ressaltando que, naquela época, século XIX, a hipocondria era vista como uma espécie de
sensibilidade que privilegiava o acesso às sensações corpóreas. Freud em 1917 nos fala que
um sonho nos mostra que se produziu algo que desejaria perturbar o sono, e ele nos permite
compreender a forma como nos defendemos dessa perturbação. Neste texto, Freud afirma que
“Um sonho é, portanto, entre outras coisas, uma projeção: uma externalização de um processo
interno” (FREUD, 1917, p. 230).
Tendo em vista o que foi apresentado acima, podemos dizer que é a partir dessas
considerações sobre a histeria e os sonhos, que Freud afirma o papel do corpo como lugar de
inscrição do psíquico e do somático, distanciando-se de uma concepção do corpo como única
fonte causal do distúrbio psíquico, dentro de uma hegemonia fisiológica daquela época.
Assoun5 (1993) apud Fernandes (2011, p.100-101) faz uma exploração do campo
semântico sobre o corpo na obra de Freud e distingue a multiplicidade de termos com que o
autor se manifesta sobre o tema:
Por um lado, Freud empregava diversos termos, seguindo para tanto o uso
semântico: assim, corpo remete, em alemão a uma distinção que o uso
francês do termo encobre, o Corpo é, com efeito, Körper, o corpo real,
objeto material e visível que ocupa um espaço e pode ser designado por uma
5

ASSOUN, P. L. Le Corps: l’autre métapsychologique. In: Introduction à la métapsychologie
freudiane. Paris: PUF, 1993.

20

certa coesão anatômica. Mas é também Leib, ou seja, o corpo tomado em seu
enraizamento, em sua própria substância viva, o que não pode passar sem
uma conotação metafísica: não é apenas um corpo, mas o Corpo, princípio
de vida e individuação. Por fim, o corpo nos remete ao registro do somático
(somatisches), adjetivo que, justamente, nos permite evitar os efeitos dos
dois outros substantivos ao descrever processos determinados que se
organizam segundo uma racionalidade ela própria determinável. Tal é o
leque revelador de registros, que vai dos processos somáticos à
corporalidade, passando pela referência ao corpo.

É a partir de alguns elementos teóricos na obra freudiana que podemos encontrar os
ecos desses diferentes registros. Como já citado, um conceito importante é o de pulsão. Freud
(1915) no texto “Os Instintos e suas Vicissitudes” define instinto/pulsão “como um conceito
limite entre o psíquico e o somático”, tendo sua origem no interior do organismo, agindo
como uma força constante à qual não podemos escapar, e que exerce uma pressão, possui
finalidade, um objeto e uma fonte. A finalidade da pulsão seria a satisfação, e seu objeto,
aquilo no que e por meio do que a satisfação pode se realizar. Por fonte da pulsão Freud
(1915, p.128-129) relata como:
O processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo
estímulo é representado na vida mental por um instinto. Não sabemos se esse
processo é invariavelmente de natureza química ou se pode também
corresponder à liberação de outras forças, por exemplo, forças mecânicas.

Freud ressalta que para a psicanálise, interessa os destinos das pulsões (a finalidade),
enquanto a fonte da pulsão interessa apenas à biologia. Nesse sentido, “o que interessa são os
destinos que o aparelho psíquico vai dar a tudo aquilo que toca o corpo” (FERNANDES,
2011, p.103).
Freud no seu artigo “O inconsciente” destaca que apenas a representação e o afeto
podem nos dar acesso à pulsão. Starobinski6 (1980) apud Fernandes (2011, p. 104), diz que:
O que Freud traz à luz é a ideia de um sistema de representações que se
interligam, criando um percurso que pode se repetir em uma circularidade
virtualmente infinita: do corpo como fonte da pulsão ao corpo como sua
finalidade, lugar ou meio de satisfação.

Deste modo, para Freud (1915, p.127), a pulsão seria “[...] o representante psíquico
dos estímulos que se originam dentro do organismo e alcançam a mente, como uma medida

6

STAROBINSKI, J. Brève histoire de la conscience du corps. Revue Française de Psychanalyse,
v.45, n.2, p. 261-279, 1980.

21

da exigência feita à mente no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o
corpo”.
Com efeito, o corpo aparece, deste modo, habitado pelas pulsões. O corpo seria antes
de tudo pulsional. Sobre isso, Fernandes (2011, p.105) salienta que:
[...] o que é enfatizado é essa característica da pulsão como representante
psíquico das excitações que tem lugar no interior do corpo. Essa ligação do
psíquico com o corporal, essa incontornável corporeidade do sujeito, exige
trabalho – trabalho psíquico – para conseguir lidar com as excitações que
provêm do interior de si mesmo.

Aqui, se faz importante introduzir o conceito de um corpo narcísico. Freud em “Sobre
o Narcisismo: Uma introdução” (1914) atribui ao corpo inteiro a erogeneidade que antes
estava relacionada apenas às zonas erógenas no contexto da sexualidade infantil autoerótica,
em seu trabalho “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905). Dessa forma, supõe-se
uma passagem do corpo autoerótico ao corpo narcísico, tornando-se um corpo erógeno. A
introdução do conceito de narcisismo está relacionada diretamente à questão do corpo na
psicanálise, pois o sujeito toma seu próprio corpo como objeto de amor. E é a partir daí que
nasce um dos enunciados mais importantes no tocante a função do corpo em Freud (1923, p.
39): “O ego é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não é simplesmente uma entidade
de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície”. Nesse sentido, é ao ego –
polo do aparelho psíquico voltado para a realidade e a percepção – que o corpo se vê
associado e não ao id, o polo pulsional do aparelho psíquico. Dessa forma, o ego como sendo
a projeção de uma superfície, nos envia a superfície que seria o corpo. É perceptível que
encontramos nas manifestações objetivas do corpo biológico as ressonâncias desse outro
corpo, portador de diversos significados e sentidos em função de um cenário fantasmático que
é próprio de cada um; e é justamente isso que faz do corpo biológico um corpo-linguagem,
acessível à abordagem psicanalítica (FERNANDES, 2011).
Para que o Eu se constitua, ele carece ser avisado, justamente pelo corpo, dos limites e
das referências que assinalam suas fronteiras. Uma falha no estabelecimento dos limites
corporais pode ocasionar organizações psíquicas instáveis como, por exemplo, é o caso da
representação do corpo na neurose, especialmente na histeria, e mais radicalmente na clínica
das psicoses, onde a imagem do corpo está ausente ou, quando presente, é de difícil
consistência e invariavelmente ameaçada (CECCARELLI, 2011).

22

Como já referido, Freud pôs em evidência a relação entre corpo e identidade a partir
do momento em que foi introduzido o conceito de narcisismo, pois quando ele diz que o ego é
corporal, assinala-o também como narcísico. Somente o registro do narcisismo pode sustentar
a unidade ideal do sujeito, identificando o corpo com o si mesmo. O investimento libidinal do
ego é situado na mesma série que os investimentos de objeto e acentua a natureza libidinal da
pulsão de autoconservação. Assim, o narcisismo acentua um funcionamento a favor de uma
abordagem do corpo como corpo próprio (FERNANDES, 2011).
O corpo em Freud perpassa alguns caminhos relacionados ao desenvolvimento da
libido: o corpo histérico (da representação), o autoerotismo, o narcisismo e o amor objetal. No
princípio tratava-se de um corpo fragmentando, autoerótico e, foi com a entrada do conceito
de narcisismo que as pulsões sexuais que até então trabalhavam autoeroticamente vieram a se
reunir em uma unidade, unidade esta que “é antes de tudo o si mesmo, o próprio corpo”
(FERNANDES, 2011, p.116).
Assoun7 (1993) apud Fernandes (2011, p.116), sobre a afirmação de Freud do ego
corporal, diz o seguinte:
[...] precisamos entender mais ou menos o seguinte: o ego e o corpo são
estruturados segundo a lógica homóloga das superfícies. Isso não significa
dizer que o Ego é análogo ao Corpo, mas que a emergência da subjetividade
se faz segundo essa lógica corpórea da projeção. O corpo é, portanto, o
próprio, a primeira pessoa.

Com efeito, essa ressalva nos convida a pensar sobre a maneira como esse corpo se
torna um corpo próprio, como se viabiliza o acesso à primeira pessoa?
Sobre isso, Freud nos fala da dor, que através dela podemos compreender e adquirir
um novo conhecimento de nossos órgãos por ocasião de doenças dolorosas, pois “sentir dor
informaria ao corpo sobre existência de um corpo constituído de órgãos, tornando-lhe possível
a representação interna do próprio corpo” (FERNANDES, 2011, p.111). E a transferência
dessa dor do corpo para o domínio anímico, como diz Freud, está relacionada à direção do
investimento libidinal. A passagem da dor do corpo à dor da alma corresponde à mudança do
investimento narcísico para o investimento de objeto. É nesse contexto, da metapsicologia da

7

ASSOUN, P. L. Le Corps: l’autre métapsychologique. In: Introduction à la métapsychologie
freudiane. Paris: PUF, 1993.

23

dor, que Freud coloca o outro, ou melhor, a sua ausência, na origem da dor, ausência que ele
qualifica de situação traumática (FERNANDES, 2006).
É nessa conjuntura que desemboca o princípio da alteridade, pois em toda origem da
experiência humana encontra-se ali o outro. E é esse princípio que é constitutivo do corpo em
Freud.
A constituição do ego corporal mediada pelo outro se inicia antes do nascimento. A
notícia da chegada de uma criança necessita uma reorganização no universo de quem vai
recebê-la no mundo para mediar a realidade externa e, sobretudo a psíquica, à criança que está
por vir: "a relação mãe-bebê não espera o nascimento para existir" (AULAGNIER8, 1963,
p.269 apud CECCARELLI, 2011, p. 10). A mãe investe no bebê através do corpo desde antes
seu nascimento e é nele que a mãe vai permanecer investindo, conferindo-lhe características,
dando-lhe um nome, ancorando-o assim numa história. Este corpo será suporte identificatório
para o pequeno sujeito. Dessa forma, a criança já nasce inserida numa representação psíquica
que os pais instituem antes do nascimento, possuindo um corpo unificado acrescido dos
atributos necessários: um "corpo imaginado" objeto por excelência de projeções por parte dos
pais para concretizar desejos e, simultaneamente, curar feridas narcísicas (FREUD, 1914). A
criança vem ocupar um lugar já concebido anteriormente e isto está atrelado à subjetividade
de um outro que a desejou ou não. O que existe é o imaginário materno e a possibilidade ou
não de um corpo unitário e investido ser imaginado para, assim, dar suporte ao infans
(MONTES, 2004).
A partir do momento da chegada do bebê ao mundo, ele necessita do cuidado do outro
devido à sua prematuridade. A mãe ou um substituto desta é quem vai fornecer ao bebê, de
forma mediada, uma leitura do mundo que lhe chega através dos toques, paladar, sons,
imagens, etc. O bebê encontra-se em um estado de dependência absoluta da mãe, é a mãe
quem vai garantir uma satisfação adequada das suas necessidades, pois o bebê por si só seria
impotente para fazer cessar a tensão interna que sente. É importante destacar nessa relação
primordial mãe-bebê que, no início, a ausência da mãe não é concebida como a ausência de
um objeto, pois esta ainda não é um objeto para ele. O que está em questão é que existe
apenas a necessidade e, com efeito, a ausência da mãe coloca o bebê em uma situação de

8

AULAGNIER, P. Remarques sur la structure psychotique. In: Un interprète en quête de sens.
Paris: Payot, 1963 - 1991.

24

perigo, na qual o que é experimentado por ele em decorrência dessa ausência será qualificado
por Freud como dor (FERNANDES, 2006).
É, principalmente, por meio dos que acolhem a criança no mundo e,
consequentemente, de suas psicossexualidades, através de movimentos de investimentos e de
contra-investimentos, que a criança terá conhecimento de seu corpo, possibilitando-a construir
uma representação psíquica libidinalmente investida desse corpo, até mesmo de suas funções
somáticas. Concomitantemente, para que o bebê habite o seu corpo e o perceba como fonte de
distintas sensações é imprescindível que aqueles que fazem essa mediação se reconheçam
detentores de um corpo erógeno, com as possibilidades e as limitações que lhe são próprias
(CECCARELLI, 2011).
Lacan (1998) desenvolve sobre essa abordagem do ego e do corpo em seu famoso
ensaio sobre o estágio do espelho, considerando a assunção da imagem especular como
fundadora da instância do ego. Winnicott também explora esse tema de forma correlacionada
sobre imagem, corpo e identidade, onde o surgimento do sentimento de identidade é contínuo
ao reconhecimento de si no rosto da mãe. Winnicott nos fala que não existe um bebê sem a
mãe, ou um substituto desta, pois o bebê encontra-se desde o primeiro momento de vida em
uma dependência absoluta, sendo a mãe quem garante a satisfação das suas necessidades
(WINNICOTT, 1956; 1960).
Freud em “Inibições, sintomas e ansiedade” (1926, p. 144), diz que o bebê para
sobreviver tem necessidade do outro maternal:
Na primeira infância o indivíduo realmente não está preparado para dominar
psiquicamente as grandes somas de excitação que o alcançam quer de fora,
quer de dentro. Além disso, num certo período de vida, seu interesse mais
importante realmente é que as pessoas das quais ele depende não devem
retirar seu carinho dele.

Birman (1998, p.18) sobre isso escreve:
Considerando agora esse princípio de alteridade de base e a presença
originária do Outro, podemos afirmar também que o conceito de um ego
corporal enquanto projeção de uma superfície nos remete, portanto, à
experiência da transformação das forças pulsionais a partir do Outro. Com
efeito, o Outro é o lugar originário por onde as forças pulsionais fazem uma
passagem obrigatória, um desvio indispensável antes que possam retornar ao
organismo da criança [...] É nesse sentido, nos parece, que Freud falava do
ego enquanto um ego corporal antes de tudo, afirmando, além disso, que ele

25

era a projeção de uma superfície. Essa projeção nos remete à maneira como
o Outro administra as excitações pulsionais.

“Nesse sentido, seja em relação a ego corporal como projeção de uma superfície ou
em relação à força pulsional, o outro estaria sempre na origem da constituição do sujeito
psíquico” (FERNANDES, 2011, p.119). Enlaçando o que foi apontando até aqui, Fernandes
(2011, p.122-123) diz:
A constituição do autoerotismo supõe originalmente a existência de um
objeto maternal que assegurou a satisfação das primeiras necessidades; o
autoerotismo vem apenas em resposta à perda desse objeto. Então, pode-se
afirmar que o outro é o polo investidor que vai transformar o corpo biológico
em um corpo erógeno. Esse outro seria a condição para que o corpo se torne
um corpo próprio, habitado pela linguagem. Isso equivale a dizer que é o
investimento libidinal no corpo da criança, realizado por esse outro maternal,
que, ao torná-lo erógeno, permite-lhe o acesso à simbolização. Seria,
portanto, a erogeneidade aquilo que aponta ao corpo sua qualidade de corpo
próprio.

E, como noz diz Ceccarelli (2011), o Eu é formado assim a partir de outros “Eus” que
foram significativos no percurso dos movimentos identificatórios do sujeito. E ressalta que
entre os subsídios contidos nas identificações encontra-se o sistema de valores e os ideais da
cultura na qual o sujeito encontra-se ancorado. “É por isso que mudanças socioculturais
podem afetar as referências simbólicas do sujeito podem provocar desorganizações
identitárias que repercutem no corpo” (LINDENMEYER; CECCARELLI 9, 2006 apud
CECCARELLI, 2011, p. 8). Sendo assim, “a imagem que construímos do nosso corpo é
tributária do olhar de quem nos deu vida psíquica: a imagem do corpo, aspecto fundamental
da construção identitária, é marcada pelo olhar do Outro” (CECCARELLI, 2011, p. 8).
Esse percurso teórico realizado até aqui permite-nos visualizar e compreender os
caminhos da construção do corpo psicanalítico, que nos aponta um corpo que vai sendo
construído à custa de um laborioso trabalho que resulta do encontro essencial com o outro,
dos riscos do confronto entre a alteridade e a ausência; e de como nos constituímos
subjetivamente ancorados na cultura.
.2.2 Considerações sobre o corpo na atualidade

9

LINDENMEYER, C.; CECCARELLI, P. R. Traumatisme et sexualité. In: Recherches em
Psychanalyse. Paris, v.5, p.111-118, 2006.

26

No período considerado como “pós-modernidade”, a partir de diversas leituras,
estudos e através da mídia, pode-se perceber que temos uma nova e radical mudança nos
modos como nos relacionamos com nossos corpos e com tudo o que é proveniente dele,
havendo um remodelamento da forma de perceber o corpo, principalmente o corpo da mulher
que engendra simultaneamente numa nova representação do feminino.
O corpo aparece aqui como tema central nas discussões contemporâneas. As alterações
dos corpos variam de acordo com a cultura em que estão inseridos. Buscas por praticar
exercícios e possuir uma boa alimentação são frutos da exacerbação do corpo proveniente, em
especial, a partir da década de 80. O corpo não mais é visto sob o olhar puramente orgânico
(BARRETO, 2009).
Foucault (1984) nos apontou como o corpo se tornou objeto de uma das mais fortes
regulações sociais. O corpo nunca foi tão penetrado, auscultado, examinado não só pelas
novas tecnologias médicas, como pelas mutações do olhar, também delas decorrentes.
A valorização excessiva da estética do corpo parece atingir de forma especial as
mulheres. Para Del Priore (2009), a mulher continua submissa, não mais às múltiplas
gestações, mas à tríade da perfeição física. Segundo a autora:
A imagem corporal da mulher brasileira está longe de desembaraçar-se de
esquemas tradicionais, ficando longe, portanto, da propalada liberação dos
anos 70. Mais do que nunca a mulher sofre prescrições. Agora não mais do
marido, do padre ou do médico, mas do discurso jornalístico e publicitário
(DEL PRIORE, 2009, p.15).

Em uma sociedade regida pelas normas do consumo e do culto ao corpo, o corpo não
pode deixar de ser afetado. Nesse sentido, o corpo e sua imagem ocupam um lugar central na
vida do homem contemporâneo, na relação com o mundo e com seus pares. Em decorrência, o
corpo é visto como espetáculo, que nos faz indagar “meu corpo será sempre meu corpo?”
(NOVAES, 2010).
O corpo como objeto de consumo, erotizado ao extremo, explorado pela mídia,
exposto à exaustão; o corpo que é imposto com a ditadura da beleza, sem falha e que não
envelhece; esses discursos contemporâneos que insistentemente moldam nossos corpos a
padrões de beleza historicamente e culturalmente estabelecidos levaram a uma nova maneira
de se apreender o corpo.

27

No fim do século XX, ao lado da prática da cirurgia estética e das operações de
modificação corporal para mudança de sexo, os enxertos tornam-se possíveis através das
cirurgias, próteses estéticas e mecânicas, implantes, etc.; bem como tudo o que for de acordo
com o desejo dos indivíduos de transformarem seus corpos. Diversos tipos de intervenção
estão à disposição daqueles que querem modificar o corpo, eliminando os traços de
animalidade ou finitude, como as rugas, flacidez, varizes, celulite, entre outros. “Isso que
podemos chamar de uma ‘indústria da beleza’, garante a transformação do corpo, modelandoo de acordo com a necessidade da ocasião, geralmente sem muito esforço por parte do
cliente” (ISELE, 2011, p. 37).
É certo que a preocupação com a saúde e a beleza permeava a maioria das culturas da
civilização ocidental, ou seja, recursos e cuidados prodigados ao corpo para cultivar a sua
energia, remodelar a sua estética, retardar o seu envelhecimento e ainda, preservá-lo após a
morte, sempre existiram em quase todas as civilizações (CORBIN; COURTINE;
VIGARELLO, 2006). Mas, a mistura de ansiedade e de admiração, de moralismo e de
hedonismo com as quais abordamos o nosso corpo pelo meio de dietas rigorosas, cremes
milagrosos, body-building, cirurgia plástica, remodelagem corporal, lipoaspiração, tatuagem,
piercing, entre outras, é peculiar a nossa época que proporciona os meios científicos para isso.
Entrementes, a sociedade tecnocrata atual, ao investir no corpo, lhe deu destaque e
elevou-o à categoria de produto consumível. Com a indústria da beleza e a lógica do mercado
dominando a vida cotidiana, os apelos e as tentações são diversos que nos impulsionam para o
alcance de um corpo ideal ou para além da perfeição. Assim, o corpo passou a ser um objeto
de cobiça, afinal, o corpo magro, malhado, escultural, tornou-se o corpo da moda, o corpo
padrão e aqueles que não possuem o corpo nestes padrões são marginalizados por não se
adequarem; há uma crença de que todos possuem um corpo que deve ser cuidado e
padronizado. Para Freire (1991, p. 58):
Muitas pessoas sofrem diante desse corpo idealizado, dessa ressignificação
da imagem corporal e, por meio de alternativas como a plástica, o uso de
anabolizantes, o vício incontrolável da prática de atividades físicas, entre
outras práticas, buscam o corpo escultural. O corpo na atualidade está em
destaque em nome da qualidade de vida e da saúde, da boa forma e da
juventude, com isso houve uma mudança paradigmática no modo de pensálo diante da globalização e das transformações da sociedade moderna: a
visão do corpo como mercadoria - o corpo - perfeito e em forma – dá origem
a uma nova identidade corporal. Esse tem sido um forte estímulo à
individualidade e ao pensamento egoísta, que de certo modo afasta a relação
com o próximo e, muitas vezes - sem generalizações, mas observando isso

28

como uma tendência - estabelece no outro um referencial de comparação e
competição, em detrimento de outras dimensões humanas.

Nessa perspectiva todos esses apontamentos nos incitam a refletir sobre algumas
questões: Qual é o limite do nosso corpo? Que fronteiras são delimitadas entre o corpo
original e o possivelmente construído? Ou, ainda, é necessário que para isso haja uma
delimitação? Como o sujeito se apropria e se produz subjetivamente frente a tantas
intervenções no real do corpo?
É nesse viés que Isele (2011) nos fala do surgimento de um novo paradigma, o do
corpo pós-orgânico. O incremento de novas técnicas de cirurgia plástica e essa revolução
estética possui uma relação próxima para o surgimento deste novo paradigma, pois a partir do
momento em que a tecnologia viabiliza que possamos substituir partes do corpo por outras –
feitas de materiais inorgânicos – e assim, colocá-las e tirá-las quando desejarmos; ficamos
aptos à construção de um novo corpo sempre que for demandado pela cultura vigente.
Sibilia 10 (2002 apud SANTAELLA, 2007) aborda essa discussão em seu livro ‘O
homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais’ e nos diz:
“O corpo humano, em sua antiga configuração biológica, estaria se tornando
obsoleto. Intimidados pelas pressões de um meio ambiente amalgamado com
o artifício, os corpos contemporâneos não conseguem fugir das tiranias (e
das delícias) do upgrade. Um novo imperativo é internalizado, num jogo
espiralado que mistura prazeres, saberes e poderes: o desejo de atingir a
compatibilidade total com o tecnocosmos digitalizado. Para efetivar tal
sonho é necessário recorrer à atualização tecnológica permanente: impõemse, assim, os rituais do auto-upgrade cotidiano” (SIBILIA, 2002, p. 13 apud
SANTAELLA, 2007, p.131).

Ceccarelli (2011, p.5) nos diz que “o que se depreende de tudo isto é que os destinos
do corpo são tributários do imaginário sócio-histórico que determinará a realidade afetiva e a
vivência corporal do sujeito e, por extensão, a da cultura”. Todas essas questões tangem ao
que abordamos no presente estudo sobre o corpo grávido. Tornam-se fundamentais para
compreendermos como as gestantes vivenciam suas experiências com seus corpos grávidos
levando em consideração que elas encontram-se ancoradas nessa cultura do culto ao corpo.

10

SIBILIA, P. O homem pós-orgânico: Corpo, subjetividade e tecnologias digitais. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 2002.

29

3 VIVÊNCIAS DA GESTAÇÃO
A gravidez se constitui numa complexa experiência envolvendo transformações
corporais associadas com mudanças afetivas e indenitárias vinculadas ao relacionamento com
o bebê e com a futura maternidade. Compreender os aspectos que circundam a experiência da
gestação é fundamental para podermos acompanhar os processos que vão se desenvolvendo
na gestante em cada etapa, levando em consideração que esses aspectos estão intrinsecamente
relacionados a sua história de vida, assim como ao seu contexto social e cultural. Vamos
abordar aqui as principais características da gestação, privilegiando as experiências afetivas
da gestante diante das mudanças vivenciadas. Para isso, serão referidos autores que buscam
compreender os aspectos psicológicos da gravidez, ancorados especialmente na psicanalise.
De acordo com Brazelton e Cramer (2002), a gravidez proporciona às mães uma
oportunidade de elaborarem velhos conflitos de separação, agenciando uma nova fase em seu
processo de se desprender das relações simbióticas originais. Nesse sentido, esse período de
gestação reflete toda a vida da gestante anterior à concepção, sua experiência do triângulo
edipiano, suas vivências com os próprios pais, as adaptações necessárias com maior ou menor
sucesso a essa ocasião e, enfim, a separar-se dos seus pais. Todos esses fatores influenciam
em sua adaptação ao novo papel. Portanto, a gravidez constitui-se também em uma etapa em
que velhos relacionamentos podem ser retrabalhados, podendo ser concebida como um
momento de confronto constante entre a satisfação de desejos e o reconhecimento da
realidade.
Maldonado (1985) nos fala da gravidez como uma transição do processo normal de
desenvolvimento, envolvendo a necessidade de reajustamento e reestruturação em múltiplas
dimensões. E define que, em primeiro lugar, constata-se uma mudança de identidade e uma
nova definição de papéis, pois “a mulher passa a se olhar e a ser olhada de uma maneira
diferente” (MALDONADO, 1985, p.22). No caso das mães de primeira viagem, a gestante
além de filha e mulher, passa a ser mãe. Dessa forma, representa para a gestante a
possibilidade de atingir novos níveis de amadurecimento e integração. A autora destaca,
ainda, que uma relação saudável entre a mãe e o bebê está relacionada à capacidade da mãe
em perceber e satisfazer adequadamente as necessidades do bebê.
A gestação é geralmente considerada um período privilegiado e complexo na vida de
uma mulher. De acordo com Neves, Jesus e Figueiras (2009, p.199) “Esse privilégio, o de dar

30

a vida, levá-la em si, de sentir evoluir, faz-se acompanhar de uma carga que, embora não
possa ser medida por balanças, possui o peso dos sentidos múltiplos e contraditórios que
teceram a história da família e chegam, finalmente, ao nascimento da criança”.
Destacamos que todo esse processo de mudança de papel, identidade e de constituição
subjetiva também corresponde como uma transição no desenvolvimento emocional do
homem, a paternidade. Maldonado (1985) destaca que a experiência do nascimento de um
filho é familiar, não restringe-se apenas à mãe. O marido-pai participa ativamente, seja com o
papel protetor ou até do cuidado compartilhado com a mãe em relação ao bebê, vivenciando
junto com a mulher as expectativas desse momento e elaborando dentro de si sua relação com
o bebê. Maldonado (1985, p.25) diz: “As atitudes do marido em relação à mulher grávida
contribuem imensamente para sua aceitação ou rejeição da gravidez, para a maneira como vai
vivenciar uma série de outras modificações como, por exemplo, as alterações do esquema
corporal”.
A maternidade e a paternidade são momentos existenciais importantes que podem
proporcionar à mulher e ao homem a oportunidade de atingirem níveis novos de
desenvolvimento da personalidade e de integração, pois é durante a gestação que se tem início
a formação do vínculo pais-bebê e a possibilidade de uma reestruturação da rede familiar
(MALDONADO, 1985; SOIFER, 1980).
Maldonado (1985) descreve em seu livro uma caracterização dos aspectos
psicológicos de cada um dos três trimestres da gravidez. A autora diz que a percepção da
gravidez pode acontecer mesmo antes da confirmação através do exame clínico, quando a
mulher capta as transformações bioquímicas e corporais que sinalizam a gravidez e muitas
vezes expressam esta percepção por meio de intuições ou sonhos. No entanto, há aquelas que
somente no quarto ou quinto mês descobrem a gravidez, muitas vezes porque negam a
existência das transformações decorrentes da gestação ou porque não tem sintonia com o
próprio corpo, ou também por possíveis sangramentos eventuais que ocorrem no primeiro
trimestre que são confundidos com menstruação.
Soifer (1980) aborda o tema da gestação destacando as ansiedades específicas da
gravidez, agrupando da seguinte forma: no começo da gestação, durante a formação da
placenta (2º e 3º mês), ante a percepção dos movimentos fetais (3 meses e meio), pela
instalação franca dos movimentos (5 meses), pela versão interna que leva a criança a colocar-

31

se de cabeça para baixo, à entrada do canal do parto (de 6 meses e meio em diante), no início
do 9º mês e nos últimos dias antes do parto. Para descrever essas características no decorrer
do processo de gestação, vamos considerar a seguir o período gestacional divido por
trimestres.
3.1 O primeiro trimestre de gestação
Maldonado (1985) relata que é a partir do momento da percepção que se inicia a
vivência básica da gravidez manifestando-se nas mais variadas formas no percorrer dos três
trimestres da gestação, que é a ambivalência afetiva, onde há sempre uma oscilação entre
desejar e não desejar aquele bebê. A autora nos diz que esse fenômeno é absolutamente
natural, que faz parte dessa complexidade de vivências e das relações que são construídas ao
longo da vida, relações essas que são capazes de abarcar a coexistência dos mais diversos
sentimentos.
A forma como cada gestante, companheiro, familiares lida com essa descoberta
depende de fatores que rodeiam a situação, se foi uma gravidez planejada, se é uma gestação
de gêmeos, se é uma gestação esperada há muito tempo, se é uma gestação precedida de
episódios anteriores de aborto, se é uma gravidez que ocorre fora de vínculo aceito
socialmente, etc (MALDONADO, 1985; SOIFER, 1980).
Nos três primeiros meses de gestação as alterações corporais são discretas e o feto
ainda não é concretamente sentido. Pode existir o sentimento de dúvida entre estar ou não
grávida, fantasias de aborto e possíveis casos de tentativas de provocá-lo; por vezes, é
possível que o desejo de abortar seja mascarado por um mecanismo de formação reativa
expresso, por exemplo, pela cautela exageradas e a autoproteção, onde as mulheres restringem
de forma severa várias atividades, como as relações sexuais para que o feto não seja
prejudicado (MALDONADO, 1985). As manifestações mais comuns no início são a
hipersonia, as náuseas e os vômitos, os desejos e as aversões por alimentos e bebidas,
aumento de apetite, aumento da sensibilidade, oscilações de humor. Estas duas últimas
continuam durante toda a gestação, estando relacionadas a adaptação necessária a uma nova
realidade de vida, novas responsabilidades, novas tarefas, descobertas, aprendizagens e a
possíveis renúncias de coisas diversas que antes da gravidez eram realizadas. Nesse período a
mulher fica mais vulnerável a alguns estímulos externos que antes não a afetavam, oscila

32

entre se sentir mais irritável e sensível, ri e chora mais facilmente (MALDONADO, 1985;
SOIFER, 1980).
É importante destacar que a oscilação de sentimentos que se instaura desde o início da
gestação apresenta um aspecto peculiar, pois a reação que a gestante apresenta no início da
gravidez nem sempre perdura durante toda a fase de gestação. Entende-se assim, que no
decorrer do processo da gestação sentimentos e atitudes de rejeição possam dar lugar a
aceitação, ou vice-versa.
Para Szejer e Sterwart (1997) nos primeiros meses da gestação as mudanças são
vividas de formas distintas entre as gestantes: as repugnâncias, as tensões mamárias, gostos e
cheiros apreendidos de maneira diferentes que podem ser mais ou menos acentuados. E o que
constitui essas características tão peculiares desse momento está intrinsecamente relacionado
a dois aspectos: a história da gestante com seu corpo e a sua relação com o corpo da sua
própria mãe; histórias paralelas que podem se encontrar e se entrelaçar na vida subjetiva da
gestante. O corpo se modifica fisicamente, hábitos alimentares são modificados
(abundantemente, por dois, ou, ao contrário, muito pouco, menos do que habitualmente, para
evitar engordar), a maneira de se vestir (como grávida ou não), a postura corporal (a barriga
empinada, ou, ao contrário, levemente curvada sobre si mesma, como que para dissimulá-la),
todos estes comportamentos são expressivos durante a gestação, apontando o lugar que a
gravidez representa na vida da mulher, podendo também ser compreendidos como um modo
de perceber (ou não) que lugar está sendo constituído para aquele bebê a partir de então.
3.2 O segundo trimestre de gestação
No segundo trimestre de gestação, a gestante passa a sentir o feto como uma realidade
concreta dentro de si a partir dos movimentos fetais, os quais proporcionam esse impacto de
realidade e essa relação mais íntima com o bebê. Esse trimestre é geralmente o mais estável
em relação ao estado emocional da gestante. É comum nesse período a ambivalência com
relação aos movimentos fetais, podendo significar alívio pelo fato de poder sentir os
movimentos e, assim, saber que o bebê está vivo, ou gerar ansiedade quando os movimentos
ainda não são percebidos, produzindo o medo de que algo esteja errado com o bebê. Embora
possam surgir desde o início da gravidez, as alterações do desejo e do desempenho sexual
tendem a aparecer com maior intensidade nesse trimestre, bem como a introversão e a

33

passividade sendo consideradas características mais peculiares da gestação (MALDONADO,
1985).
Soifer (1980) relata que nesse período a ansiedade surge de forma consciente de várias
maneiras como, por exemplo, o temor ao filho disforme, o receio de morrer no parto ou a
angústia do próprio corpo disforme e o medo de que permaneça assim. A autora destaca
também que um aspecto importante que é a causa de muitas depressões e de fantasias
ciumentas com relação ao marido e o medo que ele se afaste numa possível relação
extraconjugal, é o sentimento de fealdade. A diminuição da libido sexual, comum nesse
período, também dá ensejo a tais fantasias.
É nesse trimestre também que a gestante vivencia de forma mais acentuada as
modificações corporais. De acordo com Maldonado (1985), a forma como a mulher percebe
essas alterações do esquema corporal está ligada com as alterações da sexualidade e depende
tanto do modo como ela mesma vivencia esse momento assim como da atitude do
companheiro. Relata que existem divergentes tipos de reação, como, por exemplo, a sensação
de estar desabrochando como mulher sentindo assim orgulho do corpo grávido,
principalmente quando esta nova aparência é também compartilhada pelo companheiro de
forma positiva. Ou quando há a sensação contrária, onde as alterações do esquema corporal
são vividas como deformações, “a mulher sente-se feia, um ‘monstro’, sexualmente incapaz
de atrair alguém; quando esta vivência é muito intensa, nem mesmo a atitude de admiração do
homem pode ser aceita e a mulher suspeita que existe apenas a intenção de consolá-la”
(MALDONADO, 1985, p.38).
Maldonado destaca que um dos maiores medos relacionados à gravidez é referente às
alterações do esquema corporal, o medo da irreversibilidade. Muitas gestantes se preocupam
de não conseguirem voltar a “forma antiga”, de ficarem alargada e flácida permanentemente,
mesmo após o parto. E a autora relata que pensando no aspecto mais subjetivo, esse temor
pode ter um significado: “o medo de ficar modificada como pessoa pela experiência da
maternidade, de não mais recuperar sua identidade antiga e transformar-se numa outra pessoa,
com mais perdas do que ganhos” (MALDONADO, 1985, p.38).
3.3 O terceiro trimestre de gestação

34

Nos últimos três meses da gestação a ansiedade aumenta com a proximidade da hora
do parto e pela chegada do bebê. Os sentimentos tendem a ser ambivalentes, relacionados a
vontade de ter logo o bebê e terminar a gestação, mas também de querer que durasse mais um
pouco, adiando assim a necessidade das novas adaptações com a chegada do bebê. É uma fase
em que há uma característica peculiar da gestação, principalmente nas últimas semanas antes
de ter o bebê e que dura até algumas semanas após o nascimento. Caplan11 (1961) apud
Maldonado refere-se a esse momento como uma mudança de equilíbrio nos sistemas da
personalidade, que facilita o aparecimento de fantasias e conflitos na consciência, onde há
maior facilidade de reviver antigas memórias e conflitos infantis da grávida com os próprios
pais ou irmãos que haviam sido reprimidos e esquecidos. E de acordo com Caplan, essa
característica permanece aproximadamente até a segunda ou terceira semana após o parto,
quando novamente ocorre uma repressão dessas fantasias e pensamentos surgidos nesse
período. Essa descrição de Caplan se aproxima do que Winnicott nos fala na sua teoria da
‘preocupação materna primária’ (WINNICOTT, 1956-2000), como veremos a seguir.
Sobre as ansiedades dos dias anteriores ao parto, Soifer (1980) nos fala que com
bastante frequência as gestantes vivenciam a sensação de ‘haver deixado de perceber os
movimentos fetais’ durante o dia inteiro, por exemplo. Essas situações são vividas de forma
extremamente angustiantes, pois há o temor de que o bebê tenha morrido. Tal percepção pode
ocorrer porque o feto se movimenta menos nesse período da gestação, por já haver certo grau
de “encaixamento” e por vezes o seu crescimento já ultrapassou a capacidade de estiramento
do útero. Além disso, o grau de ansiedade pode ser elevado fazendo com que a gestante
produza o embotamento dessa percepção.
Portanto, a partir de estudos realizados sobre a gestação podemos compreender as
diversas experiências que rodeiam o período da gravidez ao longo dos três trimestres
descritos, como as fantasias, os temores, os afetos, as representações mentais e os significados
que colocam sob suspeita o instinto maternal e a idealizada imagem da boa mãe, apontando
para o fato de que, para algumas gestantes, a maternidade é vivida como fatalidade (LOBO,
2008; MALDONADO, 1985; SOIFER, 1977-1980; WINNICOTT, 1960-1983).
3.4 A preocupação materna primária

11

CAPLAN, G. An approach to community mental health. Nova Iorque, 1961.

35

Esse momento de gestação não fica restrito apenas a complexidade das mudanças
físicas ou psicológicas, pois os fatores socioeconômicos também são fundamentais para
compreendermos todo o contexto de constituição subjetiva frente à gestação (SAFRA, 2002).
Numa leitura contemporânea, podemos destacar um outro aspecto emergente da gravidez,
aquele relacionado ao corpo, pois hoje estamos mergulhados num mundo onde o corpo é
supervalorizado, considerando-se que “o meu corpo é o que eu sou”. Vive-se das aparências.
Como a gestação abarca esse fenômeno em que o corpo feminino é modificado, decorre a
importância de se compreender a experiência subjetiva do corpo gravido, considerando-se os
valores culturais vigentes. É a partir dos pressupostos de Winnicott que entendemos que a
gestação está ancorada na cultura, compreender o ambiente e a cultura onde as gestantes estão
inseridas como elementos indissociáveis para a constituição subjetiva.
É desde a gestação que a constituição subjetiva da maternidade ocorre a partir do
envolvimento afetivo e identificação da mãe com o bebê. Segundo Winnicott (1956-2000),
esta experiência é fundamental na preparação da mãe e na sua capacitação para oferecer os
cuidados que atendam às necessidades do bebê, favorecendo seu desenvolvimento emocional.
É o que o autor denomina de ‘preocupação materna primária’, onde a mãe encontra-se num
estado de sensibilidade exacerbada no período que vai do final da gestação até algumas
semanas após o nascimento do bebê. E é esse estado emocional que oferece à mãe uma
inclinação especial de agir no sentido de atender as necessidades do bebê, pois ela percebe
como ele pode estar se sentindo.
A mãe que desenvolve essa capacidade de preocupar-se com o seu bebê possibilitando
a adaptação sensível e delicada às necessidades do mesmo, proporciona um contexto
favorável para o desenvolvimento da criança. Winnicott, em sua teoria do desenvolvimento
emocional, fala da importância do papel constitutivo do ambiente para que o bebê desenvolva
suas potencialidades, considerando que o ambiente deve ser suficientemente bom. Esse
ambiente é representado pela mãe através dos cuidados maternos que esta oferece ao lactente
e uma provisão ambiental que vai desde proporcionar ao bebê a satisfação das necessidades
fisiológicas até a rotina completa de cuidado com o bebê, dia e noite. Nesse sentido, a mãe
constitui-se como uma unidade com esse ambiente, sendo denominada por Winnicott de
“mãe-ambiente” (WINNICOTT, 1960-1983). No contexto de um ambiente suficientemente
bom, Winnicott descreve “... a mãe como a pessoa que evita o imprevisto e que ativamente
provê o cuidado de suster e do manejo global” (WINNICOTT, 1963-1983, p.72).

36

Enfatizando a importância do fator ambiental, a teoria de Winnicott defende a
concepção de que a constituição da subjetividade humana é indissociável do ambiente. Neste
sentido, o processo de desenvolvimento da preocupação materna primária ocorre no contexto
social e relacional da mãe, dependendo de suas condições reais de existência. Sendo assim, no
presente estudo parte-se do pressuposto de que a “mãe ambiente” está ancorada na cultura
(MOREIRA; VILHENA; CRUZ; NOVAES, 2009) e que a constituição subjetiva da
maternidade ocorre em condições sociais e históricas. Como nos diz Safra (2002, p.23),
A ‘mãe suficientemente boa’ também não existe sem os outros. Ela não
existe sem um campo sociocultural, que lhe dê possibilidades de exercer
suas funções. A boa maternagem, assim como suas falhas, têm origem na
mãe, no pai, nos ancestrais, na situação social em que a mãe se encontra, nas
características da sua cultura e de sua época. Trata-se de um fenômeno de
grande complexidade, pois cada gesto materno presentifica a memória do
que é o cuidado materno naquele grupo cultural.

Vale ressaltar que a “mãe suficientemente boa” não corresponde a uma mãe perfeita,
uma mãe que nunca falha, e que até mesmo se antecipa às necessidades do bebê. A “mãe
suficientemente boa” também falha, sendo as falhas inclusive necessárias ao desenvolvimento
do bebê, desde que não se tornem intrusões.
Através dessas considerações é que podemos pensar a constituição da subjetividade
materna como intrinsecamente relacionada ao que está posto hoje em nossa cultura, como o
corpo grávido é vivenciado em meio a cultura do culto ao corpo e quais as implicações
subjetivas a partir disso.
3.5 O corpo grávido
Como vimos anteriormente, durante a gestação ocorrem várias transformações tanto
emocionais quanto físicas e dentre as várias facetas que acompanham a gestação, destaca-se
aqui a questão do corpo e suas transformações, as quais são enfocadas no presente estudo.
Nessa experiência de ser mãe, as gestantes tem também a tarefa de construir uma nova
identidade corporal (CAIROLLI, 2009; MALDONADO, 1985; SOIFER, 1977-1980).
As transformações físicas decorrentes da gestação são inerentes a esse processo de
modificação ao qual o corpo feminino é submetido. São transformações que ocorrem de
forma gradativa de acordo com a evolução do processo de gestação. Em média, uma gestação

37

dura de 38 a 40 semanas onde o bebê se desenvolve na barriga da mãe, ocasionando diversas
modificações corporais e subjetivas.
Na contemporaneidade muito se fala de questões em torno do corpo, de uma cultura da
exterioridade, da centralidade e do culto ao corpo, pois “o corpo toma a frente da cena social”
(FERNANDES, 2011, p.15). E, nesse sentido, a questão do corpo feminino modificado pela
gestação perpassa os discursos contemporâneos do culto ao corpo, onde os padrões de estética
estão delimitados até mesmo para essa condição. Sendo assim, as mudanças físicas
decorrentes da gestação podem ocasionar insatisfação e desconforto com o corpo, na medida
em que a condição da gestante pode ser experienciada como uma ameaça aos padrões de
beleza contemporâneos.
Brazão, Novaes e Vilhena (2010) registram que, na atualidade, o corpo grávido deixa
de ser um corpo que antes deveria ser coberto com roupas longas, no qual a barriga nunca ia à
mostra e se tinha a imagem da mulher grávida e da maternidade à ideia referida à mulher que
deveria ser discreta e reservada. Nos dias de hoje, a imagem da mulher grávida tornou-se
capas de revistas com gestantes em poses extremamente sensuais, onde presencia-se um corpo
grávido erotizado, sendo consideradas heroínas as mães que conseguem passar por esse
período sem as marcas de uma gestação (BRAZÃO; NOVAES; VILHENA, 2010). Mas, que
corpos grávidos são esses que se apresentam em tais revistas? Há uma erotização do corpo
grávido que se mostra como uma possibilidade de um corpo bonito por se referir a uma
gestante, ainda que barriguda? Ou essa condição de beleza referida ao corpo grávido, deve
também atender aos padrões de magreza vigentes na cultura?
Os resultados de um estudo realizado para investigar as representações da vivência da
gravidez (MARTINS, 2010), mostraram que as gestantes consideram que as mudanças do
corpo se apresentam como algo que não se pode ter controle. Algumas consideram o corpo
grávido pouco atrativo e sua autoimagem corporal deformada e distorcida. As transformações
decorrentes da gravidez são consideradas pelas gestantes como desmedidas e o aspecto físico
da gravidez pode aparecer como o lado desconfortável, indesejado e estranho. No entanto,
esse aspecto é identificado num estudo com gestantes com nível superior completo e com
status social mais elevado, onde, de acordo com a autora, a cultura da imagem corporal
segundo padrões de beleza estereotipados estaria mais enraizada (MARTINS, 2010). Resta
saber como tais experiências são vividas por mulheres grávidas em outros grupos sociais.

38

Uma pesquisa realizada por Piccinini et al (2008), sobre a gestação e a constituição da
maternidade apresenta nos seus resultados uma discussão sobre as transformações corporais.
A pesquisa foi realizada com gestantes primíparas, maiores de 19 anos e de níveis
socioeconômicos variados. Nesse aspecto das mudanças corporais, algumas gestantes relatam
a sua satisfação frente às essas modificações, bem como preocupação, incômodo, sentimento
de insegurança e um sentimento de estranheza sobre si mesmas devido as mudanças em seu
corpo decorrentes da gravidez.
As autoras Menezes e Domingues (2004) relatam as principais mudanças corporais
que são percebidas por gestantes adolescentes atendidas em serviços públicos de Goiânia. A
análise dos dados coletados no estudo revela que as principais mudanças corporais percebidas
por elas são relacionadas aos seios, a barriga e o peso. Também é possível identificar nos
dados a ambivalência que essas transformações físicas trazem no decorrer da gestação. Nesse
estudo, o crescimento da barriga aparece como a mudança física que é mais apreciada pelas
gestantes adolescentes, e o aumento do seio como a alteração que foi menos apreciada. A
pesquisa também apresenta a relação da gestante com o ganho de peso, registrando que a
maioria apresenta essa preocupação, a qual, no entanto, fica em segundo plano quando o
ganho de peso é percebido como positivamente associado ao bebê e à saúde do mesmo.
Um estudo sobre a politização de corpos grávidos que faz análise do material
midiático veiculado pela revista Pais&Filhos, também discute esse aspecto apresentando o
discurso que é construído em torno do corpo grávido (SCHWENGBER; MEYER, 2011).
Segundo as autoras, o destaque nas edições da revista está relacionado à nutrição das
gestantes, idealizando um corpo magro e definido esculturalmente, mesmo quando grávido.
Dessa forma, o controle e regulação desses corpos se dão pela administração correta de
hábitos alimentares, pela moral do bem comer e pelo controle de quilos adquiridos durante a
gestação (SCHWENGBER; MEYER, 2011).
Um destaque interessante apresentado por Schwengber e Meyer (2011) em seu estudo
é de que a revista analisada faz um alerta para seus leitores: “o de que, nos tempos atuais, é
imperdoável que a gravidez faça com que a mulher perca a silhueta – ‘[...] a mulher deve
manter-se com um corpo magro para mostrar-se, sobretudo, para as filhas quando crescidas’”
(PAIS & FILHOS, 2003:30 apud SCHWENGBER; MEYER, 2011, p. 305), sugerindo a
manutenção intergeracional de tais prescrições. Essa cultura dos cuidados corporais também
perpassa pela prática de atividades físicas das gestantes. Para as autoras, os cuidados corporais

39

na atualidade chegam a funcionar como formas de in-exclusão, assumindo um lugar de
diferenciação. Nesse sentido, os cuidados corporais apresentam-se como práticas reguladoras
e normalizadoras, permitindo aos indivíduos que a elas aderem se sentirem pertencentes à
normalidade.
Com efeito, a vivência da gestação e a experiência com o corpo grávido é sempre
modificada pela cultura (SCHWENGBER; MEYER, 2011), como indicado no trecho abaixo:
Meu corpo é às vezes meu, uma vez que ele porta os traços de uma história
que me é própria, de uma sensibilidade que é minha, mas ele contém,
também, uma dimensão que me escapa radicalmente e que o reenvia ao
simbolismo de minha sociedade (ARTAUD, 2004, p.43).

Para Menezes e Domingues (2004), o conflito entre o corpo idealizado e a
autoimagem corporal pode ser acentuado quando se considera que as mudanças corporais que
ocorrem durante a gravidez, acontecem em um curto espaço de tempo, demandando da
gestante um rápido processo de adaptação, que certamente pode interferir na sua imagem
corporal.
Levamos em consideração que para abordar o tema em estudo, a complexidade das
vivências do corpo no período gestacional, vários fatores são importantes, tais como: aspectos
da história pessoal da gestante; o contexto existencial da gravidez (condições que circundam a
gestante); características da gravidez (se é de alto risco ou não, gravidez de gêmeos, etc); o
contexto sociocultural no qual a participante está inserida (condições socioeconômicas,
valores culturais).
A partir do que foi exposto e retomando a questão principal desse estudo: como as
gestantes vivenciam a experiência com o corpo grávido na atualidade? Esta questão central,
especificamente no foco deste trabalho, gera as seguintes indagações: Como o ideal estético
para o corpo feminino prevalente na cultura produz impactos subjetivos nas gestantes face às
transformações corporais experienciadas durante a gestação? Como estas experiências
ocorrem em gestantes no contexto de famílias de baixo nível socioeconômico?
O presente estudo se justifica pela importância atual do tema e pela escassa literatura
que investiga a gestação e o culto ao corpo na área da psicologia. Além disso, os estudos
encontrados sobre o tema foram, em sua maioria, realizados com mulheres de classe
socioeconômica média ou classe média alta. O presente estudo busca produzir um

40

conhecimento sobre o tema junto a gestantes de classe popular, visando compreender a forma
como essas mulheres se relacionam com seus corpos e com os discursos dos ideais estéticos e
de culto ao corpo prevalentes na cultura contemporânea.

41

4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
Sendo o objetivo principal do estudo investigar as experiências de gestantes com seus
corpos grávidos , será utilizada a pesquisa qualitativa com o objetivo de obtenção de dados
descritivos e interativos a partir do contato direto do pesquisador. De acordo com Turato
(2008), este tipo de pesquisa deve ser chamado de compreensivo-interpretativo, pois tem
como objeto as significações ou os sentidos que os sujeitos dão aos fenômenos. Para
Liebscher 12 (1998) apud Dias (2000), os métodos qualitativos são apropriados quando o
fenômeno em estudo é complexo, de natureza social e não tende à quantificação. Geralmente
são usados quando o entendimento do contexto social e cultural é um elemento importante
para a pesquisa.
Local
O trabalho de campo foi realizado no ambulatório pré-natal do Hospital Universitário
Prof. Dr. Alberto Antunes em Maceió, ligado à Universidade Federal de Alagoas. Essa
instituição é considerada referência para a assistência à gravidez no estado de Alagoas,
atendendo especialmente a grupos sociais de baixa renda, com prioridade para as gestantes de
alto risco.
Participantes
Os principais critérios de escolha das participantes da pesquisa foram que estas
deveriam ser gestantes nulíparas e maiores de 18 anos assistidas no ambulatório pré-natal do
hospital universitário. Foram selecionadas 12 gestantes que correspondiam aos critérios
mencionados. Considera-se o tamanho da amostra representativo da população-alvo tratandose de um estudo qualitativo.
Na ocasião da realização das entrevistas, as gestantes tinham idade entre 18 e 40 anos;
10 gestantes eram casadas ou moravam junto com os pais dos bebês e duas delas eram
solteiras. As participantes tinham o nível socioeconômico médio baixo e baixo 13, com renda
mensal familiar de um salário mínimo a aproximadamente cinco salários mínimos, sendo que
seis famílias tinham a renda de um salário mínimo. O nível de escolaridade estava entre o
12

LIEBSCHER, P. Quantity with quality ? Teaching quantitative and qualitative methods in a LIS
Master’s program. Library Trends, v. 46, n. 4, p. 668-680, Spring 1998.
13
O nível socioeconômico foi considerado por salários mínimos: baixo (até 04 salários mínimos) e
médio baixo (de 5 a 12 salários mínimos).

42

ensino fundamental incompleto ao ensino superior completo, a maioria das gestantes
possuíam o segundo grau completo. Das doze participantes, cinco trabalhavam. A maioria
morava com o companheiro, uma delas morava com os pais, outra morava na casa onde
trabalhava como empregada doméstica e outra que morava com o companheiro na casa dos
sogros.
O período gestacional das participantes varia entre 10 semanas e 37 semanas de
gestação, seis delas são consideradas gravidez de alto risco por diversas causas, entre elas:
gestação de gêmeos, idade da gestante avançada, motivos de saúde por cirurgias no coração e
mioma. Das doze participantes três iniciaram o pré-natal no primeiro mês de gestação, três no
segundo mês, quatro no terceiro mês e duas delas no quarto mês de gestação.
Por questões éticas, as identidades das participantes foram preservadas em
confidencialidade durante o relato desta pesquisa, tendo sido atribuídos nomes fictícios.
A Tabela 1 apresenta alguns dados sociodemográficos das participantes:

Nome

Idade

Bianca

26

Bruna

26

Daniela

28

Ingrid

25

Jaqueline

18

Joana

18

Laura

24

Lívia

21

Paula

30

Priscila

30

Tabela 1 - Dados sociodemográficos das gestantes
(continua)
Escolaridade
Trabalho
Relação com o Com quem
Renda
companheiro
mora
mensal
familiar
Cursando
Professora
Casada (7
Com o
Aprox. 2
ensino
anos)
esposo
salários e
superior
meio.
2º grau
Dona de
Casada (9
Com o
Aprox. 3
completo
casa
anos)
esposo
salários
2º grau
Autônoma
Casada (10
Com o
1 salário
completo
(loja)
anos)
esposo
2º grau
Vendedora
Mora junto (2
Com o
1 salário
completo
(loja)
anos e 5
esposo
meses)
Cursando o 2º
Dona de
Mora junto (2
Com o
1 salário
grau
casa
anos e 8meses)
esposo
2º grau
Dona de
Mora junto (5
Com o
Aprox. 1
completo
casa
anos)
esposo
salário e
meio
2º grau
Dona de
Casada (1 ano)
Com o
Não soube
completo
casa
esposo
informar
2º grau
Dona de
Casada (3
Com o
Aprox. 1
completo
casa
anos)
esposo
salário e
meio
Superior
Agente de
Casada (7
Com o
Aprox. 5
completo
endemias
anos)
esposo e os
salários
sogros
2º grau
Empregada
Solteira
No trabalho
1 salário
completo
doméstica

43

Nome

Idade

Taís

20

Talita

40

Tabela 1 - Dados sociodemográficos das gestantes
(conclusão)
Escolaridade
Trabalho
Relação com o Com quem
Renda
companheiro
mora
mensal
familiar
Cursando
Não
Solteira
Com os
1 salário
curso técnico
pais
mínimo
Fundamental
Dona de
Casada (12
Com o
1 salário
incompleto
casa
anos)
esposo

Fonte: Autora, 2013.

Instrumentos
Entrevistas individuais semiestruturadas (MINAYO, 1999) realizadas com as
gestantes. As temáticas abordadas nas entrevistas estavam em consonância com os objetivos
propostos como apresentado no Apêndice A, o roteiro da entrevista foi dividido em três
categorias: informações iniciais e dados sociodemográficos, sobre a gestação e o bebê, sobre o
corpo e as mudanças corporais. A escolha deste instrumento está relacionada à proposta da
pesquisa por permitir uma elasticidade quanto à duração, quanto à posição da entrevistada
sobre o tema em questão e, ao mesmo tempo em que possui uma organização dos
questionamentos ela pode ser ampliada à medida que as informações vão sendo fornecidas.
Para Boni e Quaresma (2005, p. 75), “este tipo de entrevista colabora muito na investigação
dos aspectos afetivos e valorativos dos informantes que determinam significados pessoais de
suas atitudes e comportamentos”.
Roteiro de Produção de Desenhos (Ver Apêndice B) realizados com as gestantes logo
após o final das entrevistas com o objetivo de possibilitar às participantes as expressões de
vivências do corpo grávido através da produção de desenhos dos seus corpos grávidos e dos
seus corpos antes da gestação. De acordo com Piaget (1971), o desenho é uma das formas
através das quais a função de atribuição da significação se expressa e se constrói. Para
Mèredieu (1974), o desenho é um expressar de ideias que não são transmitidas em palavras. O
desenho tem como principal objetivo passar ideias mentais para formas ou seres, consentindo,
assim, o desenvolvimento de sentimentos interiores. O desenho é destacado por Pereira
(2009) como modalidade de expressão ou de representação da realidade, resultado de
atividade intencional envolvendo aspectos cognitivos e emotivos do seu ajuste ao mundo.
Para a compreensão do desenho, é necessário que se acompanhe o processo de sua produção.
Neste sentido, a utilização desse recurso busca compreender os significados e sentidos
enquanto conhecimento de sua vivência, ancorado no pressuposto de que, na comunicação

44

intersubjetiva, podemos compreender o significado das palavras e interpretar o desenho como
forma de expressão e conhecimento.
Procedimentos
Após o consentimento da direção da instituição, e aprovação quanto aos aspectos
éticos e metodológicos envolvidos do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFAL
(ver Anexo A), entrou-se em contato com a equipe responsável pelo serviço de atendimento
Pré-natal do Hospital Universitário para dar encaminhamento à pesquisa. Inicialmente, foi
apresentado o projeto de pesquisa e realizado o conhecimento do local. Posteriormente, foi
iniciada uma fase de inserção da pesquisadora no campo para conhecimento do
funcionamento do serviço e primeiros contatos com o grupo a ser estudado.
Foi uma fase exploratória a fim de melhor definir alguns pontos para a pesquisa, tais
como o instrumento, procedimentos para a coleta de dados, critérios de inclusão. A ideia era
que a pesquisadora pudesse se apropriar da dinâmica da instituição e dos dados já existentes
no ambulatório pré-natal para saber qual a demanda de gestantes no serviço. Para isso, foi
realizado um levantamento do caderno de registro das gestantes 14 que é elaborado por uma
das enfermeiras do setor do ambulatório pré-natal para termos uma ideia de quantas gestantes
são atendidas por mês com o intuito de definir o tempo para a coleta de dados e os melhores
dias para a coleta.
Foi possível também durante essa fase exploratória participar de grupos mensais que
eram realizados com as gestantes. Os grupos eram coordenados pela equipe do ambulatório
pré-natal onde estabeleciam um espaço de interação entre as gestantes e os profissionais de
saúde (enfermeiros, nutricionistas, técnicos de enfermagem) através de palestras proferidas
sobre temas que eram escolhidos pelas próprias gestantes. O objetivo de participar desses
grupos era para que a pesquisadora pudesse se inserir e circular pelo contexto das
participantes na instituição, assim como visualizar uma melhor oportunidade de fazer as
entrevistas com as gestantes. A participação nos grupos se fizeram momentos particulares de
escuta sobre a vivência da gestação pelas participantes, possibilitou uma melhor definição dos

14

O caderno de registro continha as seguintes informações: data (da consulta) /médico (responsável
pela consulta) /atendimento (quantos atendimentos estavam marcados para o médico) /extra (quantos
atendimentos o médico realizava no dia que não estavam marcados) /total (a soma dos atendimentos)
/assinatura (da enfermeira que preenchia as informações no caderno).

45

critérios de inclusão/exclusão das participantes, como também a finalização da construção do
instrumento da coleta de dados.
A partir da leitura dos artigos e da experiência exploratória no campo foi construído
um roteiro de entrevista para coletar os dados com as participantes. As perguntas que
constituem esse roteiro foram elaboradas visando atender aos objetivos da pesquisa. Para
tanto, foi proposto um estudo piloto através da realização de uma entrevista para verificar se o
roteiro de entrevista atendia à proposta da pesquisa, bem como verificar a clareza e
compreensão dos termos utilizados no roteiro da entrevista. Foi realizada uma entrevista
piloto seguindo todos os procedimentos previstos, tais como sondagem dos critérios de
inclusão, obtenção do TCLE, gravação em áudio e transcrição do material gravado. O
objetivo principal do estudo piloto foi avaliar se as perguntas eram potencialmente capazes de
responder aos objetivos propostos.
Após esta etapa, foram realizados os devidos ajustes ao instrumento de coleta de dados
e foi dado início a coleta de dados através das entrevistas semiestruturadas durante o período
do mês de Maio/2012 até o início do mês de Agosto/2012, totalizando em 12 entrevistas.
A etapa da coleta de dados deu-se da seguinte maneira: no corredor de espera para
atendimento do ambulatório pré-natal, as gestantes foram abordadas pela pesquisadora onde
era feita uma breve apresentação da pesquisa incluindo objetivo e critérios de inclusão e, em
seguida, àquelas gestantes que atendiam aos critérios de inclusão foram convidadas a
participar do estudo. As que aceitaram participar, era convidada individualmente a ir para uma
sala reservada do ambulatório pré-natal para realização da entrevista e produção dos
desenhos, foram solicitadas as autorizações das participantes através do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE (ver Apêndice C) e, logo após o consentimento,
realizada a entrevista sendo os registros das mesmas realizados através de gravação em áudio
para posterior transcrição e, em seguida, o processo de produção dos desenhos que além da
observação da pesquisadora nesse processo, o gravador de voz permaneceu ligado com o
objetivo de capturar a interação pesquisadora-pesquisado durante o processo.
Análise dos dados
Os dados coletados através das transcrições das entrevistas serão submetidos à análise
de conteúdo. De acordo com Bardin (1977), a análise de conteúdo é um método que pode ser

46

aplicado tanto na pesquisa quantitativa como na qualitativa; na pesquisa qualitativa o que
serve de informação é a presença ou ausência de uma dada característica de conteúdo ou de
um conjunto de características num determinado fragmento de mensagem que é levado em
consideração na compreensão do objeto em estudo, e não na frequência de sua aparição.
As transcrições das entrevistas foram realizadas em sua totalidade, sem recortes,
ressaltando também que nessa análise não foi trabalhado apenas o que foi comum a todas as
entrevistas, mas também as particularidades, o que as diferenciavam. As transcrições das
entrevistas ocorreram de forma paralela à realização das mesmas, após a finalização de cada
transcrição foi feita uma revisão geral dos arquivos de áudio com o material transcrito para
conferir se o que foi transcrito estava de acordo com o áudio da entrevista, para eliminar
possíveis distorções decorrentes desse processo. A partir das transcrições, foi elaborado um
quadro com o conteúdo de cada entrevista com o objetivo de organizar e obter uma melhor
visualização do material.
Esse procedimento de organização do material é indicativo de uma pré-análise
(BARDIN, 1977) que a partir de uma leitura flutuante do material compreende a operação de
recortes do material em unidades para serem categorizadas.
Para análise do material, considerando o tema em estudo, optou-se – para melhor
organização e visualização na discussão dos resultados - em agrupar as participantes por
período gestacional devido às distintas condições das mudanças no corpo que são
diferenciadas em cada trimestre. Esse agrupamento foi elaborado a partir das indicações
descritas abaixo como ilustra a tabela a seguir:
1º trimestre de gestação: até o fim da 13ª semana de gestação;
2º trimestre de gestação: do início da 14ª semana até o fim da 27ª;
3º trimestre de gestação: a partir da 28ª semana de gestação.

1º trimestre
Talita
Priscila

Fonte: Autora, 2013.

Tabela 2 - Período gestacional das participantes
2º trimestre
3º trimestre
Laura
Taís
Paula
Ingrid
Bruna
Bianca
Lívia
Jaqueline
Joana
Daniela

47

Observação: os nomes destacados em vermelho são referentes aos casos ditos de alto risco,
segue abaixo a identificação das respectivas causas:
Taís: cirurgia no coração
Paula: gestação de gêmeos
Bianca: mioma
Talita: idade avançada (40 anos)
Jaqueline: tratamento medicamentoso psiquiátrico
Priscila: gestação de gêmeos
Posterior a isso, foram realizadas sínteses de cada entrevista a partir dos quadros e das
transcrições organizadas de acordo com o agrupamento acima 15. Inicialmente, uma síntese
descritiva do conteúdo do quadro que continha material referente ao que foi mais destacado
nas falas das participantes, sendo necessário em alguns momentos recorrer as transcrições
para ter acesso ao conteúdo de forma completa. Em seguida, foi feita uma pré-análise
interpretativa a partir dessa síntese, também de forma singular para cada entrevista a partir de
inferências da autora sobre o conteúdo da síntese.
Por fim, as categorias de análise emergiram a partir das unidades de registro que foram
recortadas das entrevistas. São aspectos considerados importantes para a discussão do tema
em estudo que surgiram através das falas das 12 participantes. São elas: as transformações na
gestação; experiências corporais a partir da gestação; do corpo “normal” ao corpo grávido:
narrativas sobre corpos transformados pela gestação; a constituição da imagem do corpo
grávido a partir da relação com o outro; o corpo inimaginável pós-gestação; a capacidade de
gerar uma vida dentro de si: repercussões positivas da vivência corporal da gestação e a
amamentação em prol da saúde do bebê.
A análise dos desenhos que foram produzidos pelas gestantes se deu a partir das
categorias já emergentes das entrevistas. Foram utilizados como um instrumento de auxílio
para a investigação e discussão dos resultados, na medida em que possibilitaram perceber se
as falas das gestantes condiziam ou não com o que elas tinham expressado em seus desenhos.

15

Exemplo: síntese do 1º trimestre/ síntese do 2º trimestre / síntese do 3º trimestre

48

5 O CORPO GRÁVIDO SEGUNDO AS EXPERIÊNCIAS DAS GESTANTES
Inicialmente, será apresentado um pouco sobre cada participante, contextualizando
suas histórias em torno da gestação. Em seguida, vamos discutir categorias que surgiram a
partir dos questionamentos iniciais que impulsionaram esta pesquisa, bem como categorias
que emergiram através das respostas das gestantes à entrevista16.
Bianca
Bianca tem 26 anos, é casada e tem uma relação de sete anos com seu esposo, o qual
tem a idade de 22 anos. Cursa graduação em pedagogia e trabalha como professora, no
momento da entrevista já havia iniciado seu período de licença maternidade. A renda mensal
familiar é de R$ 1.500,00. Bianca estava com mais de 37 semanas de gestação, esperando
uma menina. Iniciou o pré-natal com 2 meses de gestação, sua gravidez é de alto risco porque
ela estava com um mioma, no entanto, após a primeira ultrassom foi verificado que o mioma
não existia mais. Diz que sua gravidez não foi planejada para esse momento, pois estava
fazendo o tratamento por conta do mioma e que iria fazer a cirurgia para retirada do mesmo,
mas relata que desde que casou nunca se preveniu. Para ela estar grávida é maravilhoso, é
uma descoberta a cada dia, diz que se sentiu alegre ao saber da gravidez, pois estava com o
mioma e com o endométrio inchado e que o médico havia dito que ela não poderia ter filho,
uma vez que poderia desenvolver um câncer. Relata que ficou em depressão por conta disso,
que chorava muito, mas quando descobriu que estava grávida foi emocionante, descreve esse
momento como maravilhoso, “foi tudo”. Sua preocupação nesse período é apenas com o bebê
e diz que a sua vida mudou desde que ficou grávida, pois sempre ficava na expectativa de
engravidar e depois achou que não poderia ter filho.
“... fiquei mais alegre, deixei de tá pensando... porque eu ficava triste quando eu via uma
pessoa grávida, aí ficava observando... querendo também... querendo sentir o que aquelas
pessoas sentia, ver como era... eu achava muito interessante aquela barriga grande, ‘será
que pesa?’, ‘será que ela não tem a impressão que vai cair pra frente?’, ‘e como é dar de
mamar?’, ‘qual a sensação do neném mexer na sua barriga?’... eu fiquei também ansiosa
antes de mexer... ‘oxe, tô com 3 meses, o bebê mexe com 3 meses e não mexeu ainda...’ eu
fiquei muito ansiosa”.

16

Para maiores detalhes ver Tabela 1- Dados sociodemográficos das gestantes.

49

Bruna
Bruna tem 26 anos, é casada e sua relação com o marido é de nove anos, a idade dele é
40 anos. Bruna possui 2º grau completo e não trabalha, mora apenas com o marido, que é
mecânico. A renda mensal da família é R$ 2.000,00. Bruna estava com 22 semanas (5 meses)
de gestação e iniciou o pré-natal com 3 meses. Sua gravidez foi planejada e relata que no
início da gestação foi diferente por conta das mudanças no corpo, fala dos seios que
aumentaram, da aureola que escurece, se refere a uma transformação total do corpo, como
também da mente, pois tem que se adaptar a essa ideia de estar grávida e todas as condições
que isso acarreta. Apesar de enfatizar esse período como um processo de adaptação, fala que
para ela é normal, que nem parece que está gestante, pois já se acostumou com a ideia porque
de início as transformações não vêm de imediato, que só depois dos 3 meses é que ocorrem
mesmo as modificações e que no início a vida é normal, mas a partir dos 5 meses algumas
dificuldades foram surgindo para realizar atividades domésticas pela situação de não poder
pegar peso. Diz que ficou feliz ao saber da gravidez, pois era uma coisa que ela queria, pelo
fato de já ter 26 anos. Relata que a sua preocupação com ela nesse período é com relação à
alimentação, está sempre se vigiando para não comer besteiras; e que a sua vida mudou desde
que ficou grávida, dando como exemplo o fato de ter ficado com uma gripe muito forte e não
poder tomar qualquer remédio e, também, o fato de não conseguir emprego por causa da
gestação, pois ela diz que as empresas não contratam grávidas.
Daniela
Daniela tem 28 anos, é casada, mora com o esposo e estão juntos há 10 anos, ele tem
25 anos. Possui ensino médio completo e trabalha como autônoma numa loja dentro da sua
própria casa. A renda fixa da família é de um salário mínimo mais a renda da loja que ela não
soube informar. Daniela estava grávida de 6 meses, esperando uma menina. Iniciou o prénatal no primeiro mês de gestação e sua gravidez foi planejada. Para ela estar grávida está
sendo ótimo, por ter sido uma coisa tão planejada, que cada passo é uma novidade e que tanto
para ela quanto para o marido está sendo tranquilo, “a melhor coisa”.
“Ah... eu me senti a mulher mais feliz do mundo (risos), foi muito planejado, tanto que a
gente tinha planejado antes, mas em decorrer da ansiedade... a gente não conseguia... fiz
tratamento achando que não podia e tal... foi quando eu comecei a trabalhar, assim né pra
tentar esquecer... aí engravidei e foi a melhor coisa pra mim, graças a deus... não me queixo

50

de nada, de mudança de corpo, essas coisas comum que as mulheres falam... pra mim tá
sendo uma maravilha”.
A sua maior preocupação com ela mesma nessa fase de gestação é por conta das suas
varizes, que na sua família isso é uma tendência e que agora durante a sua gravidez aumentou
e isso a incomoda muito. Daniela fala que desde a descoberta da gravidez se preocupa mais
com ela; e diz que muda tudo, o comportamento da família e do marido com ela, e que tudo
para melhor. Fala também da sua alimentação, que antes da gestação não tinha o hábito de
tomar café da manhã, mas que depois da gestação a primeira coisa que passou a fazer foi a
tomar o café da manhã.
Ingrid
Ingrid tem 25 anos, mora junto com seu esposo há 2 anos e 5 meses, a idade dele é 24
anos. Possui 2º grau completo e trabalha como vendedora numa loja. A renda mensal da
família é um salário mínimo, no momento da entrevista seu esposo encontrava-se
desempregado. Ingrid estava com 35 semanas de gestação e grávida de um menino; iniciou o
pré-natal com 3 meses de gestação. Sua gravidez foi planejada e para ela estar grávida está
sendo ótimo, mas relata que no início passava mal por conta dos enjoos, que não conseguia
comer nada e que chegou a “ficar de cama”. Fala que ficava com medo de comer, porque
colocou na cabeça que iria sempre vomitar; diz que foi uma fase horrível e descreve esse
momento com as seguintes palavras:
“era horrível eu ficava pensando ‘meu deus, quero mais não, quero mais não ter filho’ eu
dizia... ‘quero mais não’ (risos), [...] eu ficava... ‘meu deus gravidez não é doença, mas essa
parece que é’, mas só foi até os 3 meses mesmo [...] eu não podia nem trabalhar, não tava
nem podendo nem levantar nem nada, só vomitando mesmo, toda hora, todo instante”.
Fala que a preocupação com ela mesma nessa fase é o medo de engordar, de ter estrias
e na hora do parto. Relata que após a gestação mudou muita coisa na sua vida, diz que já tem
“aquele sentimento de mãe” e que qualquer coisa fica sensível.
Jaqueline
Jaqueline tem 18 anos, mora junto com seu companheiro e ele têm 21 anos, estão
juntos há dois anos e oito meses. No momento da entrevista estava cursando o 3º ano do

51

ensino médio e não trabalhava. A renda mensal familiar é um salário mínimo. Jaqueline
estava com 7 meses de gestação e esperando uma menina. Iniciou o pré-natal no primeiro mês
de gestação e sua gestação é considerada de alto risco, pois ela não podia engravidar por
problemas de saúde, relata que às vezes tinha crises de convulsões. Sua gravidez não foi
planejada, ela diz que a informação do médico era de que ela não poderia engravidar, por isso
nem se preocupava com prevenção. Relata que nesse período às vezes fica estressada por
besteira e que enjoa até do marido, mas que tenta se controlar. Diz que foi muito boa a notícia
da gravidez e fala da sua insatisfação com o médico que ela se consultava e que afirmou que
ela não poderia ter filho, diz que o médico mente às vezes porque não sabe nem o que
acontece (referente a ela ter engravidado “sem poder”). Diz que está ansiosa, preocupada e
com medo, pois está chegando a hora do parto.
“é ansiedade... assim... como tá chegando a hora do parto aí eu fico pensando como é que
vai ser... porque é cesárea né, aí eu fico preocupada por causa de mim... com ela não... ela tá
normal, tá tudo bem com ela... fico preocupada comigo... morro de medo na hora que for
tirar ela...”.
Relata também que depois da gestação sua vida é só alegria e fala que antes quando
morava com a mãe vivia muito presa e estressada.
Joana
Joana tem 18 anos, mora junto com o esposo e o tempo da relação deles é 5 anos, ele
tem 22 anos. Possui ensino médio completo e não trabalha. A renda mensal da família é R$
700,00. Joana estava com 5 meses de gestação, iniciou o pré-natal no primeiro mês de
gestação e sua gravidez não foi planejada. Ao ser questionado como é estar grávida para ela,
ela diz:
“Ah... não foi planejado, mas é... tá sendo bom. Quando não é planejado né...”.
Fala que no primeiro mês não conseguia comer por conta dos enjoos, que tudo o que
comia botava para fora. Relata que ficou assustada ao saber da gravidez, pois é jovem e que
ainda não tinha completado 18 anos quando descobriu, mas diz que foi se adaptando com o
tempo. Diz que a sua única preocupação nessa fase é com o parto, pois fala que tem os
devidos cuidados com o bebê. Quando questionada se a sua vida tinha mudado desde a

52

descoberta da gravidez, Joana fala que a sua vida continua do mesmo jeito, mesmo após a
gravidez.
Laura
Laura tem 24 anos, é casada e seu esposo tem 19 anos, estão juntos há um ano. Possui
ensino médio completo e no momento da entrevista estava desempregada. Não soube
informar a renda mensal da família, pois a renda do seu esposo não é fixa, ele trabalha como
ajudante de pedreiro. Laura estava com 14 semanas de gestação, ainda não sabia o sexo do
bebê e iniciou o pré-natal com 10 semanas. Diz que sua gravidez não é de alto risco, mas que
no início sentiu muita dor, mas a médica disse que era normal sentir dor nesse período. Sua
gravidez não foi planejada e para ela estar grávida é diferente e bom ao mesmo tempo, diz que
às vezes se acha estranha e diz que tem medo de não voltar ao seu corpo normal. Diz que no
começo da gestação nem pensava nisso, mas que naquele momento já estavam aparecendo as
estrias. Relata que foi uma surpresa a notícia da gravidez e que ficou feliz com a notícia, pois
achava que não podia mais engravidar; diz que não tinha um controle na prevenção e sempre
que suspeitava que poderia engravidar ela recorria a pílula do dia seguinte, que fazia isso com
frequência e que ao passar 5 meses sem nenhuma prevenção, achou mesmo que não podia
engravidar. Diz que a sua preocupação nessa fase é com sua forma depois que ela tiver o bebê
e na hora do parto. Fala que a sua vida mudou depois da gestação porque antes ela era mais
independente e que precisou sair do trabalho (cozinheira) porque enjoava muito:
“mudou porque eu era tipo independente, o que eu quisesse fazer eu podia fazer, tanto
questão de trabalho e hoje não. Com o que eu trabalho eu não posso trabalhar porque eu
enjoo, eu sentir o cheiro da comida eu já corro pra vomitar, aí me atrapalhou bastante. Aí eu
fiquei parada em casa, meu marido também, porque trabalhava junto comigo”.
Relata que passou muito mal no início com os enjoos e que além da ajuda do seu
marido, teve também a ajuda da sua mãe, pois naquele momento o marido tinha voltado a
trabalhar e sua mãe fica com ela em casa quando o marido sai para trabalhar.
Lívia
Lívia tem 21 anos, é casada e o tempo de relação com seu esposo é de 3 anos, ele tem
22 anos. Possui ensino médio completo e não trabalha. A renda mensal familiar é de R$
900,00. Lívia estava com 27 semanas e meia de gestação, grávida de uma menina. Iniciou o

53

pré-natal com 3 meses de gestação e relata que a sua gravidez não foi planejada, mas diz que
era esperada, pois eles tinham vontade de ter, mas não tinham planejado para este momento.
Estar grávida para ela é complicado e ao mesmo tempo é bom, diz que está sendo o melhor
momento da sua vida, pois sempre sonhou com isso, que o sonho depois do seu casamento era
esse, o de ser mãe. Diz que parou de se prevenir a um ano e que até então não tinha
engravidado, por isso diz que não era planejada, mas já esperava; relata que tanto ela quanto o
marido estão felizes com esse momento, que o marido sempre quis, desde o primeiro ano do
casamento. Lívia diz que nesse momento não se vê como prioridade, que tudo o que ela faz
hoje ela pensa se vai ser bom para a sua filha, mas que também se preocupa com ela:
“então minha prioridade agora é ela, mas eu me preocupo sim comigo também, não quero
me deixar abater [...] dizem que a gente se descuida né, que muita grávida se descuida,
também não quero isso, mas no geral, é ela”.
Lívia se preocupa com a sua alimentação e que procura sempre está se arrumando para
não se deixar abater e ficar em depressão por conta disso. Fala que a sua vida mudou para
melhor e dá como exemplo a melhora no seu relacionamento com o marido e a sua rotina em
casa; porém, relata que estava planejando estudar esse ano e que adiou por conta da gestação.
Paula
Paula tem 30 anos, mora junto com seu companheiro na casa dos sogros, seu tempo de
relação com ele é 7 anos, a idade dele é 33 anos. Possui ensino superior completo e trabalha
na secretaria municipal de saúde. A renda mensal familiar, incluindo as rendas dos sogros é de
aproximadamente R$ 3.000,00. Paula estava com 23 semanas de gestação, grávida de gêmeos,
sendo um menino e uma menina. Iniciou seu pré-natal como 15 semanas e sua gravidez é
considerada de alto risco por serem gêmeos. A gravidez foi planejada pelo casal e afirma que
os dois queriam. Relata que o que está sendo ruim na sua gestação são os enjoos, e que ela e o
marido ficaram surpresos e um pouco “meio assim” por serem gêmeos, porque eles não
contavam com isso, no entanto, diz que seu marido já falava que seriam gêmeos, mas que ela
não esperava, “foi um choque”, e conta que depois foi digerindo a notícia. No momento da
entrevista relata que está achando maravilhoso, que foi planejado mesmo por conta da sua
idade e que parou de tomar anticoncepcional 7 meses antes de engravidar. Diz que as suas
preocupações com ela mesma nessa fase é em não beber, nem fumar e com a sua alimentação,
fala que por serem gêmeos é uma gravidez mais delicada e que evita pegar peso e fazer

54

esforço desnecessário. Paula diz que a sua vida mudou depois da gravidez, faz referência ao
seu corpo que está mudando, entretanto, diz que não mudou bruscamente. Conta que até o
momento realiza todas as atividades de maneira normal, que trabalha normal e que a gravidez
não está interferindo nisso.
Priscila
Priscila tem 30 anos, é solteira e relata que a sua relação com o pai do bebê foi de
apenas um encontro e no momento da entrevista diz que tem contato com ele às vezes por
telefone. Possui ensino médio completo e trabalha como doméstica, conta que mora no
trabalho. Sua renda mensal é de um salário mínimo. Priscila estava com 12 semanas de
gestação, iniciou o pré-natal com 11 semanas e sua gestação é considerada de alto risco por
ser uma gestação de gêmeos. Relata que essa não é a sua primeira gestação e que há 6 anos
tinha engravidado, mas sofreu um aborto e ficou muito doente. Diz que na gestação atual
achou que não fosse “segurar” por conta do aborto anterior. Sua gravidez não foi planejada e
fala que ocorreu num encontro casual com um homem que conheceu numa festa. Ao ser
questionado como era para ela estar grávida, ela diz:
“No início eu não tava feliz não... mas agora... pra mim... pra mim agora é tudo né meus
filhos... sabendo que vem dois logo né, aí só tenho eles... logo no início eu fiquei meia triste,
meia chorona (risos) porque eu imaginava eu sozinha cuidando de dois... (risos) mas agora
não, tô calma...”.
Relata que a sua preocupação com ela mesma nesse período é com relação à sua
alimentação e que sua vida mudou depois de grávida porque antes ela saía para se divertir,
frequentava muitas festas e que naquele momento não saía mais para nada; que antes bebia,
masque no momento não que saber nem de refrigerante; e afirma que a sua vida mudou para o
lado bom daquele momento em diante.
Taís
Taís tem 20 anos, é solteira e não tem contato com o pai do bebê, mora com os pais.
Estava cursando um curso técnico em enfermagem e não trabalhava. A renda mensal da sua
família é de um salário mínimo. Taís estava com 28 semanas de gestação e grávida de uma
menina. Iniciou o pré-natal com 4 meses, sua gravidez não foi planejada e sua gestação é de
alto risco, pois de acordo com orientação médica ela não deveria engravidar por problemas

55

decorrentes do coração. Taís descreve que passou por uma cirurgia recente no coração para
trocar uma válvula e que sabia que não poderia engravidar, mas conta que foi uma “ratada”.
Em decorrência disso, seu parto será antecipado porque não pode ser parto normal, pois ela
não pode fazer esforço. Relata que estar grávida é uma experiência boa, mas que nunca
imaginou passar nesse momento e diz que é uma coisa única que só a mulher pode sentir, pelo
fato de poder gerar outra vida dentro de si, afirma que está amando. Sua preocupação com ela
mesma nessa fase é para não se estressar pensando na saúde de ambas (dela e da filha) e com
a sua alimentação pelo fato dela ser operada, pois precisa seguir uma dieta. Diz que mudou
muita coisa na sua vida após a gestação e fala que antes podia sair e se divertir sem se
preocupar com nada, e que hoje ela tem que se preocupar mais com ela pelo fato de estar
carregando um ser; e conta que algumas coisas que ela fazia antes, não faz mais.
Talita
Talita tem 40 anos, é casada e está há 12 anos com seu esposo, ele tem 38 anos. Possui
ensino fundamental incompleto e não trabalha. A renda mensal da família é um salário
mínimo. Talita estava com 2 meses de gestação, no dia da entrevista era a sua primeira
consulta de pré-natal. Essa é a sua primeira gestação, e não sabia informar se era de alto risco.
No entanto, levanta a hipótese que pode ser de alto risco por causa da sua idade. Talita afirma
que há muito tempo a gravidez é planejada, mas por conta da sua ansiedade que era demais,
não conseguia engravidar. Talita relata que preparou todo o enxoval e um quarto a espera de
um bebê, mas a sua espera por um filho já durava mais de 10 anos e conta que se desfez do
quarto e do enxoval; e diz que “quando menos esperava”, estava grávida. Para ela, estar
grávida “é a maior alegria do mundo”, por saber que dentro dela está gerando uma vida; às
vezes, Talita diz não acreditar que está grávida:
“eu às vezes nem tô acreditando, às vezes eu penso que é um sonho, mas uns dizem que é
verdade, que é verdade... então seja o que deus quiser”.
Diz que se preocupa demais com ela nessa fase de gestação, com a sua alimentação e
que evita fazer esforços; e mesmo sabendo que pode ser de alto risco devido a sua idade,
Talita afirma que não sente nada, nenhuma dor, mas procura sempre se cuidar. Fala que até o
momento, após a notícia da gravidez, a sua vida é só felicidade.

56

5.1 As transformações na gestação
Após a contextualização individual sobre as participantes e suas gestações, será
importante apresentar um panorama sobre as principais transformações que foram relatadas
por elas durante esse período nas entrevistas, bem como a frequência em que essas
transformações surgiram em seus discursos.
Percebeu-se que todas as participantes fizeram referência ao crescimento da barriga,
dez participantes falaram da mudança nos seios, quatro participantes relataram que
perceberam as mudanças no corpo a partir de suas roupas que não cabiam mais, três gestantes
descreveram a transformação no quadril, e as outras modificações foram relatadas por duas ou
uma gestante. Corroborando com o estudo das autoras Menezes e Domingues (2004), a
barriga e os seios aparecem como as principais mudanças relatadas pelas gestantes. Sobre as
transformações na barriga percebe-se também que isso aparece como a transformação mais
visível e mais expressada pelas gestantes nos seus desenhos17. Para uma melhor visualização,
segue gráfico abaixo:
Gráfico 1 – Principais transformações corporais na gestação

Transformações na Gestação
Seios

4
2

10

Quadril

2

Aumento de peso

1

Estrias

2

Rosto
Cabelo

2

Pele

1
3

12

Fonte: Autora, 2013.

5.2 Experiências corporais a partir da gestação

17

Barriga

Ver Anexos de B a M.

Sensibilidade
Roupas que não cabem

57

Esta categoria tem o objetivo de informar os aspectos descritivos da experiência
corporal ligadas a sensações e vivências no corpo. Possibilita linhas de expressão de
afetividade na medida em que a experiência pode ser valorada como negativa (dor,
desconforto, enjoos) ou como uma experiência positiva como sentir o movimento do bebê na
barriga.
As dores decorrentes desse período são relatadas pela maioria das gestantes,
principalmente as dores provenientes dos seios. Como citado por Jaqueline, Daniela e Laura:
“os seios fica dolorido também... dói tanto, dói tanto no mundo...” (Jaqueline).
“eu acho que a gente fica muito sensível, fica sensível... é... os seios também doem né...”
(Daniela).
“o peito dói, é estranho né porque fica todo dolorido...” (Laura).
Laura e Bruna ainda falam de dores mais gerais que são decorrentes do período da
gestação. Laura ao ser questionada sobre se a sua gravidez era de alto risco:
“Até agora acho que não, porque eu tive muita dor e tudo, mas a médica disse que é normal
né sentir dor...”.
E Bruna ao ser questionada como se sente vendo a sua barriga crescer:
“Me sinto bem... incomoda só... incomoda assim em algumas atividades né que você não
pode tá pegando muito peso por causa que sente dores, essa questão assim... mas... ainda não
cresceu muito, ainda tá pequena”.
Jaqueline e Bianca discorrem sobre os desconfortos do último trimestre de gestação.
Jaqueline fala de si dizendo que sua barriga esticou muito e que está muito pesada:
“E a gente às vezes tem que esperar em pé, aí fica um peso, aquele peso... assim é bom, mas
não é muito bom não... muito pesada, machuca a coluna e normal não...”.
Bianca sobre o sentimento vendo a barriga crescer relata que se sente muito alegre,
mas que agora já está cansada:

58

“Agora pode tirar, tô muito cansada agora. [...] Cansa muito, a coluna pra dormir, sem
posição... não acha posição pra dormir, acorda muito de noite pra ir no banheiro urinar e
tudo... aí quando chega já no finalzinho a gente já tá cansadinha, mas a minha barriga
grandona eu gostei muito, eu sempre quis ter... sempre quis ter essa experiência”.
Outro aspecto da experiência corporal com conotação negativa são os enjoos relatados
pelas gestantes. Percebe-se que elas falam sobre essa experiência de maneira muito enfática e
como um incômodo constante desse período por pelo menos os três primeiros meses. Os
relatos das participantes confirmam os estudos das autoras Maldonado (1985) e Soifer (1980)
que de acordo com suas pesquisas essas são as manifestações mais comuns no decorrer da
gestação. Algumas delas como o aumento da sensibilidade e as náuseas são mais comuns nos
três primeiros meses da gestação. Laura fala dessa experiência como o motivo da sua saída do
emprego, pois ela trabalhava como cozinheira e não conseguiu mais continuar por conta dos
enjoos:
“Com o que eu trabalho eu não posso trabalhar porque eu enjoo, eu sentir o cheiro da
comida eu já corro pra vomitar, aí me atrapalhou bastante. Aí eu fiquei parada em casa, meu
marido também, porque trabalhava junto comigo”.
Paula e Joana contam sua experiência sobre o mal-estar dizendo que não conseguiam
se alimentar direito devido aos enjoos e que em decorrência disso também perderam peso.
Ingrid vivenciou esse momento de forma mais acentuada:
“Eu não comia nada, só enjoando, era comendo e vomitava o que tinha, o que não tinha, só
fiquei de cama... foi... mas com 3 meses, aí depois... eu tomei o remédio né aí melhorou, mas
assim até os meus 5 meses eu ainda tava enjoada, só comia bem pouco mesmo [...] era
horrível eu ficava pensando ‘meu deus, quero mais não, quero mais não ter filho’ eu dizia...
‘quero mais não’ (risos), [...] eu ficava... ‘meu deus gravidez não é doença, mas essa parece
que é’, mas só foi até os 3 meses mesmo [...] eu não podia nem trabalhar, não tava nem
podendo nem levantar nem nada, só vomitando mesmo, toda hora, todo instante”.
Destacando agora as experiências corporais consideradas pelas participantes de forma
positiva que é poder sentir o bebê movimentando na barriga. Paula conta que acha incrível sua
barriga crescendo, diz que fica feliz principalmente quando o bebê está mexendo bem muito.

59

Lívia sobre o que acha das mudanças em seu corpo descreve:
“eu acho ótima (risos)... eu gosto de ficar me olhando no espelho, gosto de ficar olhando a
minha barriga, gosto de ficar passando a mão sempre, quando mexe eu gosto de ficar...
sentir... sentir não só sentir... é... tocar... eu gosto de sentir mesmo... eu gosto demais (risos)”.
Bianca fala que a sua barriga crescendo é linda e que gostou muito, pois é
emocionante sentir o movimento do bebê na barriga:
“sentir uma pessoa dentro de você mexendo... é gratificante”.
Para Taís essa experiência de poder sentir o bebê se movimentando se dá toda manhã e
diz que vai sentir um vazio, uma saudade da barriga pelo fato de que toda manhã é o bebê que
a acorda.
A partir desses relatos pode-se perceber a complexidade dos novos fenômenos que
cercam a gestação, a mistura de sentimentos, prazer e desprazer. Maldonado (1985) diz que
esse fenômeno de ambivalências é natural e que faz parte da vivência e da forma como cada
gestante vai lidando com as mudanças, sendo elas capazes de abarcar a coexistência desses
sentimentos variados na sua experiência.
5.3 Do corpo “normal” ao corpo grávido: narrativas sobre corpos transformados pela
gestação
Esta categoria tem como objetivo apresentar as vivências das gestantes com seus
corpos grávidos através de suas narrativas sobre como elas percebem todo o processo de
transformação corporal no decorrer da gestação. A partir de suas falas destacamos três
aspectos para apresentá-los aqui: como elas percebem as mudanças decorrentes da gestação, o
corpo “normal” e o corpo grávido e as ambivalências da imagem corporal nesse período.
Na entrevista realizada com as participantes havia uma pergunta sobre como era para
elas estar grávida e algumas delas falaram dessa experiência como ‘diferente’ e ‘estranha’.
Pensamos que essas características também remetem a uma ambivalência, no sentido de que
estão se referindo a uma suposta norma, considerando que é diferente e é estranho daquilo que
se institui como normalidade. Isso está diretamente relacionado à como elas apontam em seu
discurso o que é o corpo normal e o corpo fora da normalidade, o corpo grávido. Para as
autoras Schwengber e Meyer (2011) isso está atrelado à questão atual de que os cuidados

60

corporais funcionam como formas de in-exclusão, tornando-se um lugar de diferenciação e
como práticas reguladoras e normalizadoras, consentindo àqueles que a elas aderem se
sentirem pertencentes à normalidade.
Para uma breve aproximação desses resultados que se apresentam com uma discussão
teórica, destaca-se aqui um tema desenvolvido por Freud em seu texto “O estranho” de 1919.
Retomando o que foi discutido no texto teórico desse trabalho sobre a afirmação de Freud que
o Eu é antes de tudo corporal, o que nos envia a questão do estatuto do corpo; o tema do
‘estranho’ estava relacionado ao recalque, àquilo que deixa de ser familiar e se torna estranho.
Em seu texto de 1919, Freud aproxima o estranho aos complexos infantis recalcados e ao
princípio de onipotência dos pensamentos. O estranho estaria relacionado ao retorno do
recalcado e este ao medo da morte. Como nos diz Montes (2004, p.35):
O medo da morte seria primitivo, mas bastante intenso o suficiente para nos
assaltar quando menos imaginamos. Logo, esta seria uma inquietante
estranheza na medida em que sempre retorna, está sempre atual e não há
possibilidade de ser significada, ficando sempre na categoria do estranho.

Nesse sentido, o estranho aparece como tudo aquilo que não pode ser significado.
Mas, como mencionado por Freud, o estranho é familiar. E aqui aparece a questão do
fenômeno do duplo que faz parte dessa inquietante estranheza e seria a face anunciante da
morte. Saceanu18 (2001) apud Montes (2004), nos fala dessa morte como uma perda de
identidade frente à fragmentação do eu, que nessa situação não aparece como uma unidade.
Para Montes (2004, p.36): “O duplo seria uma vacilação da imagem de si, imagem que tem
sua origem no olhar do outro. A imagem de si comporta estranheza por ter sua origem numa
exterioridade”.
A constituição subjetiva se dá a partir da alteridade, do encontro com o outro por meio
de identificações; a imagem que se compõe e se confunde com a do outro num processo
constitutivo, quando essa imagem de si vacila e não pode ser significada, a estranheza se
manifesta.
Pode-se associar esse fenômeno ao que emerge nos discursos das participantes sobre
essas atribuições ‘diferente e estranho’. Pois elas vivenciam mudanças de forma intensa em
seu corpo, onde muitas vezes não é possível elaborar a tempo a dimensão subjetiva de uma
18

SACEANU, P. O estranho e seus destinos. 2001. Dissertação (Mestrado em Teoria Psicanalítica).
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, 2001.

61

gestação, as mudanças no corpo surgem de forma anterior a isso; deste modo as
transformações de suas imagens corporais se colocam como estranhas.
Sobre isso, Montes (2004, p.36) aponta uma questão interessante sobre a ideia de
continuidade temporal quando diz que: “a vacilação da imagem de si poderia indicar algo da
ordem de uma descontinuidade subjetiva. O corpo e o Eu, igualmente estranhos, não mais se
sobreporiam e perderiam o caráter histórico”. Esse caráter histórico se refere à capacidade de
síntese do eu e à noção de a posteriori, e isso pressupõe uma continuidade no tempo; “o que é
familiar é construído por uma continuidade temporal, já que precisa ser antecipado,
imaginado, fantasiado para pertencer à categoria familiar” (MONTES, 2004, p.37).
Nesse sentido, é importante enfatizar que são experiências diferentes as gestações que
foram planejadas, as que não foram e as que não eram esperadas. Todas as participantes que
relataram o sentimento de que “é estranho estar grávida”, foram aquelas que não esperavam
pela gestação. Abaixo segue alguns recortes:
Laura é uma das gestantes que relata que para ela estar grávida é diferente, que às
vezes se acha estranha e tem medo de não voltar ao seu corpo normal. Diz que no começo não
pensava nisso, mas que agora passou a pensar porque já estava aparecendo as estrias. E
identificando a ambivalência em seu relato, ela diz:
“é um pouquinho diferente né, mas é bom”.
Laura ainda faz referência aos seios que doíam, dizendo que isso é estranho para ela, o
fato dos seios ficarem sempre doloridos. Identifica-se também a ambivalência ao relatar sobre
o que acha das mudanças no seu corpo, diz que é “bom e ruim”, mas prevalece o lado ruim
quando diz que tem medo de ficar gordinha, pois sempre foi “magricela” (“principalmente a
minha barriga”). Conta que está diferente, que está bem mais forte do que era e que
“enlargueceu” mais. Relata que é uma experiência nova e diz:
“eu acho que é assim normal, mas tem vezes que me olhando bem no espelho aí eu fico ‘meu
deus do céu como eu tô ficando diferente’, não era assim... às vezes eu estranho o meu
corpo”.
Através dos desenhos realizados por Laura, pode-se perceber como ela expressa as
modificações em seu corpo. O desenho em que ela expressa como ela se vê no momento atual

62

da gestação aparece bem maior do que o seu desenho antes de engravidar, concordando com o
que é dito por ela na entrevista.
Desenho 1 – Transformações corporais na gestação na percepção de Laura

Antes da gestação

Gestante

Bruna relata em sua entrevista que as modificações surgem a partir do terceiro mês de
gestação; e podemos perceber que mesmo ela significando esse momento como diferente, seu
discurso é de uma gestante que teve a gravidez planejada, não se surpreendendo com as
mudanças:
“no início foi diferente porque mudam muitas coisas no corpo da gente, os seios aumenta, a
aureola fica mais escura... uma transformação total assim do corpo né, da mente também
porque a gente tem que se adaptar com essa ideia... e eu... pra mim é normal, nem parece que
eu estou gestante, já me acostumei mais com a ideia, porque no início as transformações não
vem de imediato, né? Só depois de uns 3 meses é que ocorrem, mas no início a vida
normal...”.
Jaqueline atribui essa significação da gestação como diferente quando faz referência
ao corpo da mulher grávida, onde podemos visualizar mais uma vez a referência à
normalidade:
“Diferente... das normal... é muito diferente...”.
Taís fala que as principais mudanças no seu corpo nessa fase foram a barriga e o rosto,
fala que antes era bem magrinha, mas que só “encheu” um pouquinho de nada e fala que tem
o maior cuidado com a alimentação para não engordar, mas que todo mundo fala que ela
ainda é a mesma, mesmo assim ela duvida: “não sei”. Os desenhos de Taís estão em

63

consonância com o que ela percebe no seu corpo em relação as modificações. Sobre essas
mudanças ela diz que se sente estranha e dá uma justificativa:
“porque... sei lá, você é acostumada a ver você toda né... perfeitinha, [...] de repente sua
barriga dá um pulo, é um peso e ter cuidado pra não ter estrias... aí é chatinho por uma parte
pelo cuidado que você tem que ter também com a sua barriga”.
Desenho 2 – Transformações corporais na gestação na percepção de Taís

Antes da gestação

Gestante

Jaqueline também fala das mudanças no corpo e diz que mudou tudo, fala dos seios,
da barriga, do cabelo, da pele e diz que estava inchando e que engordou 10 kg:
“É ruim porque a pessoa fica gorda (risos), acho estranho, mas é assim mesmo... os seios
fica dolorido também... [...] dói tanto, dói tanto no mundo...”.
Os trechos apresentados concordam com os resultados da pesquisa de Martins (2010) e
Piccinini et al (2008) sobre os relatos de gestantes a partir de suas experiências com as
transformações corporais, consideradas por algumas delas como estranhas, desmedidas,
desconfortáveis, como algo que não se pode ter controle.
Como ilustrado nos recortes acima, algumas falas das gestantes retratam essa
atribuição e diferenciação entre o que consideram o corpo normal e o corpo grávido.
Percebeu-se que essa condição de diferenciação emergiu com mais frequência em seus
discursos quando elas relatavam sobre seu corpo pós-gestação. Alguns recortes:
“eu acho que eu vou voltar logo ao normal, assim né... porque às vezes quando você engorda
muito, exageradamente... realmente é difícil pra você voltar, mas eu acho que se você fica no

64

limite fica mais fácil pra você voltar ao normal né, voltar ao que era antes... porque com
certeza eu acho que a barriga não vai ficar a mesma (risos), mas eu acho que eu volto mais
rápido ao normal, também tem a questão da idade, eu já tenho 30 anos, não sou mais nova
não né... mais velha fica mais difícil, mas eu acho que não vai ficar tão diferente não, não
pode ficar igual... mas diferente demais acho que não” (Paula).
“me sinto normal... se ficar mais gorda, fazer regime pra emagrecer (risos)... não sei, a gente
não sabe né... a gente só sabe que não vai ficar mais ou menos... muitas mulheres voltam ao
corpo normal e outras não, aí eu não sei né se vou voltar ao corpo normal ou não, mas o que
tiver que ser será, eu já me acostumei com essa ideia” (Bruna).
“Pelo que eu já perdi no começo e não aumentei muito o peso, eu acho que eu voltar ao
normal logo” (Joana).
Já Daniela faz referência a isso em sua opinião sobre as mulheres que não querem
engravidar para manter o corpo, ela diz:
“como eu tenho colegas que voltaram ao corpo normal, eu tenho também que não voltou...
mas é como eu te falei, eu acho que é da pessoa... aí vem a alimentação, vem o cuidado com o
corpo... então... não... não me agrada muito não quando falam isso”.
Identificou-se também um discurso em torno do corpo grávido que possivelmente
remete a um estado de doença. Lívia descreve sobre como acha que seu corpo ficará após a
gestação, utilizando a expressão “recuperar” que significa:
1. Ficar de novo saudável, restabelecer-se19.
“se for pensar geneticamente pela família... minha mãe, minha irmã também que já é mãe e
também tá grávida, se recuperou rápido e voltou o corpo rápido, então eu imagino que
também vou voltar rápido, apesar de que a médica acabou de dizer que a minha barriga tá
no tamanho acima do natural, mas eu acho que vou me recuperar...”.
Ainda nesse contexto do corpo normal e o corpo grávido, identificou-se de forma mais
acentuada como o corpo grávido aparece como um corpo que escapa a todos os padrões de

19

Wikcionário.

65

normalidade estabelecidos, mesmo que justamente por essa condição de ser um corpo
grávido. Percebe-se isso no discurso da gestante Priscila quando ela fala sobre as mudanças
em seu corpo, considerando-as uma deformação:
“porque a barriga vai crescendo né... eu me preocupo com isso também... [...] os filhos
sempre vem pra matar a mãe (risos), aí o corpo da gente fica todo... deformado logo no
início... aí minha preocupação tá sendo como eu vou ficar... besteira isso né, mas faz parte
(risos) [...] acaba com a mãe, deixa a gente toda deformada... (risos), é o rosto que começa
logo a sair essas manchinhas né e a barriga que fica bem deformada mesmo. É... muita coisa
que acontece...”.
A partir desse relato da Priscila, podemos identificar também que a relação entre o
período gestacional e as mudanças no corpo são vivenciadas por elas de formas diversas.
Priscila estava no primeiro trimestre de gestação e vivenciava as mudanças em seu corpo
como descrito acima, de forma intensa. Da mesma forma Talita, que também estava no
primeiro trimestre de gestação e falava de sua experiência com o corpo de maneira intensa,
sendo que em seu discurso aspectos mais positivos da gestação foram destacados, o que está
atrelado também à gravidez desejada ou não. Priscila não teve sua gravidez planejada e Talita
diz que sua gestação tinha sido planejada há muito tempo.
Ainda que Priscila falasse das mudanças em seu corpo de forma intensa encontrandose no primeiro trimestre, identifica-se nos seus desenhos que ela expressou de forma coerente
como ela se via naquele momento da gestação (no primeiro trimestre) em comparação ao seu
desenho antes da gestação. Outro aspecto que aparece com frequência em seus relatos é sobre
o corpo grávido como deformado, percebe-se que os dois desenhos apresentam algumas
desconfigurações, mas como isso está presente nos dois, destaca-se que essas expressões não
aparecem em seus desenhos. O que é importante ressaltar aqui é que Priscila também expressa
seu corpo grávido no desenho maior do que o corpo antes da gestação. Isso também é visível
nos desenhos de outras gestantes20.

20

Ver Anexos de B a M.

66

Desenho 3 – Transformações corporais na gestação na percepção de Priscila

Antes da gestação

Gestante

Em decorrência dessas transformações que ocorrem nesse período percebe-se que as
gestantes vivenciam esse momento a partir de sentimentos ambivalentes, bem como
percepções ambivalentes associadas ao seu corpo grávido (MALDONADO, 1985; SOIFER,
1980; PICCININI et al, 2008). Observou-se que afetos mais negativos aparecem
explicitamente sobre a vivência do corpo grávido, ressaltando que há variações de intensidade
de uma para outra participante. Sobre o que Laura acha do corpo da mulher grávida, ela diz:
“Bonito, eu acho... agora o meu não (risos)... outra... que tem aquele barrigão né, é bonito o
corpo”.
Priscila relata sobre o corpo da mulher grávida e pode-se identificar também a
ambivalência em seu discurso:
“não... grávida eu acho normal... a pessoa tá grávida né... o corpo eu acho normal, eu acho
bonito assim... eu achava grávida... no início eu dizia ‘que feio’, depois que eu fiquei grávida
eu achei mais bonito... como era a minha barriga né... [...] porque eu antes eu dizia ‘oxe é
muito feio’ (risos) a mulher grávida... agora não, quando eu me olho no espelho eu acho até
bonita a minha barriga, eu digo ‘tão bonitinha a minha barriga’”.
Aqui se percebe mais uma vez a ambivalência no discurso de Priscila, pois
anteriormente ela relatou que as mudanças em seu corpo deformavam o mesmo. Podemos
considerar que com o decorrer da gestação haja oportunidade de elaboração das mudanças e
experiências negativas sejam transformadas em experiências mais positivas, outro modo de

67

vivenciar a gestação, possibilitando uma reparação de uma possível culpa por não ter desejado
aquele filho. Priscila relata sobre o seu sentimento vendo a sua barriga crescer:
“Logo quando ela começou a crescer eu fiquei meio traumatizada, que eu não tinha a
barriga grande, sempre que eu olho no espelho, me olhava no espelho... ‘meu deus minha
barriga...’ só que agora, todos os dias eu me olho no espelho... pra ver se ela tá durinha
(risos)... mas logo no início eu fiquei meia... que eu tinha sonho... sonhava com gravidez?...
(movimento de negação com a cabeça) aí pra sair eu fiquei meio traumatizada, que tinha
roupa que já... (risos) que a minha cintura não era larga, aí quando eu vesti uma roupa fiquei
meia deformada...”.
Em outro momento da entrevista, Priscila afirma que não está preocupada com as
mudanças no corpo, que depois é que ela irá fazer exercícios para voltar ao corpo de antes e
que a sua única preocupação são os seus filhos:
“... minhas crianças agora pra mim tá sendo tudo, eu tenho o maior cuidado, tenho medo de
cair... morro de medo de levar uma queda... tudo que eu faço, eu faço só prestando atenção...
que eu tenho medo de levar uma queda e perder meus filhos... agora eu não quero de jeito
nenhum. Pra mim tá sendo a minha... a minha alegria”.
Ainda sobre as ambivalências presentes nos discursos das participantes, Paula relata
sobre o que acha do corpo da mulher grávida, ela diz que não acha muito bonito, mas que se
sente feliz por estar grávida. Diz que tem mulher que fica bonita, mas que outras não. Que de
forma geral, não acha o corpo bonito, mas que a gravidez é linda; separando os aspectos
físicos e subjetivos da gestação. Em algumas passagens simples no decorrer da entrevista
também capturamos as ambivalências das participantes; como Joana diz em seu relato que
tem medo de ficar com aumento de peso nesse período e depois da gestação, mas que naquele
momento da entrevista já estava tranquila quanto a isso.
Daniela em sua entrevista nos deixa perceber sua ambivalência quando fala do corpo
da mulher grávida, dizendo que a mulher grávida qualquer roupa que ela coloque fica bonita,
mas em seu relato ela fala da sua insegurança ao vestir uma roupa, pois às vezes não gosta de
uma roupa quando veste e pergunta ao seu companheiro se ficou bom ou não. Taís fala da sua
preocupação com o corpo depois da gestação porque a sua barriga cresceu, mas que ao
mesmo tempo irá sentir um vazio depois que tiver seu bebê. Aqui se percebe que por mais que

68

exista um medo, uma preocupação com o corpo depois da gestação como algumas gestantes
relatam, é importante destacar que com o tempo da gestação elas parecem incorporar as
modificações decorrentes desse período e, em consequência disso, Taís já supõe a falta que irá
sentir da sua barriga, pois é através dessa experiência em seu corpo, de sentir o bebê mexendo
na barriga, que ela percebe esse momento como real.
Jaqueline que está no último trimestre da gestação, também demonstra a ambivalência
desse momento e aponta os desconfortos decorrentes desse período final da gravidez. Sobre o
corpo da mulher grávida diz que acha muito diferente, mas que acha muito bonito pelo fato de
poder gerar uma criança. E fala de si dizendo que sua barriga esticou muito e que está muito
pesada.
“E a gente às vezes tem que esperar em pé, aí fica um peso, aquele peso... assim é bom, mas
não é muito bom não... muito pesada, machuca a coluna e normal não...” (Jaqueline).
5.4 A constituição da imagem do corpo grávido a partir da relação com o outro
Esta categoria tem por objetivo abordar as questões que emergiram nos discursos das
participantes concernentes a relação intersubjetiva, como a relação com seus companheiros
que é muito específica e significativa e a relação com suas mães que se estabelecem nesse
momento para elas como uma referência, seja para aspectos positivos ou negativos da
experiência de estar grávida.
- O companheiro fala das mudanças do corpo: “ele elogia, mas eu não acredito”.
A maioria das participantes quando falam sobre o que seu companheiro pensa das
mudanças decorrentes da gestação em seu corpo, contam que seus companheiros as elogiam,
mas que elas desconfiam desses elogios. Essa questão está associada a uma possível
insegurança que as participantes vivenciam nesse período com relação ao seu aspecto físico
devido às mudanças na gestação, o que corrobora com o estudo de Maldonado (1985) que
relata que algumas gestantes vivem as modificações corporais como deformações e quando
essa vivência torna-se muito intensa, nem mesmo a admiração do companheiro é aceita, elas
suspeitam que exista apenas a intenção de consolá-la. Alguns apontamentos:
Numa fala desconfiada, Laura diz que seu companheiro sempre a diz que está bonita,
mas que ainda assim ela fica com “coisa na cabeça”. Fala que o chama de mentiroso e que

69

quando ele diz que ela está bonita por estar mais forte e fofinha, ela diz que ele a está
chamando de gorda.
Paula diz que o seu companheiro fala que ela está linda e que de forma irônica ela diz
que “está bonita mesmo”. Diz que fala para ele que a sua barriga está muito feia, mas que ele
discorda dela dizendo que a sua barriga está linda. Relata da sua dificuldade para vestir uma
roupa que fique boa nela, mas reafirma que ela acha feio essa transformação na barriga e
conta que o homem geralmente acha mais bonito. Paula diz que acha a gestação bonita, mas
dizer que é linda como o seu marido afirma, ela diz que é um exagero.
Percebe-se essa possível insegurança também no relato de Daniela. Ela conta que o
companheiro engravidou junto com ela e que no momento em que soube da gestação foi a
mesma emoção para ele. Fala ainda que as mudanças no corpo foram esperadas tanto por ela
quanto por ele e que, por isso, tem o apoio dele. Diz que o seu companheiro não se incomoda
com as mudanças no corpo dela. Mas, Daniela conta que sempre tem dúvida ao vestir uma
roupa e recorre sempre à opinião do companheiro para saber se a roupa ficou boa nela, mas
ele sempre diz que ela está linda.
Jaqueline fala da sua preocupação em ficar gorda e diz que o seu companheiro não liga
para as mudanças no seu corpo, mas que às vezes ele a chama de “bolotinha” e gordinha e,
nesse caso, ela diz para ele que isso é normal e que depois ela volta ao normal.
- A mãe como referência dessa experiência de estar grávida
Nesse item podemos identificar que os relatos das gestantes estão mais vinculados à
vivência do corpo grávido, a mãe aparece aqui como um espelho onde elas podem visualizar e
fazer alusão a como seus corpos estão nesse período, comparando-o com o que se sabe do
corpo da mãe quando foi gestante, e percebem também uma possível identificação de como
seus corpos vão ficar após a gestação, pelo que elas têm hoje como referência, que são os
corpos de suas mães. Além disso, aparecem algumas referências a comentários de suas mães
acerca das transformações que estão ocorrendo em seus corpos. Nesse sentido, aparecem tanto
as referências negativas - “minha mãe engordou muito na segunda gestação” - como as
positivas – “minha mãe se recuperou rápido, voltou ao corpo rápido”. Algumas falas:
Laura conta que sua mãe achou estranho como as modificações no seu corpo foram
aparecendo logo de início, fala que com um mês já tinha barriga e que seus seios doíam,

70

dizendo que isso é estranho para ela porque fica todo dolorido. E sobre o seu corpo depois da
gravidez, diz que não sabe se vai voltar ao normal, mas acredita que ao normal mesmo como
era antes não irá voltar, pois seu corpo está muito modificado (mais largo). Laura relata como
acha que o seu corpo vai ficar depois da gestação:
“Às vezes eu fico mal... sei lá eu fico... que a minha mãe na primeira gravidez dela ela não
ficou forte não, ficou normal... mas da segunda em diante ela engordou bastante, aí eu tenho
medo... (risos) de ficar também né, né? Forte... principalmente a minha barriga... um
complexo com barriga né”.
Para Lívia a referência do corpo após a gestação, encontra-se na sua mãe e na sua irmã
e diz que pensando geneticamente pela família acredita que vai se recuperar rápido e voltar ao
corpo rápido, mesmo depois da médica ter dito para ela que a sua barriga estava acima do
tamanho natural.
Jaqueline faz referência à sua mãe descrevendo o discurso que a mesma apresentava
para ela sobre o fato dela ter engravidado. Conta que a sua mãe dizia para ela que ela iria se
arrepender e que iria ficar feia. Mas, para Jaqueline, apesar das suas preocupações com o seu
corpo, ter conseguido engravidar sobrepõe-se a tudo isso.
“pra mim... como é... foi uma benção que veio agora, que eu nunca imaginei que fosse
engravidar..., eu fico... isso aí eu não me preocupo não... isso aí eu tô despreocupada... Eu
tava sentindo... as mudanças no corpo... as roupas não dão... Mas eu não me arrependo
não”.
Dentro desse tópico, Joana aparece como uma exceção sobre essa questão da figura
materna como referência. Para ela, a referência do pai é que surge em seu relato, quando fala
da sua preocupação com o ganho de peso nesse período da gestação e de como seu corpo irá
ficar após a gestação, pois seu pai é obeso e, em decorrência disso, ela tem muito medo da
obesidade:
“Meu único medo é esse mesmo de ficar que nem meu pai”.
A partir desses relatos pode-se perceber como tudo aquilo que é significado pelo outro
sobre nós mesmos nos movimenta e nos constitui, a constituição subjetiva, já dizia Freud, se
dá pelo encontro com o outro. Nesse sentido, todos os discursos provenientes daqueles que as

71

rodeiam compõem-se como fundamentais para a forma como elas vivenciam a gestação de
uma maneira geral. O olhar do outro aparece como constituinte da autoimagem
(FERNANDES, 2011). Como nos diz Ceccarelli (2011, p.8) “a imagem que construímos do
nosso corpo é tributária do olhar de quem nos deu vida psíquica: a imagem do corpo, aspecto
fundamental da construção identitária, é marcada pelo olhar do Outro”. E essa referência que
o outro tem delas mesmas, também as preocupam, percebe-se isso através de alguns relatos
das gestantes de como elas vivenciam essa visibilidade do corpo grávido.
Lívia conta que antes de engravidar ficava se olhando no espelho e pensando como
seria, se iria ficar legal e se o marido ainda iria continuar gostando dela do mesmo jeito. Mas
diz que hoje quando se olha no espelho ainda se acha bonita, que não mudou muita coisa e o
que mudou está achando bom.
Taís fala que as principais mudanças no seu corpo nessa fase foram a barriga e o rosto.
Fala que antes da gestação era bem magrinha, mas que só “encheu” um pouquinho de nada e
fala que tem o maior cuidado com a alimentação para não engordar, mas que todo mundo fala
que ela ainda é a mesma, e ela duvida do que as pessoas falam sobre as modificações em seu
corpo que mesmo grávida, ela continua a mesma, só a sua barriga que cresceu.
Jaqueline fala dessa sua preocupação com o olhar do outro quando faz menção as
estrias, diz que acha muito feio e se questiona como será para usar um biquíni na praia e
mostrar o corpo ao marido depois da gestação, conta que sentirá um pouco de vergonha. Para
Paula essa preocupação se revela quando afirma que a gravidez é linda, mas o corpo grávido
não e relata que fica com medo de mostrar a barriga quando vai por uma roupa.
Aqui percebemos a importância do outro na imagem de si. São falas referentes ao que
é dito sobre o corpo grávido; um elogio, um comentário, uma crítica, e o próprio olhar da
gestante sobre o seu corpo e também falas através de quando se olham no espelho. Todos
esses discursos, olhares e referências que se estabelecem nas relações são constituintes de
como elas se relacionam com seu corpo grávido.
Como nos diz Montes (2004, p.16):
O outro – representante do mundo externo na medida em que significa os
objetos – dá consistência à imagem do bebê humano, qualificando esse bebê
de acordo com seu desejo e isso possibilita, entre outras coisas, que o sujeito
construa um discurso sobre si.

72

Costa (2005, p. 73) nos diz que a identidade egóica é modelada pela imagem corporal
que acata a demanda do outro:
O outro – pais, adultos significativos figuras culturais – atribui ao sujeito
uma completude física, emocional e moral proporcional à sua fantasia de
perfeição e exige em troca a submissão a este ideal. Uma vez preso na
montagem, o sujeito usará sua imagem corporal para sustentar o interesse do
outro por si. [...] O eu, pelo resto da vida, tenderá a fazer da imagem corporal
a moeda de troca na transação com o outro idealizado.

Enfim, a relação com o corpo grávido é uma experiência para além da vivência
estritamente individual da gestante, na medida em que envolve e inclui as pessoas que
compõem sua rede relacional. Neste sentido, pode-se retomar a ênfase de Winnicott de que a
constituição da subjetividade é indissociável do ambiente.
5.5 O corpo inimaginável pós-gestação
Esta categoria tem por objetivo apresentar os relatos das participantes em torno de um
discurso sobre como elas achariam que o seu corpo iria ficar após a gestação. Algumas
gestantes tiveram dificuldade em expressar como isso estava sendo imaginado por elas e
colocaram que até evitavam pensar sobre isso porque os pensamentos estavam voltados para
aspectos negativos desse momento pós-gestação, e algumas nem conseguiram falar sobre isso
no momento da entrevista.
Priscila sobre seu corpo depois da gravidez:
“Meu corpo... não sei... mas acho que não vai ficar bem não... acho que eu vou engordar...
porque quase todo mundo que eu conheço, engorda... depois... emagrece, mas isso é depois
de 6 meses... mas logo no início eu acho que eu vou ficar bem cheinha viu, meu corpo vai
ficar bem deformado mesmo... (risos), nem sei de que jeito eu vou ficar... eu nem imagino, eu
nem tento imaginar muito isso... fico só pensando ‘meu deus como é que meu corpo vai
ficar?’”.
Laura em seu relato diz que não sabe se vai voltar ao seu corpo normal após o
nascimento do bebê, mas acredita que como era antes não irá ficar, pois seu corpo está muito
modificado. Relata que às vezes fica mal com isso, pois tem a mãe como exemplo de que
depois da segunda gravidez dela engordou bastante, e ela tem medo que isso aconteça com ela
e dá ênfase mais uma vez ao receio de que a sua barriga fique muito diferente.

73

Sobre o seu corpo depois da gravidez, Daniela diz:
“nem penso em falar sabe, porque assim... eu sempre fui uma pessoa forte... então... forte
assim né... cheinha... mas não... não passou ainda não pela minha cabeça não, como eu tô
curtindo muito a minha gravidez... então depois é uma coisa que eu vou analisar direitinho,
vou me cuidar lógico [...] pra falar a verdade eu nem tô pensando depois da gravidez. Depois
que eu engravidei, pronto... tô muito paralisada assim na minha gravidez”.
Para Ingrid, sobre o seu corpo depois da gravidez, conta que irá ficar um pouquinho
forte, mas diz que irá fazer de tudo para voltar ao seu corpo de antes, mesmo achando que irá
fica inchada, mas diz que não bota isso na sua cabeça. Bianca também se coloca de forma
semelhante, diz que nem pensou nisso ainda, mas que vai ficar “com o couro mole na
barriga”, e que por isso prefere nem pensar nisso. Mas, ao mesmo tempo, fala que está ansiosa
para saber como ela vai ficar, e se auto conforta dizendo que não engordou muito e que por
isso nem tem muito que ficar feio, com exceção da sua barriga.
Percebe-se que imaginar e falar sobre o corpo pós-gestação remete a uma abstração
maior em relação ao futuro, que é diferente da concretude da experiência presente,
expressando-se na dificuldade de falar sobre isso. Identifica-se também que os seus relatos
remetem aos receios em relação ao que ainda não se conhece, bem como a uma nova
produção de sujeito - a mulher-mãe - um novo corpo se apresenta após o nascimento do bebê;
corpo esse que está acometido de novas modificações, onde não mais existe ali uma condição
de gestação para justificar as transformações; será um corpo que carrega em si suas histórias e
suas marcas da experiência de ser mãe.
Como nos aponta Maldonado (1985) em seu estudo, onde relata que as modificações
corporais no período da gestação torna-se um dos maiores medos relacionados à gravidez
pelas mulheres, o medo da irreversibilidade, de não voltarem ao corpo de antes.
5.6 A capacidade de gerar uma vida dentro de si: repercussões positivas da vivência
corporal da gestação
Aspectos mais positivos na experiência de estar grávida foram relatados de uma forma
geral pelas gestantes, ainda que esses sentimentos tenham surgido meses após a descoberta da
gravidez e sempre relacionados aos aspectos mais subjetivos da gestação. Aspectos que estão
relacionados a essa experiência como uma capacidade de gerar uma vida dentro de si, do

74

próprio corpo, uma potência que é genuinamente da mulher. Como foi dito por Talita, Laura,
Taís, Bianca e Jaqueline. Alguns recortes:
“É bom né, saber que eu vou ter um filho. Saber que dentro de mim eu tô gerando uma vida”
(Talita – Como é estar grávida).
“Eu acho bonito. De repente você tá ali gerando uma vida dentro de você, você teve essa
capacidade de chegar a esse ponto, tanta mulher não pode ter, como eu mesma que não
achava que ia ter mais filho” (Talita – Sobre o corpo da mulher grávida).
“é uma coisa única que só a mulher pode sentir pelo fato de ter uma outra vida dentro dela,
então pra mim... eu tô amando” (Taís – Como é estar grávida).
Outro aspecto relatado pela maioria das participantes é que ainda que a gestação possa
trazer experiências relacionadas a sentimentos negativos, o sentimento positivo associado ao
fato de estar grávida prevalece sobre isso, ou melhor, prevalece sobre todas as outras coisas
no sentido de que o bebê passa a ser a coisa mais importante nesse momento. Gostaria de
situar aqui exemplos desse aspecto que estão relacionados à forma como as gestantes
vivenciam essa experiência. Inicialmente, sobre aquelas que tiveram a gravidez planejada,
como é o caso da Paula, Bruna e Ingrid. Um recorte:

Ingrid relata sobre os enjoos decorrentes da gestação nos primeiros três meses, diz que
ficou muito mal e fez referência que a sua gravidez parecia doença, pois perdeu peso por não
conseguir comer e sempre vomitar quando comia. Apesar dessas circunstâncias quando
questionada sobre o que ela achava das mudanças em seu corpo, ela diz:
“Ah, eu acho legal... porque né a primeira vez né, aí tô curtindo (risos), é novo né, novidade
né, mas num tô... Tô feliz (risos)”.

E sobre o seu sentimento vendo a sua barriga crescer:
“Ah, adorando (risos) adorando mesmo. Tô Gostando. Ah, assim né... que eu imagino logo,
que eu sei que tá crescendo porque ele tá crescendo também né, ai eu fico feliz né, que tá lá
forte e crescendo (risos)”.

75

Sobre se a sua vida mudou desde a gravidez, percebe-se que mesmo com os
desconfortos iniciais da gestação, Ingrid apresenta em seu relato uma perspectiva positiva,
característica que é peculiar de muitas mães, podendo se associar ao que Winnicott denomina
de preocupação materna primária, nas palavras de Ingrid “aquele sentimento de mãe”:
“Mudou, muita coisa. Acho que aquele sentimento de mãe já né, qualquer coisinha fica...
assim também o meu comportamento né, qualquer coisa eu fico logo sensível, não posso ver
nada que dá vontade de chorar (risos) se eu ver ou ouvir alguma coisa... é assim”.
E sobre aquelas que queriam engravidar, mas não conseguiam ou não podiam por
problemas de saúde, os aspectos negativos que elas relataram da gestação ficam claramente
em segundo plano. Talita que nem esperava mais ficar grávida conta que não se importa com
as mudanças no corpo, que ela estar grávida está sendo uma benção e que se ela ficar
gordinha resolve isso depois.
Daniela também vinha planejando engravidar a certo tempo, mas relata que não
conseguia por conta da sua ansiedade, que fez tratamento para engravidar e não teve
resultado, só depois é que engravidou. E relata que se sentiu a mulher mais feliz do mundo
quando soube da notícia. Sobre o que ela acha das mudanças no corpo, ela diz:
“Como já era uma coisa tão esperada pra mim, tá sendo maravilhoso... é como eu disse, a
única coisa diferente que me incomoda tanto na saúde e no caso de ser mulher né é só as
minhas pernas, que é as varizes... só... mas em termos de seios, barriga... tô me cuidando
lógico... pra não ficar com estria na barriga, não ficar com estria nos seios tanto... mas a
única coisa que eu digo assim... o ponto negativo da minha gravidez é só a questão das
minhas varizes”.
Jaqueline relata que acha ruim a mudança em seu corpo porque ela fica gorda e os
seios doloridos, mas isso fica em segundo plano quando ela fala sobre estar grávida:
“... foi uma benção que veio agora, que eu nunca imaginei que fosse engravidar...’, eu fico...
isso aí eu não me preocupo não... isso aí eu tô despreocupada...” (sobre as mudanças
corporais).

76

Para Bianca a dita impossibilidade de engravidar anteriormente também fez com que
os aspectos negativos em sua opinião não interferissem nesse momento que foi tão esperado
por ela:
“o meu corpo modificou só a barriga mesmo, porque eu não inchei nada, perdi peso... e os
seios... a não ser as bendita estria que tomou conta da minha barriga (risos)”.
“Ah eu não gostei muito não dessas estrias não (risos), mas a minha barriga crescer? É
linda! (risos). Eu gostei muito dessa modificação de a barriga crescer”.
Sobre as gestantes que não tiveram sua gravidez planejada, percebe-se que há uma
dificuldade de falar dos aspectos positivos da gestação e o que elas enfatizam são as
mudanças não esperadas em seu corpo.
Laura enfatiza em seu relato sua preocupação com as modificações no corpo, ao
mesmo tempo em que se sente feliz por ter engravidado, pois achava que não poderia mais
engravidar por não estar se prevenindo há certo tempo e não ter engravidado até aquele
momento. E conta que antes jamais pretendia engravidar para não perder a sua forma, mas
que depois de ter engravidado passou a pensar diferente, que pensa mais no bebê, em cuidar
dele e querer o bem do filho.
Para Taís a questão do corpo também é enfática e diz que antes era acostumada a se
ver toda “perfeitinha” e que de repente sua barriga “deu um pulo”. Quando questionada sobre
como ela se sentia vendo a sua barriga crescer, ela respondeu de imediato:
“esperando a hora de eu tá magrinha de novo (risos)”.
É interessante em seu discurso que mesmo que essa questão do corpo esteja mais
presente, ela relata a gestação como uma oportunidade única e que só a mulher pode sentir.
Priscila é quem fala de forma mais intensa sobre seu desconforto com as mudanças no
corpo e diversas vezes aparece em seu discurso a referência ao corpo grávido como um corpo
deformado e depois frisa que não se preocupa com isso que suas crianças nesse momento para
ela estão sendo a sua alegria.
Entendemos que, dessa forma, o desejo por esse filho faz com que as gestantes
encarem todos os custos de uma gestação. Mesmo aquelas gestantes que não tiveram a

77

gravidez planejada, que falam de maneira mais acentuada sobre os aspectos negativos, em
algum momento pode-se capturar em seus relatos pontos positivos dessa experiência.
5.7 A amamentação em prol da saúde do bebê
Essa categoria foi criada com o objetivo de dar destaque a um elemento considerado
tão importante para a constituição da relação mãe-bebê, a amamentação. Durante a gestação, a
amamentação se coloca como uma possibilidade de experiência futura que envolve
expectativas diretamente relacionadas ao corpo da mãe. Que também nos fala da importância
do tempo que é necessário durante a gestação para algumas elaborações sobre essa vivência,
pois mesmo aquelas que não planejaram engravidar e que relataram aspectos mais negativos
desse processo pretendiam amamentar. Na entrevista, as gestantes eram questionadas sobre o
seu desejo de amamentar e se elas pretendiam amamentar os seus bebês, com o intuito de
investigar como elas estavam se relacionando com essa possibilidade. Levando em
consideração que na amamentação há uma grande fusão corporal entre mãe e bebê, podendose afirmar que nesse momento o corpo da mãe não pertence só a ela, os sentimentos e
expectativas da mãe em relação a amamentar são muito relevantes e podem expressar o
desenvolvimento da “preocupação materna primária”, denominada por Winnicott e já
discutida no texto teórico desse trabalho.
Winnicott (1982-2012) nos fala que a alimentação do bebê é uma questão de relação
mãe-filho, que se caracteriza como o ato de pôr em exercício a relação de amor entre dois
seres humanos, e afirma que é esse vínculo afetivo entre a mãe e o bebê que se deve
desenvolver de forma satisfatória se for pretendido que a alimentação materna ocorra bem. Se
essa relação se desenvolve naturalmente, então não se faz necessário quaisquer técnicas
alimentares; os dois juntos (mãe e bebê) sabem melhor o que está funcionando de forma certa
do que qualquer pessoa estranha. Winnicott afirma: “Todo o processo físico funciona
precisamente porque a relação emocional se está desenvolvendo naturalmente” (1982-2012,
p.33).
Todas as gestantes responderam que pretendiam amamentar e o que emergiu como
interessante em algumas justificativas foi o fato de que a escolha por querer amamentar está
voltada apenas porque se estabelece como algo fundamental para a saúde do bebê. O que
chamou a atenção foram as palavras e os termos utilizados por elas, dando a impressão de ser
um discurso imbuído por orientações de profissionais da área da saúde que trabalham com a

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promoção da amamentação. A amamentação apoiada no discurso médico e, muitas vezes,
prescritivo se distancia da ideia do cuidado materno baseado na espontaneidade da mãe a
partir do desenvolvimento da preocupação materna primária. Antes de apresentar alguns
recortes, destaco aqui uma citação de Winnicott (1982-2012, p. 36) propícia a esse
apontamento:
Por outras palavras, a única base autêntica para as relações de uma criança
com a mãe e o pai, com as outras crianças e, finalmente, com a sociedade,
consiste na primeira relação bem-sucedida entre a mãe e o bebê, entre duas
pessoas, sem que mesmo uma regra de alimentação regular se interponha
entra elas, nem mesmo uma sentença que dite que um bebê deve ser
amamentado ao peito materno. Nos assuntos humanos, os mais complexos
só podem evoluir a partir dos mais simples.

Segue agora alguns recortes desses discursos:
“Pra o bebê né... quanto mais ele ficar saudável melhor, né?” (Laura).
“porque é importante né pra criança, pro bebê... pelo menos até 6 meses... que é o que mais
conta né” (Joana).
“quanto que eu sei que é saúde né pra criança... e a alimentação adequada pra ela”
(Daniela).
“Porque é importante e... e assim né... eu acho que é o certo né, pra ficar forte o bebezinho
com o leite materno mesmo” (Ingrid).
“Porque é importante né a amamentação, fica mais saudável o neném com a amamentação”
(Bianca).
Paula insere em seu relato outro elemento além da importância e das defesas que o
leite materno irá proporcionar ao bebê, ela conta que um dos motivos em também optar por
dar de amamentar é pela economia do leite.
Bruna é a única entre as gestantes que afirma que pretende amamentar porque além de
ser muito importante para o bebê, é importante também para a mãe que está amamentando.
Lívia e Priscila também pretendem amamentar e seus relatos estão direcionados de forma
mais significativa com o cuidado amoroso dos bebês:

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“cada coisa que eu puder fazer por ela... eu vou fazer. [...] espero que ela amamente tudo
direitinho [...] eu quero fazer tudo que eu puder fazer por ela... eu faço... tudo. Enquanto eu
puder participar de cada etapa mesmo, melhor ainda” (Lívia).
“pretendo amamentar porque... eu acho que vou ter leite demais né, espero que sim, espero
poder amamentar meus filhos, então dois... (risos) tenho que cuidar dos dois... diz que
criança gêmea tem que ter bastante cuidado né... eu pretendo amamentar...” (Priscila).
Jaqueline diz que não sabe como é que amamenta, mas que quer sim aprender para
poder dar de amamentar, e quer saber como é a sensação, pois todo mundo diz que é boa
porque além de você gerar um filho na barriga você pode ter essa experiência de amamentar.
Taís relata que pretende amamentar por ser bom para a criança, mas acrescenta uma
característica que não foi mencionada por nenhuma das gestantes:
“porque amamentar é bom pra criança também, mesmo que seja um incomodo pra mãe, mas
não devemos pensar na gente e sim na criança, no que a gente tá passando pra ela” (grifo
meu).
A partir desses últimos recortes, entende-se que as participantes falam de forma mais
cuidadosa da amamentação como uma experiência muito específica e particular da relação
mãe-bebê, fazem alusão à constituição da preocupação materna primária, na medida em que
demonstram estarem mais implicadas nesse processo, e não apenas realizar uma tarefa por ser
socialmente apresentada como um dever de toda mãe.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo investigar como as gestantes vivenciam a
experiência com o corpo grávido. Percebemos que, através do recorte da pesquisa sobre o
corpo grávido, abordar essa questão levando em consideração todo o entorno desse momento,
contextualizando suas vivências desde o planejamento por esse filho ou não, possibilitou-nos
compreender de forma mais ampla as questões que emergiram a partir dos seus relatos.
Categorias foram elaboradas com o intuito de agrupar o que surgiu de comum às falas
das participantes e, quando da existência, foram apresentadas também as falas que se
diferenciavam do comum.
Na categoria ‘Experiências corporais a partir da gestação’ foi possível visualizar o que
as gestantes apresentaram em seus discursos sobre a sua relação com um corpo que estava
sendo modificado pela gestação. Nesse sentido, os aspectos mais descritivos dessa experiência
foram mencionados como os enjoos e as dores – experiências negativas – e a experiência de
sentir o bebê mexendo na barriga – considerada por elas uma experiência positiva.
‘Do corpo “normal” ao corpo grávido: narrativas sobre corpos transformados pela
gestação’ é uma das categorias que está diretamente relacionada à discussão em torno do
corpo grávido e as decorrentes modificações da silhueta e imagem corporal. Os discursos
apresentados foram a partir de como elas percebem as transformações decorrentes da
gravidez, como elas fazem referência ao corpo antes da gestação – o corpo dito “normal” – e
o corpo grávido, bem como as ambivalências que se instauram durante esse processo.
A terceira categoria ‘A constituição da imagem do corpo grávido a partir da relação
com o outro’ também remete diretamente à questão do corpo grávido. Nesse aspecto, foram
abordados os relatos das gestantes sobre o que elas percebiam a partir das suas relações
intersubjetivas, seja com o seu companheiro, com sua mãe, seu pai, a família de um modo
geral, amigos, etc., discursos referentes ao que elas estavam vivenciando; tanto a experiência
da gestação de um modo geral, como os aspectos relacionados às transformações no corpo.
A categoria ‘O corpo inimaginável pós-gestação’ aborda questões concernentes ao
corpo, mas um corpo que é impensável para as gestantes, o corpo pós-gestação. Nesse ponto,
aspectos negativos são relatados por elas quando se referem a esse corpo após o nascimento
do bebê e, para algumas, pensar sobre isso se apresenta como algo angustiante, pois elas

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dizem que não conseguem nem se imaginar – aspectos físicos - após a gestação. O que
podemos identificar aqui é o receio em torno desses relatos, sobre aquilo que ainda não se
conhece e que remete a uma abstração que parece aguçar a angústia. O que se sabe é que o
corpo na experiência presente encontra-se modificado; o que vem para além disso, por vezes,
é inalcançável.
‘A capacidade de gerar uma vida dentro de si: repercussões positivas da vivência
corporal da gestação’, essa categoria agrupa os apontamentos referentes à como as gestantes
atribuem de forma significativa e positiva a experiência da gestação, destacando-se o corpo
como o lugar e espaço onde esta experiência é possível. Ainda que seus relatos estejam
permeados pelos aspectos negativos, como as transformações corporais indesejadas, as dores,
os enjoos, os desconfortos, etc, a experiência de abrigar o bebê no próprio corpo é carregada
de afetos positivos.
A última categoria ‘A amamentação em prol da saúde do bebê’, destaca como a
questão do ‘ser mãe’ emerge, evidenciando os aspectos subjetivos da maternidade de forma
unânime para as participantes. Mesmo que possamos perceber nos relatos de algumas o
resquício de um discurso em prol da amamentação como algo que aparece como um dever da
mãe, como nos diz Nakano (2003, p. 358) problematizando essa discussão em seu trabalho
“Amamentar é condição emblemática de ser uma boa mãe”. No entanto, percebemos também
que nesse ponto é possível identificar as subjetividades maternas que se constituem, a
preocupação materna primária que se desenvolve e se expressa através da disponibilidade de
oferecer cuidados ao bebê (WINNICOTT, 1956-2000).
Em linhas gerais, a partir da discussão realizada sobre os resultados, é possível tecer
algumas considerações sobre as questões suscitadas anteriormente, destacando que são
apontamentos muito pertinentes nos dias de hoje. A escolha pelo estudo do corpo grávido nos
insere numa dimensão onde os discursos atuais são atravessados por valores e padrões
estabelecidos culturalmente de uma vivência do culto ao corpo. No entanto, percebeu-se que
ainda que as gestantes não falassem de forma enfática sobre esse culto ao corpo, isso se
sobressai em seus relatos quando relacionados a um suposto padrão de normalidade, o que foi
apresentado e discutido na categoria sobre o corpo normal e o corpo grávido.
Outro ponto considerado importante na pesquisa está relacionado ao período
gestacional das participantes. Nos critérios de seleção das participantes não foi delimitado o

82

período gestacional, mesmo tendo como foco a questão do corpo e, consequentemente, as
modificações decorrentes por conta da gestação que aparecem mais a partir do segundo
trimestre. Essa medida foi considerada importante visto que as gestantes dessa pesquisa
encontravam-se distribuídas no primeiro, segundo e terceiro trimestre de gestação e puderam
falar de suas experiências a partir do que vivenciavam naquele momento. Nesse sentido,
pode-se identificar que o período gestacional diferencia a experiência, na medida em que o
tempo da gestação é um aspecto que pode possibilitar a elaboração das mudanças decorrentes
da gestação.
Mas, outro aspecto concernente ao período gestacional é que, em certa medida, as
gestantes parecem vivenciar as transformações corporais independentes do período
gestacional em que se encontram. Percebeu-se isso, principalmente, devido as gestantes do
primeiro trimestre que relataram suas transformações de forma intensa, uma delas atribuindo
ao seu corpo um aspecto de deformidade e a outra fazendo referências ao aumento dos seios e
as roupas que não cabiam mais nela. São relatos que se fossem lidos sem conhecimento do
período da gestação, poderiam ser identificados facilmente como de uma gestante do segundo
ou terceiro trimestre de gravidez. Isso sugere que a experiência com o corpo está mais
vinculada ao contexto do significado da gravidez do que a dados objetivos na realidade.
A gravidez planejada, a não planejada e a gravidez que veio de forma inesperada
porque não se podia engravidar por problemas de saúde, apareceram como elementos que
diferenciaram a experiência da gravidez e do corpo grávido. A gravidez planejada carrega em
si aspectos afetivos mais positivos; o desejo estaria na base da capacidade de se identificar
com o bebê e desenvolver preocupação por ele. Isso aparece na percepção que se tem da
barriga crescendo, significando que o bebê cresce, tornando-se uma pessoa e preparando-se
para nascer. Nesse sentido, as mudanças corporais surpreendem mais as mães que não
planejaram a gravidez, pois todas estas relatam que vivenciam essas modificações com
estranhamento.
Faz-se importante destacar que mesmo no contexto dos discursos sobre o corpo
grávido girando em torno de preocupações, medo, angústias, incômodos, imperfeições, etc.,
percebe-se que a dimensão subjetiva e relacional da maternidade é muito enfatizada pelas
participantes. Principalmente quando relacionadas aos cuidados com o bebê, proteção,
alimentação, etc. O que corrobora com o estudo de Brazão (2011, p. 96), quando também
aponta que: “Nesse processo, seus corpos, sim, tinham um lugar em meio a tudo isso, mas

83

eram apenas parte de toda a dimensão daquilo que estavam vivenciando”. Desse modo,
entendemos que esse aspecto se apresenta como fundamental para a constituição subjetiva da
maternidade, apesar da ambivalência em seus discursos sobre os aspectos físicos e subjetivos
da gestação, percebeu-se que com o decorrer do tempo produz-se uma subjetividade mais
integrada, capaz de desenvolver o que Winnicott denomina de preocupação materna primária.
Um fator que chama atenção para os resultados, é que a maioria das gestantes, com
exceção de duas, tinha relação estável com o pai do bebê. O que nos sugere que isso também
possa ter influenciado para que experiências iniciais negativas fossem amenizadas e que
alguns fatores positivos fossem se sobressaindo no lugar das adversidades vivenciadas
inicialmente. Tanto em relação às vivências gerais da gestação quanto em relação ao corpo,
pois todas as gestantes atribuíram pontos positivos aos seus companheiros sobre o que eles
relatavam das mudanças em seus corpos, ainda que para elas isso se apresentasse em tom de
desconfiança. Desse modo, isso pode ter possibilitado uma maior sensação de segurança
quanto à constância conjugal e, devido a isso, alguns receios diluíram-se. Como diz
Maldonado (1985, p.25): “As atitudes do marido em relação à mulher grávida contribuem
imensamente para sua aceitação ou rejeição da gravidez, para a maneira como vai vivenciar
uma série de outras modificações como, por exemplo, as alterações do esquema corporal”.
Outra questão suscitada a partir desse estudo, de maneira mais geral, foi sobre o
discurso das gestantes com relação aos cuidados com elas mesmas. Foi interessante perceber
como elas atribuíam a si mesmas a responsabilidade pelos cuidados dos seus corpos, deixando
claro que cada uma era responsável pelos devidos cuidados que deveriam ter com os mesmos.
Sugerindo que as únicas responsáveis para voltarem para o corpo “normal” e mantê-lo como
assim desejarem, são elas mesmas. O resultado disso é uma ênfase no esforço individual de
cada uma, determinação para seguir a dieta, fazer exercícios, ir à academia, etc. De todos os
métodos possíveis para voltar ao corpo de antes, apenas uma faz referência à utilização de
remédio para emagrecer e, as que fazem referência aos métodos cirúrgicos se dizem não
coniventes com os mesmos. Uma delas faz menção à sua condição financeira, dizendo que
não tem condições de arcar com as despesas desses métodos cirúrgicos, mas que mesmo que
tivesse ela não adotaria. Através desses discursos percebemos também que esse cuidado com
o corpo pós-gestação irá acontecer com o tempo, sem intervenções imediatas para resultados
instantâneos. Nesse sentido, há uma conformidade nos relatos de que as transformações
acontecem, mas os resquícios das mesmas dependem do cuidado e do tempo. Mantêm-se aqui

84

a ideia de um corpo ideal, desejado por ser considerado normal. Além disso, as falas remetem
a argumentos prescritivos e até morais no sentido do dever e da obediência à norma.
É necessário considerar que utilizamos os desenhos como um suporte para os relatos
das participantes, outra maneira de expressar as vivências com o corpo grávido. Por vezes,
nos auxiliaram para constatações do que foi dito por elas, percebemos que não houve
contradições em seus relatos com os desenhos, o que apareceu é que algumas relataram não
conseguirem expressar exatamente como se viam em determinados momentos (antes e
durante a gestação). Como, por exemplo, quando diziam que seu desenho estava muito feio,
mas que para ela, ela não estava daquele jeito (feia como o seu desenho). Desse modo, os
desenhos se mostraram consonantes com as falas e interessantes instrumentos de investigação.
Destacamos alguns apontamentos suscitados na pesquisa que podem ser sugeridos
para novos estudos. Os resultados sugerem que se pense a maternidade como uma
possibilidade de uma reconstituição psíquica, na qual antigas vivências são revividas para
possibilitar o surgimento de um novo sujeito. Uma outra questão que se daria a partir de um
estudo longitudinal e está relacionada a constituição da subjetividade materna em decorrência
dessas questões emergentes na cultura sobre o culto ao corpo e as transformações corporais da
gestação, como as questões que vimos nesse estudo possibilitam ou não um desenvolvimento
favorável de constituição psíquica materna e consequentemente, as implicações para a relação
mãe-bebê.
Por fim, as contribuições da psicologia nessa temática estão voltadas para as
possibilidades de além da compreensão do que ocorre e do que se diz sobre o fenômeno da
gestação, minimizar os possíveis sofrimentos decorrentes das ambivalências e contradições
desse processo, bem como possibilitar um lugar de escuta para as idiossincrasias de um
momento tão peculiar quanto à gestação. Em certa medida, essa pesquisa possibilitou um
espaço de escuta para as participantes falarem de questões que por vezes não encontram
espaços de serem verbalizadas.

85

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APÊNDICES

91

APÊNDICE A – Roteiro de Entrevista Semiestruturada com as gestantes
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA COM AS GESTANTES
Data da entrevista:
Informações iniciais e dados sociodemográficos
Nome:
Idade:
Endereço:
Telefone:
Estado Civil:
Escolaridade: (até que série estudou?)
Você trabalha? O que você faz?
Com quem você mora?
O pai do bebê mora com você? Há quanto tempo? Há quanto tempo estão juntos? Como ele se
chama? Qual a idade dele? O que ele faz?
Qual a renda mensal da família?
Sobre a gestação e o bebê
Com quantos meses/semanas de gravidez você está?
Esta é a sua primeira gestação? (para investigar se já houve aborto ou se por algum motivo
perdeu o bebê durante uma gestação anterior- falar sobre experiências de gestações anteriores)
Quando iniciou o pré-natal?
A gestação é de alto risco? Por quê? Quais as possíveis complicações?
A gravidez foi planejada?
Me fale sobre esse momento de gestação, como é para você estar grávida?
(Como você se sentiu ao saber que estava grávida?)
Você se preocupa com você nesta fase de gestação? Quais as suas preocupações?
Você acha que a sua vida mudou desde que você ficou grávida? Em que?
Sobre o corpo e as mudanças corporais
Seu corpo está se modificando com a gestação, me fale sobre isso.
Perguntas auxiliares:


Quais as mudanças que você nota no seu corpo nesse período de gestação?



O que você acha destas transformações do seu corpo durante a gestação?

92



Você sabe quanto o seu peso já aumentou durante a gestação?



Como você se sente vendo a sua barriga crescer?



(Quando houver um companheiro) O que você acha que o seu companheiro pensa
destas mudanças no seu corpo?

Como você acha que vai ser o parto?
Você pretende amamentar? Por quê?
Como você acha que o seu corpo vai ficar depois da gravidez? Como você se sente em relação
a isso?

O que você acha do corpo de uma mulher grávida?
Hoje se fala muito sobre a beleza do corpo da mulher e da busca por um “corpo perfeito”. O
que você acha disso?
Existem mulheres que não querem engravidar ou amamentar para manter seu corpo. O que
você acha disso?

93

APÊNDICE B – Roteiro de Produção de Desenho com as gestantes
ROTEIRO DE PRODUÇÃO DE DESENHOS COM AS GESTANTES


Para solicitar que a gestante produza os desenhos:

1ª instrução:
“Gostaria que você fizesse um desenho de você mesma, um retrato de como você se vê agora
nessa fase da sua vida. Você pode levar o tempo que for preciso para isso”.
2ª instrução (após a finalização do primeiro desenho):
“Agora, gostaria que você fizesse um desenho de você mesma antes de você ficar grávida, um
retrato de como você se via antes dessa fase da sua vida”.


Após o término dos desenhos, mostrar para a gestante os desenhos que foram
produzidos por ela e solicitar que a mesma fale sobre eles:

“Me fale sobre o que você desenhou” (de forma individual para cada desenho).
“O que você achou de fazer os desenhos?”
“O que você achou dos seus desenhos?” (Fale um pouco de como você se vê)
“Existem diferenças entre os desenhos? (Se sim, quais?)”

94

APÊNDICE C – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (T.C.L.E.)
“O respeito devido à dignidade humana exige que toda pesquisa se processe após
consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que por si e/ou
por seus representantes legais manifestem a sua anuência à participação na
pesquisa.” (Resolução. nº 196/96-IV, do Conselho Nacional de Saúde)

Eu, .............................................................................................., tendo sido convidada a
participar como voluntária do estudo O Corpo Grávido: um estudo com gestantes num
hospital público, recebi da Psicóloga RAQUEL DE LIMA SANTOS, mestranda do
programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas e da
professora Dra. HELIANE DE ALMEIDA LINS LEITÃO, responsáveis por sua execução, as
seguintes informações que me fizeram entender sem dificuldades e sem dúvidas os seguintes
aspectos:
Que o estudo se destina a investigar, através de entrevistas, as experiências de
gestantes atendidas em um hospital público com seus corpos grávidos;
Que a importância deste estudo é a de compreender melhor como a gestante
experimenta as mudanças corporais na gravidez e de que forma isso traz implicações
subjetivas para a maternidade, podendo este conhecimento ajudar na assistência pré-natal;
Que os resultados que se desejam alcançar são os seguintes: por meio dos relatos
das gestantes, pretende-se perceber as particularidades deste período quanto às percepções,
sentimentos e expectativas das gestantes sobre seu corpo e a maternidade;
Que esse estudo começará em Dezembro/2011 e terminará em Março/2013;
Que o estudo será feito da seguinte maneira: através de entrevistas individuais com
as gestantes realizadas no ambulatório pré-natal, as quais serão gravadas em áudio;
Que eu participarei das seguintes etapas: conversas iniciais, quando eu estiver no
ambulatório pré-natal para a consulta médica e de entrevista individual na qual conversarei
sobre aspectos relacionados à minha vida pessoal e familiar e sobre as experiências enquanto
gestante;
Que os outros meios conhecidos para se obter os mesmos resultados são os
seguintes: aplicação de questionários a gestantes.
Que os incômodos que poderei sentir com a minha participação são os seguintes:
possíveis constrangimentos diante do fornecimento de informações pessoais e familiares
durante a entrevista, como sentimentos e relacionamentos familiares. No entanto, me foi
garantida a confidencialidade dos meus dados pessoais e familiares, assim como do
anonimato das participantes.
Que os possíveis riscos à minha saúde física e mental são: a participação no estudo
não trará nenhum risco à minha saúde física e mental;

95

Que deverei contar com a seguinte assistência: caso necessário, serei encaminhada
para o serviço de psicologia clínica do Curso de Psicologia da UFAL, sendo responsável por
ela: a Profa. Dra. Heliane de Almeida Lins Leitão.
Que os benefícios que deverei esperar com a minha participação, mesmo que não
diretamente são: ter um maior conhecimento sobre esse momento da gestação contribuindo
tanto quanto possível para a prática e o estudo teórico da maternidade e suas características e,
ainda, contribuir com a assistência prestada pela instituição envolvida às gestantes.
Que a minha participação será acompanhada do seguinte modo: através da
entrevista.
Que, sempre que desejar, serão fornecidos esclarecimentos sobre cada uma das
etapas do estudo.
Que, a qualquer momento, eu poderei recusar a continuar participando do
estudo e, também, que eu poderei retirar este meu consentimento, sem que isso me traga
qualquer penalidade ou prejuízo.
Que as informações conseguidas através da minha participação não permitirão a
identificação da minha pessoa, exceto aos responsáveis pelo estudo, e que a divulgação
das mencionadas informações só será feita entre os profissionais estudiosos do assunto.

Finalmente, tendo eu compreendido perfeitamente tudo o que me foi informado sobre a minha
participação no mencionado estudo e estando consciente dos meus direitos, das minhas
responsabilidades, dos riscos e dos benefícios que a minha participação implicam, concordo
em dele participar e para isso eu DOU O MEU CONSENTIMENTO SEM QUE PARA ISSO
EU TENHA SIDO FORÇADA OU OBRIGADA.
Endereço da participante-voluntária
Domicílio: (rua, praça, conjunto):
Bloco: /Nº: /Complemento:
Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone:
Ponto de referência:
Contato de urgência: Sr(a).
Domicílio: (rua, praça, conjunto):
Bloco: /Nº: /Complemento:
Bairro: /CEP/Cidade: /Telefone:
Ponto de referência:
Endereço das responsáveis pela pesquisa:
1. Nome: Profª. Dra. HELIANE DE ALMEIDA LINS LEITÃO

96

Instituição: Universidade Federal de Alagoas
Endereço residencial: Condomínio Aldebaran Beta
Nº: Quadra T /Complemento: Lote 16
Bairro: Jardim Petrópolis /CEP: 57080-900 /Cidade: Maceió
Telefones p/contato: (82) 3358-5450/9351-0455
2. Nome: RAQUEL DE LIMA SANTOS
Instituição: Universidade Federal de Alagoas - UFAL
Endereço residencial: Avenida Brasil
Bairro: Poço /Nº: 400 / CEP: 57025-070/Cidade: Maceió
Telefones p/contato: (82) 8806-6136/ (82) 3327-8481
ATENÇÃO: Para informar ocorrências irregulares ou danosas durante a sua
participação no estudo, dirija-se ao:
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas:
Prédio da Reitoria, sala do C.O.C. , Campus A. C. Simões, Cidade Universitária
Telefone: 3214-1041
Maceió, ....... de ................................. de 2012.

Profa. Dra. Heliane de Almeida Lins Leitão
(Orientadora)
Assinatura d(o,a) voluntári(o,a)
Raquel de Lima Santos
(mestranda)

ANEXOS

98

ANEXO A – Documento de Aprovação do Projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
UFAL

99

ANEXO B - Transformações corporais a partir de desenhos

Bianca – antes da gestação

Bianca - gestante

100

ANEXO C - Transformações corporais a partir de desenhos

Bruna – antes da gestação

Bruna - gestante

101

ANEXO D - Transformações corporais a partir de desenhos

Daniela – antes da gestação

Daniela - gestante

102

ANEXO E - Transformações corporais a partir de desenhos

Ingrid – antes da gestação

Ingrid - gestante

103

ANEXO F - Transformações corporais a partir de desenhos

Jaqueline – antes da gestação

Jaqueline - gestante

104

ANEXO G - Transformações corporais a partir de desenhos

Joana – antes da gestação

Joana - gestante

105

ANEXO H - Transformações corporais a partir de desenhos

Laura – antes da gestação

Laura - gestante

106

ANEXO I - Transformações corporais a partir de desenhos

Lívia – antes da gestação

Lívia - gestante

107

ANEXO J - Transformações corporais a partir de desenhos

Paula – antes da gestação

Paula - gestante

108

ANEXO K - Transformações corporais a partir de desenhos

Priscila – antes da gestação

Priscila – gestante

109

ANEXO L - Transformações corporais a partir de desenhos

Taís – antes da gestação

Taís - gestante

110

ANEXO M - Transformações corporais a partir de desenhos

Talita – antes da gestação

Talita - gestante